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Serviço 190 registra 70 chamadas diárias por briga de trânsito em SP; ouça casos reais

Arthur Guimarães<br>Do UOL Notícias<br>Em São Paulo

10/06/2011 10h00

O serviço telefônico de emergência da Polícia Militar (PM) de São Paulo registra, em média, 2.100 ligações mensais relatando desentendimentos de trânsito na capital paulista. A cada dia da semana, são 70 chamados apontando discussões variadas entre condutores de veículos. Pelo menos 20 acabam em agressões físicas – todos os dias.

Sextas-feiras, como hoje (10), fazem as estatísticas crescerem ainda mais. Campeão em incidentes no 190, o último dia útil da semana costuma gerar, em média, 30 ocorrências de brigas nas ruas, quando os cidadãos chegam de fato a trocar socos e tapas.

Como mostram os áudios publicados ao longo desta reportagem – e atesta a polícia –, a situação em São Paulo é crítica. As conversas evidenciam pessoas buscando ajuda na PM para conter desavenças sérias nas ruas e avenidas do município.

Em uma das gravações, por exemplo, o autor da ligação afirma testemunhar um rapaz abandonar seu carro, com duas crianças dentro, para destruir o veículo de outro com um pedaço de madeira (ouça abaixo).

Na avaliação do capitão Cleodato Moisés do Nascimento, porta-voz do Comando de Policiamento da Capital, os congestionamentos e a vida estressante da metrópole turbinam as chances de conflitos. “Muitas vezes, a pessoa já sai de casa de estressada. Briga com o marido, discute no trabalho, e acaba se envolvendo em confusão”, diz.

Nas sextas-feiras, diz ele, a tensão é ampliada. “É o dia de maior alteração. O motorista quer chegar em casa cedo, está pensando em viajar ou, então, passou em um ‘happy hour’ e já fica meio alterado”, afirma o policial.

Os atendentes do 190 são treinados para tentar acalmar os ânimos dos condutores. Inicialmente, são orientados a tentar pacificar os envolvidos na briga. Se percebem que a situação está fugindo do controle ou que a confusão já teve início, mandam imediatamente um carro de polícia ao local, o que acontece em 30% das chamadas por desentendimento.

Nem a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) ou a própria PM possuem dados concretos sobre as brigas de trânsito, como, por exemplo, o volume de Boletins de Ocorrência (B.O.s) elaborados especificamente por esse motivo.

“Seria preciso ir de delegacia em delegacia para encontrar essa informação. Muitas vezes, no entanto, uma confusão desse tipo acaba sendo registrada como lesão corporal, o que impossibilita um cálculo preciso”, afirma o capitão Moisés. “Mesmo se tivéssemos todos os dados, eles não seriam confiáveis. Tem muita gente que briga e depois vai embora, não segue até a delegacia. Muitas vezes, acabam inclusive é indo direto para o hospital.”

Efeito bola de neve

Há 55 anos estudando transporte, o engenheiro Adriano Murgel Branco, 79, afirma que o excesso de veículos, e os consequentes congestionamentos, fazem com que os motoristas de São Paulo se tornem mais agressivos. “É uma situação difícil. A queda de produtividade trazida pelo trânsito já é um fator que gera nervosismo. Além disso, você vê um semáforo que não está funcionando, um sujeito que está te fechando, e acaba estourando”, afirma.

Em sua análise, expostos à pressão de chegar logo ao destino, os condutores se irritam. “A capacidade de se comportar adequadamente, de discutir sem violência ou agressão, é reduzida drasticamente”, diz. “A causa de tudo isso é a presença excessiva de automóveis como forma de transporte em São Paulo. Se não migrarmos para um sistema eficiente de transporte coletivo, a situação só tende a piorar.”

Psicóloga do trânsito da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), Raquel Almqvist alerta ainda para o efeito cumulativo do estresse entre os motoristas. “Uma fila de banco, mesmo demorada, uma hora acaba. Mas no trânsito o desgaste é diário, todo dia. Vai acumulando e acumulando. Se ele (o motorista) não tiver um tempo para regredir nisso, para se acalmar ou relaxar, vira um descontrole”, explica.

Como diz a especialista, inúmeras teses acadêmicas já estudaram a mente dos envolvidos em brigas de trânsito. Segundo ela, dirigir gera nas pessoas um sentimento de proteção. “O veículo vira uma extensão do corpo. E a pessoa se sente poderosa. Além disso, existe a sensação de segurança dentro do carro, de estar rodeado por uma armadura de ferro. O motorista pensa que está acima de tudo."