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Teto de gastos, novos empregos e educação: o que Alvaro Dias errou na TV

Facebook Confere Alvaro Dias - Arte/UOL
Facebook Confere Alvaro Dias Imagem: Arte/UOL

Luiz Fernando Menezes, Bárbara Libório e Ana Rita Cunha

Do Aos Fatos

06/06/2018 11h32Atualizada em 06/06/2018 13h03

Pré-candidato à Presidência da República pelo Podemos, Alvaro Dias foi ao "Roda Viva" na última segunda-feira (4) e usou dados datados e de outro país para falar de investimento na educação infantil. 

Também errou ao comentar o número de países que utilizam uma política de limite de gastos.

Alvaro Dias foi o quinto entrevistado pelo programa da TV Cultura. Já foram ao ar Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (PSOL), João Amoêdo (Novo) e Marina Silva (Rede). Veja o que foi checado das declarações do parlamentar.

US$ 1 investido na educação infantil significa um retorno de US$ 6 a US$ 7.

IMPRECISO: Essa relação foi descrita pelo Prêmio Nobel de Economia de 2000, James Heckman, durante um seminário de 2013 na Câmara dos Deputados, quando ele explicou a experiência do Programa Perry.

Acontecido na década de 1960 nos EUA, o projeto atendeu crianças vulneráveis em idade pré-escolar. De acordo com o economista, cada dólar investido representou uma economia de US$ 7 até a idade de 27 anos e de US$ 13 até os 40 anos.

A explicação dada por ele é que o investimento em uma criança carente na primeira infância aumenta a renda, os índices de saúde e o emprego e diminui a criminalidade. Heckman estudou o programa em 2006 e seu artigo pode ser lido na revista "Science".

O ganho chegou a ser citado por outras pessoas. Flávio Cunha, coautor de vários estudos com Heckman, repetiu uma conta parecida em entrevista ao UOL, em 2017. Uma nova citação aconteceu no mês passado, quando Tim Evans, diretor de Saúde, Nutrição e População do Banco Mundial, defendeu a priorização dessa faixa etária em evento na Suíça.

Heckman apresentou outra conta em um encontro, também no Brasil, em 2017: "Cada dólar gasto com uma criança pequena trará um retorno anual de mais 14 centavos durante toda a sua vida", afirmou o pesquisador. Ou seja, até os 27 anos, cada dólar renderia US$ 3,78 e não mais US$ 7. Para ele, é o melhor investimento que existe porque é "mais eficiente e seguro do que apostar no mercado de ações americano".

Na entrevista ao UOL, Flávio Cunha explicou que, para o investimento funcionar no Brasil, é necessário adicionar à fórmula a valorização dos pais e dos cuidadores das crianças. Além disso, diz que "cada projeto tem de atender às necessidades daquele local". "Um programa norte-americano talvez não funcione no Brasil, assim como um programa que atende famílias no interior do Ceará pode não ser boa ideia para São Paulo."

Quando perguntado quais seriam as três principais medidas que ele tomaria para melhorar a educação no Brasil, Alvaro Dias utilizou esses dados para argumentar por que a prioridade de seu eventual governo seria a educação de crianças de 0 a 6 anos.

De acordo com ele, esse ganho de US$ 7 "por si só justifica esse investimento", mas também significa que haverá influência no desempenho escolar, no desempenho da atividade profissional, na produtividade e até no PIB (Produto Interno Bruto) do país.

Como a conta apresentada por Heckman, além ser datada --referia-se a um programa dos anos 1960--, também dizia respeito a um outro país, Aos Fatos classificou a declaração do senador como "imprecisa".

O Fundo Monetário Internacional frisou que, de 90 países, 50 deles adotam uma política de teto de gastos porque é necessário o controle dos gastos públicos.

EXAGERADO: O levantamento ao qual Dias se refere é o Fiscal Rules at a Glance, de 2017, que estudou as políticas fiscais de 96 países. A política de teto de gastos é chamada, no relatório, de "expenditure rule" (de sigla ER), que significa uma política de limitação de despesa, e é dividida em limitação do gasto real (que foi a adotada no Brasil) e outros tipos de limitações.

De acordo com a última atualização do levantamento, 30 países adotam algum tipo de ER --e não 50 como diz o senador.

No entanto, se também levarmos em consideração os países que já adotaram a política de limitação de gastos, o número chega próximo ao citado por Dias: 48. 

Contudo, se formos levar em conta apenas as nações que adotavam ou já adotaram políticas de limitação do gasto real, o número cai para 14 países: Austrália, Bélgica, Croácia, Dinamarca, Finlândia, França, Holanda, Hungria, Islândia, Israel, Kosovo, México, Peru e Polônia. Dessas, dez ainda adotam as medidas.

Como o senador não fez a distinção entre o tipo de política --e o texto considera também aqueles que já adotaram essas medidas, mas já não adotam mais--, Aos Fatos classifica a declaração como "exagerada".

Dias usou esse dado como argumento para defender que, se eleito, não vai acabar com a PEC, mas sim revê-la. De acordo com o pré-candidato, o controle do gasto público é necessário, mas não do jeito que foi feito.

Nós tivemos um referendo em que 63% da população optou por revogar o artigo 35, que diz respeito à venda de armas. 

VERDADEIRO: Dias refere-se ao plebiscito que ocorreu em outubro de 2005 e estava previsto no próprio texto do Estatuto do Desarmamento.

Naquele ano, os eleitores foram questionados sobre o artigo 35 do estatuto que proibia "a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional", salvo exceções previstas em lei, como agentes de segurança.

A proibição do comércio foi rejeitada por 63,94% dos votantes. Com esse resultado, foi revogado o artigo e a venda de armas de fogo e munição é permitida seguindo as regras que constam no estatuto.

O pré-candidato usou o plebiscito como argumento para a legalização da posse de armas no Brasil. No entanto, a votação citada não dizia respeito ao porte de armas, que é regulado principalmente pelo artigo 6 do estatuto, mas apenas à comercialização. Aos Fatos já havia checado uma declaração parecida na justificativa do projeto que revoga o estatuto do desarmamento.

A indústria brasileira já respondeu a 27% das gerações de empregos, os manufaturados. Hoje, próximo de 10%.

FALSO: Considerando que geração de emprego é o mesmo que a quantidade de vagas efetivamente criadas no ano, o pico de participação na geração de empregos formais da indústria de transformação --aquela que transforma matéria-prima em bens manufaturados-- aconteceu em 2004, de acordo com dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), do Ministério do Trabalho e Emprego, considerando a série histórica desde 2000.

Em 2004, foram criados 1,8 milhão de empregos, sendo que 30,4% do total de vagas criadas, ou seja 545.665, foram abertas na indústria de transformação.

De 2014 a 2017, o saldo de empregos formais da indústria de transformação ficou negativo, ou seja, o número de postos de trabalho fechados nesse setor superou o de postos abertos.

A declaração de Alvaro Dias portanto é falsa, pois, desde 2014, a participação da indústria brasileira de manufaturados na geração de empregos é nula.

Se considerarmos o estoque de vagas, em 2017, os trabalhadores formais da indústria de transformação representavam 19% dos 37,9 milhões de trabalhadores formais, segundo a Rais (Relação de Informações Sociais) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Na série histórica, o pico de participação da indústria no estoque de empregos foi em 1995, primeiro ano da série, quando a indústria representava 21% dos trabalhadores formais. Esses números também não batem com os citados pelo pré-candidato.

Temos 60 mil homicídios por ano. 

VERDADEIRO: Os últimos números do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostram que o Brasil teve, em 2016, 61,2 mil mortes violentas. O número corresponde à soma das vítimas de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora, e tem como fontes os dados das Secretarias Estaduais de Segurança Pública e/ou Defesa Social e o IBGE. Foi o maior número registrado na história do Anuário.

O Atlas da Violência 2018, lançado nesta terça-feira (5), um dia depois da declaração proferida pelo pré-candidato, mostra um número ainda maior de homicídios: foram 62.517 casos, de acordo com os dados do Ministério da Saúde. Nos últimos dez anos, 553 mil pessoas perderam a vida vítimas de violência no país.

Outro lado

A reportagem entrou em contato com a assessoria do senador por email e por telefone, mas, até a última atualização deste texto, não tinha recebido resposta. Assim que for enviado, será incluído o comentário.

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