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Uma iniciativa do UOL para checagem e esclarecimento de fatos


Após denúncia, Temer escolhe agenda favorável, mas escorrega em dados

Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Tai Nalon e Bárbara Libório

Do Aos Fatos

26/10/2017 21h42

No dia seguinte à rejeição da denúncia que o acusava de obstrução de Justiça e de integrar uma organização criminosa, o presidente Michel Temer gravou um pronunciamento veiculado nesta quinta-feira (26) em seus canais nas redes sociais. Além de agradecer aos deputados que o livraram de investigação, escolheu dados econômicos favoráveis para lustrar seu discurso --mas também citou informações sem amparo nos fatos.

Em parceria com o UOL, Aos Fatos checou suas declarações, que vão desde afirmações sobre o crescimento da economia até o desempenho dos programas sociais, da saúde e da educação.

"Os programas sociais continuam e serão sempre minha prioridade."

CONTRADITÓRIO: O presidente repete afirmação feita em seu discurso na ONU, em setembro passado. A declaração não condiz com suas ações mais recentes. Uma série de programas sociais financiados pelo governo federal sofreu cortes com a sua autorização. Aos Fatos elenca alguns exemplos.

O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que engloba vários programas sociais como o Luz para Todos, o Minha Casa, Minha Vida, além da instalação de equipamentos de educação e saúde, sofreu cortes neste ano. De R$ 39 bilhões autorizados no início do ano, o orçamento do programa vai para R$ 19 bilhões. O corte foi anunciado pelo ministro Dyogo Oliveira (Planejamento) em uma entrevista coletiva.

Além disso, o programa de financiamento estudantil para o ensino superior do governo federal, o Fies, está em declínio. Enquanto em 2014 foram colocados à disposição 732 mil financiamentos, em 2015, o número passou para 287 mil. No ano seguinte, 204 mil. As informações são do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Em março, o ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM-PE), anunciou ainda o corte de 29% nos investimentos do fundo. O teto global do financiamento passou de R$ 42 mil para R$ 30 mil.

O programa Farmácia Popular, que oferta medicamentos gratuitos e subsidiados pelo governo, deixou de contar com rede própria. O governo formalizou a decisão em junho passado, prometendo repassar o orçamento do programa, de cerca de R$ 100 milhões, diretamente para Estados e municípios. O programa Aqui Tem Farmácia Popular, entretanto, continua. 

O Ciência sem Fronteiras, depois de sucessivos cortes desde 2015, na gestão Dilma Rousseff, encerrou em abril deste ano suas bolsas para cursos de graduação e passou a atender apenas cursos de pós-graduação, como mestrado, doutorado e pós-doutorado. O orçamento em 2016 era de R$ 1,6 bilhão em 2016 e, em 2017, chegou a R$ 407 milhões.

"A economia voltou a crescer."

VERDADEIRO: Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Economia e Estatística), o PIB do segundo trimestre deste ano cresceu 0,2% em relação ao mesmo período do ano passado. No trimestre anterior, a economia tinha crescido 1%, conforme os dados oficiais, puxada sobretudo pela produção agropecuária recorde, de 13,4%.

Como são dois trimestres com crescimento, é possível dizer, sim, que a economia voltou a crescer. A oscilação, contudo, prega cautela: em seu último Relatório de Inflação, em que faz projeções para o ano, o Banco Central prevê crescimento inferior ao que postulava no início do ano. Seus técnicos preveem crescimento econômico de 0,7%, frente a 0,8% estimado no início de 2017. O último boletim Focus, de 20 de outubro, estima que o PIB crescerá 0,73%.

As checagens abaixo também mostrarão que o cenário, positivo para o PIB, apresenta nuances nem sempre tão otimistas.

"Estamos consolidando avanços na educação e na saúde."

FALSO: Educação - Inicialmente, conforme o Ministério do Planejamento, os gastos da União com Educação em 2016, levando em conta apenas as despesas discricionárias, ou seja, sem contar gastos com pessoal, foram de R$ 34,5 bilhões. Em 2017, a previsão é de R$ 31,3 --ou seja, houve redução nos investimentos.

Para que houvesse reajuste real, no entanto, levando em conta o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado, o valor deveria ser de ao menos R$ 37,2 bilhões.

Em março, o contingenciamento do Orçamento anunciado pelo governo federal atingiu R$ 3,6 bilhões de despesas diretas do MEC. O limite do custeio, nome dado ao recurso utilizado para a manutenção das instituições de ensino, passou de 70% para 75% do orçamento previsto. E o de capital, para adquirir equipamentos e fazer investimentos em estrutura, passou de 40% para 45%. As universidades e institutos federais tiveram que apertar os cintos. O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) atingiu o teto orçamentário em agosto e alertou para a falta de orçamento para o pagamento das bolsas dos estudantes.

Para programas sociais como o Fies, em 2016 foram autorizados R$ 21,3 bilhões --desse montante, R$ 18,4 bilhões foram pagos. Em 2017, não houve aumento real: o orçamento foi para R$ 21,1 bilhões --com o ajuste pelo IPCA, o valor deveria ser de R$ 23 bilhões-- e, até o momento, foram pagos R$ 10,5 bilhões, segundo o Siga Brasil.

Saúde - Tampouco houve reajuste real na área da saúde. Em 2016, os gastos discricionários foram de R$ 99,8 bilhões. Em 2017, a previsão é de R$ 103,8. O valor deveria ser ao menos de R$ 107,8 bilhões. O governo reduziu em 20% a rede de farmácias populares conveniadas no Brasil --o encolhimento foi de 6.317 unidades desde o fim de 2016 até o começo de março deste ano. O Ministério da Saúde, no entanto, foi preservado dos cortes no contingenciamento.

"A indústria vem reagindo bem."

EXAGERADO: A indústria dá sinais ambíguos e ainda está em retração, conforme números oficiais. Segundo o IBGE, a produção industrial brasileira no acumulado dos últimos 12 meses está em -0,1%. De agosto de 2017 para setembro de 2017, que são os números mais recentes, houve queda de -0,8%. O dado positivo é que, em relação a agosto de 2016, houve crescimento de 4%.

Segundo o Relatório de Inflação do Banco Central do terceiro trimestre, a projeção para a evolução da atividade industrial no ano passou de crescimento de 0,3% para recuo de 0,6%. O motivo, segundo os técnicos da instituição é que o ritmo baixo vem "refletindo, principalmente, o menor desempenho na construção civil, de -2,1% para -5,2%, e em distribuição de eletricidade, água e gás, de 2,3% para 1,6%".

"O comércio e os serviços retomam níveis bem melhores."

FALSO: Dados da mais recente Pesquisa Mensal de Serviços do IBGE, de agosto de 2017, mostram que o setor de serviços teve queda de 1% em relação a julho deste ano. A queda ocorre após o recuo de 0,8% em julho e o crescimento de 1,3% em junho.

Há também queda em relação a agosto de 2016, quando o volume de serviços prestados recuou 2,4%, numa sequência de taxas negativas que data de abril de 2015. "Com esses resultados, a taxa acumulada no ano ficou em -3,8% e, em 12 meses, -4,5%", diz o relatório.

"O crescimento é certo e seguro."

INSUSTENTÁVEL: Ainda é cedo para afirmar se a economia irá crescer e quanto, e há números oficiais que atestam isso: o Banco Central iniciou 2017 estimando crescimento de 0,8% no PIB (Produto Interno Bruto), mas esse número foi revisto para baixo ao longo do ano. A projeção foi calculada em dezembro de 2016, quando a instituição reduziu sua estimativa, que era de 1,3%.

No Relatório de Inflação do primeiro trimestre, divulgado em março, o Banco Central reviu mais uma vez a previsão do PIB no ano: foi para 0,5%. Em junho, quando divulgou o relatório relativo ao segundo trimestre, a instituição manteve a previsão e afirmou: "A elevação do ambiente de incertezas que, se mantidas em nível elevado por período prolongado, podem produzir efeitos negativos sobre a atividade, e recomendam manter a projeção anterior". Foi no fim de maio, quando estourou o escândalo da JBS, que as perspectivas econômicas do país ficaram em suspenso.

Em setembro deste ano, o Relatório de Inflação do Banco Central do terceiro trimestre reviu o número. A estimativa agora é que o PIB cresça 0,7% --ainda abaixo do número projetado no início do ano. O índice é semelhante ao do último boletim Focus, de 20 de outubro, que projeta o PIB de 2017 em 0,73%.

O mercado espera, entretanto, que reformas, como a da Previdência, sejam aprovadas. No entanto, ainda há especulação sobre qual o tipo de reforma que será feita. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), prevê dificuldade na aprovação de uma reforma rigorosa e disse, logo após a rejeição da denúncia contra Temer, que o projeto deverá ser reduzido para passar na Casa. A menos de um ano das eleições, políticos temem o impacto de uma agenda negativa em seu desempenho em 2018. Ou seja, o cenário não é exatamente de segurança.

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