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Nazismo é um movimento da esquerda?

Adolf Hitler ao lado de populares durante comício - C&TAuctions/BNPS
Adolf Hitler ao lado de populares durante comício Imagem: C&TAuctions/BNPS

Do UOL, em São Paulo

17/08/2017 07h39

Difundida nas redes sociais no Brasil, a ideia de que o nazismo tem origem em um movimento de esquerda ganhou força nos últimos dias com os confrontos entre neonazistas e antifascistas em Charlottesville, nos EUA.

Entre os argumentos está a afirmação de que o nazismo seria originado na esquerda por defender uma política nacional-socialista e que, assim como a União Soviética, defendia educação para todos, saúde etc. Entretanto, a afirmação é falsa.

FALSO: Nazismo não é um movimento da esquerda

Historiadores consultados pelo UOL explicam que uma possibilidade para a confusão em relação ao conceito de nazismo teria ligação com a apropriação da palavra "socialismo" na nomenclatura do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, ou Partido Nazista. "Ele não tem nenhuma relação com a antiga social-democracia alemã, um dos partidos mais antigos, muito menos com o Partido Comunista russo, criado na revolução de 1917", explica Estevão Chaves Martins, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB).

Antes de o partido nazista adotar o "Nacional Socialista" em sua nomenclatura, ele era o "Partido dos Trabalhadores", voltado para o povo alemão trabalhador com a ideia de que a população teria sido traída pelas elites. Ele foi liderado por Adolf Hitler, austríaco tomado por este ódio das elites, mas não por ser de esquerda, mas de direita. "Ele era um radical da raça branca, ariana, um campeão retórico do antissemitismo, e reveste esta insatisfação popular em um partido com o nome de trabalhador, operário", diz Martins.

"O Partido Nacional Socialista se apropria do termo para esvaziá-lo, dizendo que os verdadeiros defensores dos interesses sociais dos operários não são os comunistas, os socialistas nem mesmo os social-democratas, mas sim os nacional-socialistas", diz Martins. "Então, eles desenvolvem uma base de ódios sociais internos com o objetivo de recusar a elite antiga, a industrial e a militar. Mas, para não perder o apoio destes três grupos, o partido promete que vai recuperar a glória dos alemães do período anterior ao da Primeira Guerra, quando o país saiu devastado", acrescenta o professor.

A ideologia racista do Partido Nazista, entretanto, não tem embasamento ideológico de direita ou de esquerda. A busca pela pureza ariana, por uma Alemanha pura, se ensaiava ainda no século 19, com filósofos, linguistas e teóricos que buscavam, por exemplo, a pureza da língua original. Quem explica isso é o professor da USP Izidoro Blikstein, especialista em linguística e discurso nazista. Segundo ele, alguns ramos das línguas indo-europeias eram considerados mais próximos da origem europeia, entre elas o germânico. A partir desta ideia, é criado o mito ariano, dos descendentes das tribos originárias dos povos europeus.

"O mito ariano cria a ideia de que é a língua pura e quem melhor representaria essa pureza seria, entre alguns povos, o germânico. O Partido Nazista apropria-se dessa teoria para prometer um caminho para a salvação da Alemanha destruída no pós-Guerra: recuperar a pureza ariana. Quem criou essa teoria forneceu material para que o partido vendesse sua imagem de salvador da Alemanha", explica Blikstein.

Neste sentido, o Partido dos Trabalhadores alemão pretendia preservar a pureza do germânico a partir do seu operário, o grande representante da raça forte germânica, dura, honesta, esforçada. "E como eles faziam esta defesa? Combatendo o que chamavam de povos corruptos, as não raças, negros e particularmente semitas, que eles diziam que preservavam o dinheiro, se enriqueciam à custa dos trabalhadores alemães", diz o professor da USP. "Pouco a pouco delinearam o inimigo da raça pura, e isso era útil para o marketing político do Partido dos Trabalhadores alemão", acrescenta.

Terceira via: nem de esquerda, nem de direita

Para Blikstein, o nazismo é uma espécie de terceira via, um "movimento de xenofobia, combate ao estrangeiro, de quem não era ariano. Ele vai além dessas tendências políticas de esquerda ou direita", afirma. "A extrema-direita recolhe ingredientes da teoria racial nazista, entendendo que, para cultivar o progresso de um país, é preciso que as pessoas sejam educadas, tenham uma formação, tenham uma determinada religião e assim por diante. E isso vira uma forma de salvar a nação."

O professor da USP diz que a razão que faz com que as pessoas associem o nazismo com a esquerda tem relação com o autoritarismo. "Há uma razão: toda vez que um determinado movimento dito de esquerda enaltecia o trabalhador e combatia um determinado segmento social, ele assumia ares que a gente associava com o nazismo."

"Mas isso não significa que o elemento de esquerda tem elementos nazistas, o nazismo vai muito além disso. Ele é uma ideologia racista e, como ideologia racista, tem uma teoria e uma prática, que é eliminar as antirraças e salvaguardar a raça pura. E nisso o nazismo tem uma singularidade: há muitos crimes raciais, mas o chamado genocídio nazista é singular, é único: a eliminação do não ariano. O nazismo levou isto até suas últimas consequências, com os campos de concentração e de extermínio, que praticavam a indústria da morte", explica Blikstein.

Grupos neonazistas, como os que participaram da marcha "Unificando a Direita" no fim de semana nos EUA, intitulam-se como "extrema-direita". "São grupos violentos e muitas vezes instrumento de violência de pessoas que ficam teorizando sobre a supremacia da raça branca e sobre a inferioridade dos outros, o que os legitimaria a usar armas e a atropelar pessoas com carros", diz Martins, da UnB.

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