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Desvios de donativos tornam-se recorrentes no Brasil; doações minguam em Alagoas

Guilherme Balza*

Do UOL Notícias <BR> Em São Paulo

13/05/2011 13h00

Os episódios de desvios de donativos tornaram-se frequentes no Brasil nos últimos anos, impulsionados pela grande quantidade de desastres naturais que atingiram várias regiões do país. A reportagem apurou que ocorreram desvios nas tragédias de Santa Catarina (2008), Alagoas (2010), e da região serrana do Rio de Janeiro, entre outros eventos. Em boa parte dos casos, os envolvidos permanecem em liberdade.

No último dia 5, reportagem da rádio Bandeirantes apontou o envolvimento do vereador Ushitaro Kamia (DEM), de São Paulo, em um suposto esquema de desvio de donativos recolhidos pela Defesa Civil paulistana para as vítimas das chuvas da região serrana do Rio. A reportagem obteve uma gravação na qual Kamia é citado por uma funcionária da Defesa Civil. Segundo a denúncia, os produtos eram desviados para uma entidade ligada ao vereador e depois distribuídos para a população mediante apresentação do título eleitoral.

A Corregedoria da Câmara Municipal está ouvindo testemunhas para decidir se vai abrir sindicância para apurar a denúncia. O Ministério Público anunciou no último dia 8 que irá investigar o parlamentar. O coronel Jair Paca, da Defesa Civil, amigo do vereador, nega ter direcionado os donativos. Já Kamia afirmou que a entidade apenas estava auxiliando na distribuição dos produtos à população carente.

Sobram roupas, mantimentos e histórias de uso político das doações no Rio

De dentro da quadra de esportes do “Brizolão” de Corrêas, uma nova montanha surge na paisagem serrana de Petrópolis, no Rio de Janeiro. Com cerca de cinco metros de altura, o monte de roupas reúne peças doadas por gente de todo o Brasil e, assim como os cartões postais da região, pode ser observado de longe. Armazenadas precariamente em quilos de sacos fechados, as vestimentas não param de se multiplicar. Novos caminhões chegam a todo instante, vindos de todas as regiões do país. Mas, como assumem os próprios responsáveis pela logística de distribuição, faltam voluntários para dar o encaminhamento adequado à ajuda.

Há outros casos de desvios de donativos para a região serrana do Rio. Em 17 de janeiro, dois homens foram presos em flagrante no bairro de Campo Grande, na zona oeste do Rio de Janeiro, enquanto tentavam desviar um caminhão emprestado pela Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) carregado de doações.

No final de janeiro, duas pessoas foram presas em Teresópolis (RJ) --entre elas uma falsa policial-- acusadas de furtar donativos no ginásio poliesportivo Pedrão, o principal centro de arrecadação da cidade.

Alagoas

Se no Rio de Janeiro os envolvidos foram presos, em Alagoas a situação é diferente. Durante as cheias de junho do ano passado, houve pelo menos dois episódios de desvio de donativos. Em Santana do Mundaú, o autor dos desvios era o próprio prefeito do município, José Eloi da Silva. A Polícia Civil apreendeu donativos para as vítimas das enchentes na casa do prefeito. Ele foi afastado da prefeitura por outras irregularidades, mas permanece em liberdade.

Também estão soltos três bombeiros que tiveram a prisão decretada pela Justiça por furtarem donativos. São eles: o coronel Josivaldo Feliciano de Almeida, o capitão Renivaldo de Lima Barbosa e o tenente Ederaldo dos Santos Gomes. Na época, a Secretaria de Defesa Social constatou pelo menos três desvios de mercadorias doadas, sendo dois deles dentro do quartel do Corpo de Bombeiros e um de um galpão da Secretaria de Estado da Educação. Os três aguardam em liberdade o final do processo.

Além dos desvios, um incêndio de grandes proporções destruiu 20 toneladas de donativos em um galpão localizado no bairro do Jaraguá, em Maceió, causando prejuízo de R$ 12,5 milhões. Denúncia do Ministério Público apontou que o local não tinha condições para armazenar os produtos. Foram denunciados por negligência e omissão quatro militares, que ainda aguardam o fim do julgamento na Justiça Militar.

Nesse ano, a partir de abril, municípios voltaram a ser afetados pelas chuvas e enchentes em Alagoas. Diferentemente do que ocorreu no ano passado, o volume de doações têm sido extremamente baixo, segundo a Defesa Civil Estadual. "Está muito baixo, bem abaixo do esperado. Acho que é por falta de comoção da população”, afirmou o capitão Rômulo, que não soube dizer se a queda nas doações tem relação com os episódios de 2010.

Outros locais

Em São Luiz do Paraitinga (SP), cujo centro ficou completamente destruído com as chuvas de janeiro de 2010, a Defensoria Pública moveu ação contra a prefeitura, alegando que a administração utilizou doações em dinheiro para restaurar o prédio da própria prefeitura, em vez de destinar os recursos para as vítimas da chuva.

A Justiça bloqueou uma conta das doações e determinou que a prefeitura apresentasse um plano para distribuição dos recursos às vítimas. Hoje, há cerca de R$ 500 mil nessa conta, mas ainda não foi definido como o valor será repassado às famílias.

Durante o desastre de Santa Catarina, em novembro de 2008, houve pelo menos dois episódios de desvios de donativos. Em um deles, dois militares do Exército foram flagrados colocando as doações nas próprias mochilas. Na época foi aberto um inquérito militar para apurar os responsáveis, mas o processo foi arquivado.

O outro caso envolveu uma quadrilha que se especializou em desviar roupas doadas e revender em cidades da região do Vale do Itajaí. Três pessoas foram presas em maio de 2006, seis meses depois da tragédia. O grupo furtou cerca de 400 mil peças de roupa.

ONGs comentam

Na avaliação do major Dirceu Lemos, diretor do Exército da Salvação, as fraudes em doações são fatos excepcionais. “Isso foge à regra. Os doadores não podem se desencorajar. A solidariedade nos momentos difíceis é a maior riqueza do povo brasileiro”, afirmou.

Lucia Elena, diretora de relações institucionais da Cruz Vermelha no Brasil, não acredita que os desvios possam desestimular as doações. “As pessoas são capazes de compreender que são ações isoladas e não institucionais. Se você considerar o volume de doações e de pessoas envolvidas, estas ocorrências ficam bem pontuais, mas nem por isso menos graves, disse.

*Com informações de Carlos Madeiro, de Maceió