Medida Provisória pode causar demissões e corte de R$ 5,5 bi no PIB
26/05/2021 12h55
MP põe fim ao REIQ, criado para aumentar a competitividade da indústria química brasileira
Em plena pandemia, quando a fabricação de máscaras, aventais, álcool em gel e seringas é essencial, uma medida provisória pode aumentar os custos e impactar a produção destes e outros produtos. A MP 1034 de 2021 põe fim ao Regime Especial da Indústria Química, o REIQ, que torna mais competitivas empresas do setor, ao diminuir o imposto sobre a compra de matéria-prima. A medida pode causar demissões - em um momento em que o desemprego é uma realidade para milhões de brasileiros -, queda de produção, além de prejudicar setores, como o do agronegócio, um dos principais da economia nacional.
O que produz a indústria química?
É o setor que transforma matéria-prima básica em produtos mais elaborados que servem de insumos para o restante da cadeia industrial. A indústria química está presente na área da saúde: no processo de tratamento da água, no uso de gases medicinais, materiais descartáveis usados em hospitais, medicamentos, além daqueles diretamente ligados ao combate da Covid-19. A relevância levou o governo federal a considerar o setor como essencial no ano passado.
Outras áreas estratégicas para a economia do país, como a do agronegócio, recebem insumos da indústria química para a produção, por exemplo, de fertilizantes e defensivos agrícolas. E até produtos que você usa no dia a dia também fazem parte do portfólio. Roupas de poliéster, escovas de dente, perfumes, embalagens que conservam alimentos e equipamentos de proteção individual (EPIs) são alguns exemplos.
"Os outros setores não produzem sem produtos químicos. É a indústria das indústrias. Os países ricos têm indústria forte. Não existe país no G8 (grupo que reúne os países mais desenvolvidos do mundo mais a Rússia) que não tenha indústria química forte", lembra André Passos Cordeiro, diretor de Relações Institucionais e Assuntos Governamentais da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química).
No Brasil o setor vive uma situação paradoxal. O país tem uma abundância de matéria-prima, atuando como exportador em alguns casos. No entanto, não há um ambiente de negócios competitivo, com empresas concorrendo pelo melhor produto, que ajude a diminuir o custo da compra da matéria-prima. O histórico de "monopólio" no setor de petróleo e gás pela Petrobras é um exemplo disso. Na prática, a fartura de matéria-prima não se traduz em melhores condições para a indústria.
Por isso a importância de políticas públicas, como o REIQ, que ajudem a aproveitar o potencial que o país tem.
O que é o REIQ?
Criado em 2013, o REIQ diminuiu de 9,25% para 1% a alíquota de PIS/Cofins para aquisição de matérias-primas pelas indústrias químicas, levando em conta a relevância estratégica do setor. Longe de ser um benefício, o regime é fundamental para garantir a sobrevivência e fortalecer a indústria nacional. O objetivo é equilibrar as condições entre companhias brasileiras e estrangeiras. Ou seja, o regime busca deixar o preço do produto nacional em condições de concorrer com o importado.
O custo de produção com o REIQ é menor, o que ajuda a manter e a viabilizar projetos no setor. No entanto, mesmo com o regime especial, a participação de produtos fabricados fora do país chega a 46% no mercado nacional.
Atualmente, a alíquota do REIQ que era de 1%, na criação do regime, está em 5,6%. A diferença para 9,25% pode parecer pequena (3,65%), mas se torna relevante em um país em que o imposto sobre o faturamento é de 40% a 45%, enquanto que nos Estados Unidos, onde estão muitas das empresas concorrentes, não passa de 25%.
Com o fim do REIQ, teremos o aumento da tributação em 65%. Isso eleva o custo de produção, o que pressiona o preço dos produtos pra cima".
- André Passos Cordeiro.
Queda na produção e corte de empregos
Ao elevar os custos, o fim do REIQ também deve diminuir o volume de produção das empresas químicas. A Abiquim prevê que o setor pode deixar de produzir entre R$ 2,7 bilhões, num cenário otimista, e R$ 5,7 bilhões. Vale lembrar que atualmente, mesmo com o REIQ, as indústrias estão distantes do máximo que podem produzir. A operação está em 72% da capacidade instalada.
"A produção vai diminuir. Todas (as companhias químicas) vão perder. A gente está estimando a queda de produção em cerca de 7%. Isso é o que gera o desemprego. Porque se produz menos, se emprega menos. E é possível que algumas unidades fabris fechem", alerta Cordeiro.
A indústria química, exatamente por fazer parte de uma cadeia com outras indústrias, é uma grande geradora de empregos. É comum regiões que recebem uma indústria química se transformarem em polos produtivos, como os de Camaçari (BA), Triunfo (RS), Grande ABC (SP) e Duque de Caxias (RJ).
Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) estimou o efeito cascata que o fim do REIQ pode causar. Há uma previsão de fechamento de 85 mil vagas de emprego vinculadas ao setor. Muitos negócios podem se tornar inviáveis. Vale lembrar que o país sofre com o desemprego com mais de 14 milhões de brasileiros sem trabalho, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
"Estamos correndo o risco de perder 85 mil postos de trabalho, num momento em que a gente assiste ao aumento do desemprego no país, com o cenário fiscal se deteriorando. Num momento em que as indústrias continuam se organizando pra continuar produzindo em situação extraordinária, dobrando turnos, evitando aglomerações? não é hora pra isso", destaca Cordeiro.
Impacto no PIB e queda na arrecadação
O mesmo estudo da FGV também estimou uma perda para a economia do país com o fim do regime especial, com um impacto negativo de R$ 5,5 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB). Convêm lembrar que o PIB já vem de um recuo histórico no ano passado de 4,1%, segundo dados do IBGE.
Com custos mais altos, produção menor e menos empregos, a geração de impostos do setor também deve diminuir. A Abiquim estima uma perda de R$ 1,7 bilhão por ano de arrecadação, para os governos federal, estaduais e municipais. É exatamente o que não quer o poder público neste momento. Uma das justificativas do governo para revogar o REIQ é o fato de que "o Brasil enfrenta um ambiente fiscal adverso".
"A proposta do governo está tecnicamente equivocada. Ela serve só pra cumprir formalmente a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas, de fato, ela vai levar a uma deterioração, já no curto prazo, e também no médio e longo prazos, ainda maior do cenário fiscal dos governos", alerta Cordeiro.
A Abiquim
A Associação Brasileira da Indústria Química atua desde 1964 na defesa da competitividade e do desenvolvimento sustentável, dado o caráter estratégico do setor. Formada por representantes das empresas associadas e profissionais contratados, a Abiquim acompanha dados estatísticos, mudanças na legislação e presta assessoria técnica para as companhias.
O Programa Atuação Responsável, que estimula empresas a se comprometerem com melhores práticas nas áreas da saúde, segurança e meio ambiente, é uma das marcas da associação.
A Abiquim acredita que uma indústria química desenvolvida e com condições de crescimento contribui para o fortalecimento da nação. "A indústria química é a indústria do futuro, é a indústria das indústrias, é o alicerce. País rico tem indústria forte. O futuro do Brasil está ligado à indústria química. Esse é o caminho para o desenvolvimento do país: menos desigualdade com o setor produtivo que paga mais e emprega mais", destaca Cordeiro.
Este é um conteúdo produzido por UOL Content_Lab para Abiquim e não faz parte do conteúdo jornalístico do UOL.