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Sem controle contínuo, corruptos voltam às polícias "em um ou dois anos", alerta especialista

Janaina Garcia<br>Do UOL Notícias

Em São Paulo

14/02/2011 17h04

Operações como a “Guilhotina”, desencadeada pela Polícia Federal (PF) e Ministério Público estadual no Rio de Janeiro desde a última sexta-feira (11), são eficientes não só no apelo midiático, mas também na arte imediata de assustar policiais envolvidos em corrupção.

“Isso faz todo mundo ficar com o pé atrás, e quem é corrupto vai tomar mais cuidado, de imediato. Mas o sujeito que se acostumou a ganhar muito mais que o salário dele tem que ter medo constante: se a médio prazo não houver continuidade dela, os reflexos de uma operação dessa acabam em um, dois anos; as coisas voltam ao que eram”.

A análise é do cientista político Guaracy Mingardi, especialista em segurança pública na área de inteligência e análise criminal, crime organizado e corrupção. Ex- secretário de segurança de Guarulhos e sub-secretário nacional de segurança pública, atualmente ele é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com sede em São Paulo.

Para o estudioso, a ação que resultou na prisão já de 30 policiais precisa ter continuidade não exatamente pela PF, mas pela própria Secretaria de Segurança Pública do Rio, por meio, também, da Polícia Civil.

“Por isso é preciso uma corregedoria que funcione de verdade, proativamente, e não um órgão que fique esperando a queixa”, disse.

Na avaliação de Mingardi, o “controle cotidiano” da instituição passa necessariamente por corregedorias independentes, ou seja, com profissionais externos à polícia. “Esse é o grande problema, porque como o sujeito que está na corregedoria e depois vai para o meio daqueles que ele estava investigando? Ou esse corregedor tem possibilidade de continuar sua carreira ali, o que nunca ocorre, ou tem que ser alguém independente, de fora, não policial”, afirma. “Uma operação, simplesmente, não muda as coisas”.

Corrupção x confiança nas polícias

A exemplo da socióloga carioca Julita Lengruber, que, em entrevista ao UOL Notícias, na última sexta, defendeu o fortalecimento das ouvidorias nas polícias como forma de combate à corrupção na instituição, Mingardi também vê no ouvidor papel essencial nessa tarefa. Mas um papel, alerta, que precisa ser “menos formal”.

“A ouvidoria também tem que ser ouvida, não basta encaminhar as denúncias que recebe -- elas têm que ser trabalhadas. Hoje, corregedoria e ouvidoria são muito formais no sentido de que a denúncia chega, elas encaminham para onde têm de encaminhar, e o assunto morre. E as respostas, como ficam?”, questiona.

Além da polícia brasileira e da norte-americana, em Nova York -- que passou por um processo de “limpeza”, no fim da década de 1990 --, o analista cita a polícia de Londres -- a Scotland Yard -- para ilustrar a necessidade de mecanismos que garantam a ficalização externa e o combate à corrupção nessas instituições.

“Toda polícia no mundo que não é muito controlada tem o costume de extrapolar. Mesmo a de Londres, que mata uma ou duas pessoas no ano, em caso de suspeita de terrorismo, atira primeiro e pergunta depois -- assim, matou (em 2005) o brasileiro Jean Charles de Menezes, inocente”, comentou, para completar: “E quando se fala em corrupção, as polícias são órgãos com uma possibilidade muito grande de ela acontecer, também porque muita gente oferece dinheiro para não ser alvo do trabalho delas. Essa é uma tendência que nunca vai se conseguir controlar, pois falamos de um instrumento de força do Estado – mas tendo a possibilidade de controle cotidiano, isso melhora bastante”.

Mesmo para o cidadão comum, analisa o estudioso, a imagem e os trabalhos de uma polícia menos corrupta podem trazer estatísticas mais realistas de como está, de fato, a segurança pública no país. “Para que vou dar queixa de um caso, se não adianta nada, ou mesmo se nem sei se vou ser bem tratado? Ou seja: se o cidadão confia na polícia, ele denuncia o crime comum – esse pode ser um efeito dessas megaoperações. Se ele não confia, vê essas ações e resume: ‘viu só como são corruptos?’

Operação Guilhotina

Segundo a PF do Rio, parte dos 45 acusados na Operação Guilhotina chegaram a movimentar até R$ 50 mil por dia em suas contas bancárias. Os mandados de prisão e de busca e apreensão foram expedidos em investigações sobre venda de informações de operações policiais a criminosos, bem como sobre extorsão de traficantes praticadas por policiais, segurança em pontos de jogos ilegais e desvio e venda de armas apreendidas em operações nos morros cariocas.

Das 38 pessoas presas, até esta segunda-feira, 30 são policiais -- 20 militares, e 10 policiais civis.