Cabeleireira não foi acusada apenas por pichar estátua com batom; entenda

Desde que o ministro Alexandre de Moraes votou por condenar a cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, a mulher que pichou a estátua em frente do STF durante os atos golpistas de 8 de Janeiro, versões enganosas sobre a pena e o caso circulam nas redes sociais.
Algumas afirmam que Débora foi condenada a 14 anos "apenas por pichar a estátua", o que não é verdade. Ela é acusada de cinco crimes. Outras versões afirmam que ela teria recusado um acordo de persecução penal, o que também não é verdade. A PGR (Procuradoria-Geral da República) não ofereceu essa possibilidade a ela devido à gravidade dos crimes.
Entenda o caso da mulher que pichou a estátua
Débora responde por cinco crimes. A pena total imposta por Moraes não se limita ao fato de ela ter pichado "perdeu, mané" na estátua, mas, sim, a um conjunto de crimes. São eles:
- Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito: 4 anos e 6 meses de reclusão;
- Golpe de Estado: 5 anos de reclusão;
- Dano qualificado: 1 ano e 6 meses de detenção e 50 dias-multa, sendo cada dia multa em 1/3 do salário mínimo;
- Deterioração do Patrimônio Tombado: 1 ano e 6 meses de reclusão e 50 dias-multa, com cada dia multa em 1/3 do salário-mínimo;
- Associação Criminosa Armada: 1 ano e 6 meses de reclusão.
Leia aqui a íntegra do voto do ministro Alexandre de Moraes.
Placar do julgamento está 2 a 0 pela condenação; faltam 3 votos. O caso está em análise na Primeira Turma do STF, composta por cinco ministros. Já votaram pela condenação de Débora os ministros Alexandre de Moraes, que é o relator do caso, e Flávio Dino. O ministro Luiz Fux pediu vista e sinalizou que pretende rever a pena de Debóra. Além de Fux, faltam os votos de Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Nesta sexta, Moraes autorizou a prisão domiciliar da cabeleireira, após pedido da PGR.
A participação de Débora no 8 de Janeiro
Pelos crimes de Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado. Segundo a denúncia da PGR, Débora se associou aos demais participantes dos ataques em Brasília com o objetivo de, por meio de violência, impedir e restringir o exercício dos poderes constitucionais e depor o governo legitimamente constituído. A cabeleireira chegou a Brasília no dia 7 de janeiro e se uniu ao acampamento golpista no Quartel-General do Exército.

Por dano qualificado. Para a PGR, houve a destruição, inutilização e deterioração de patrimônio público, com emprego de violência à pessoa e grave ameaça, com utilização de substância inflamável, causando prejuízo considerável à vítima (patrimônio da União). Nesta categoria entram a destruição de bens como móveis, objetos de estofado, obras de arte, vidraças, carpetes, paredes, portas etc que integram o Palácio do Planalto, o STF, o Congresso Nacional, a Praça dos Três Poderes, o Museu da Cidade e o Espaço Lucio Costa. Sobre a participação de Débora, Moraes destaca o vandalismo à escultura "A Justiça" de Alfredo Ceschiatti, localizada na Praça dos Três Poderes, "mesmo com todo cenário de depredação que se encontrava o espaço público", afirma.

Pelo crime de deterioração do patrimônio tombado. Moraes classifica este crime como a invasão aos edifícios-sedes e a vandalização da Praça dos Três Poderes, que são bens protegidos pela Unesco, pelo governo do DF e pelo Iphan. Sobre a participação de Débora, o ministro destaca o caráter "multitudinário" do crime, mas destaca a confirmação da cabeleireira como sendo a pessoa que vandalizou a escultura.

Por associação criminosa armada. Para o ministro, a participação de Débora no ato golpista fica caracterizada também como associação armada, já que foram identificados o uso de armas brancas, de acordo com relatório da Secretaria de Polícia do Senado Federal, como estilingues e pontas de aço, machados, facas e porretes pelos manifestantes. "Não se exige, que todos os integrantes da associação criminosa estejam armados, bastando que apenas um dos integrantes se encontre nessa condição para que a imputação recaia sobre todos, desde que exista o conhecimento dessa circunstância", argumenta Moraes.

Destruição de provas e obstrução de Justiça. Moraes, citando conclusão da Polícia Federal sobre análises no celular de Débora, também afirma que a cabeleireira apagou dados e mensagens do aparelho que comprovavam sua participação nos atos golpistas. O ato foi interpretado pelo magistrado como indício de obstrução de Justiça. De acordo com a PF, existiam diversas conversas no WhatsAppp de Débora com interrupção dos diálogos entre dezembro de 2022 e a primeira quinzena de fevereiro de 2023.
Crimes cometidos em grupo
O que são "crimes multitudinários" ou de multidão? A defesa de Débora alega que não houve individualização de conduta da cabeleireira sobre sua participação no ato golpista, ao que Moraes respondeu que os casos do 8 de Janeiro têm sido tratados pela corte como "crimes multitudinários" ou "crimes de multidão". A PGR também caracteriza assim a conduta dos envolvidos. Segundo o advogado e professor de Direito Penal da USP Pierpaolo Bottini, crimes praticados por multidão podem ter a pena atenuada, mas não exclui o delito.

Outra expressão do Código Penal usada para caracterizar a autoria coletiva do crime é "concurso de pessoas". "Significa várias pessoas praticando em comum acordo o mesmo crime. Nesse caso, todos aqueles que contribuíram com o resultado respondem pelo delito, mesmo pequenas participações. No caso de um roubo a banco, responde pelo delito aquele que subtraiu o dinheiro e também aquele que ficou de vigia na porta", explica Bottini.
Cabeleireira não teve direito a acordo
PGR não ofereceu acordo à cabeleireira. "A gravidade dos crimes imputados na denúncia, bem como as penas mínimas relacionadas ao caso não são condizentes para a formalização de ANPP (Acordo de Não Persecução Penal)", afirma a PGR.
Acordo foi oferecido a incitadores do 8 de Janeiro. De acordo com o MPF, os que tiveram a possibilidade de assinar acordo foram aqueles denunciados por incitação, considerado um crime menos grave. Pelo acordo, a ação penal pode ser encerrada sem condenação desde que os réus cumpram medidas alternativas, como prestação de serviços comunitários e a participação em um curso sobre democracia. Além disso, os réus têm os passaportes e portes de arma suspensos e não podem participar de redes sociais.
Defesa diz que Débora não foi violenta
Manifestação pacífica. A defesa de Débora afirma que, quando ela decidiu ir para Brasília acreditava se tratar de uma manifestação pacífica. Débora afirma que após a chegada da Polícia Militar se afastou do local e se arrependeu de ter ido. O advogado Hélio Junior afirma que sua cliente não praticou qualquer ato violento e que sua prisão é desproporcional.
Débora disse que agiu no 'calor do momento'. Em depoimento de audiência realizada em novembro, a cabeleireira disse que nada foi premeditado e que não imaginava que os atos seriam tão "conturbados". Ela alegou que não entrou em nenhum dos prédios, permanecendo apenas na Praça dos Três Poderes. Sobre a pichação, ela afirmou que um homem havia começado a escrever na estátua e pediu que ela continuasse: "Ele começou a escrita e falou: 'Eu tenho a letra muito feia, moça. Você pode me ajudar a escrever'?". Ela disse também que não conhecia o homem. "Faltou talvez um pouco de malícia da minha parte", declarou.
Mulher que pichou estátua no 8/1 disse que não invadiu prédios e que foi levada pelo 'calor do momento'. Cabeleireira Débora Rodrigues pediu perdão em audiência e disse que se afastará para sempre da política. Leia em: https://t.co/xTfXth6PGG pic.twitter.com/zVGlPrtSfY
-- Folha de S.Paulo (@folha) March 27, 2025
Ela escreveu carta com pedido de desculpas por "ato desprezível". Ela fez uma solicitação de próprio punho pedindo desculpas ao ministro Alexandre de Moraes e dizendo que desconhecia a simbologia da estátua e seu valor material.
Mãe de duas crianças. Débora é casada, tem dois filhos, de 6 e 11 anos, e morava em Paulínia, no interior de São Paulo. Atualmente, está detida no Centro de Ressocialização Feminino de Rio Claro, a uma hora de distância.
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