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Após duas horas de tiroteio, Exército revista moradores do Complexo do Alemão (RJ)

Hanrrikson de Andrade<br>Especial para o UOL Notícias

No Rio de Janeiro

07/09/2011 00h55

Os moradores que tentam entrar nas comunidades do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, estão sendo revistados pelos militares da Força de Pacificação, sem exceções. No início da noite desta terça (6), um tiroteio de quase duas horas entre soldados e criminosos assustou a população da região, que foi obrigada a se trancar em casa.

Os acessos às favelas pela estrada do Itararé foram bloqueados e o Exército montou uma verdadeira operação de guerra no local. Uma adolescente de 15 anos morreu após ser atingida na cabeça por uma bala perdida, e um homem foi ferido por estilhaços de uma granada.

Alguns moradores, que estão nas filas organizadas pelos oficiais do Exército, à espera da revista, não chegaram a presenciar o intenso tiroteio que teve início por volta das 19h30. É o caso do comerciante Mário Bonfim da Silva, 49, que estava retornando do trabalho. Ele teve dificuldades para chegar ao Alemão em função do fechamento das principais vias de acesso.

"Fiquei sabendo da confusão pelo rádio e liguei imediatamente para a minha família. Felizmente, todos estão bem. Agora é esperar a poeira baixar. Tomara que a situação volte ao normal. A pacificação é muito importante para os moradores do Alemão", disse ele.

Segundo a Força de Pacificação, onze veículos blindados (dos quais seis desfilariam na parada da Independência, que acontece no feriado desta quarta-feira, 7) reforçam a segurança em toda a área do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro. Homens da Polícia Militar e do Batalhão de Operações Especiais (Bope) também estão no local.

A polícia investiga se o confronto foi provocado por traficantes da facção Comando Vermelho (CV) que conseguiram fugir durante o processo de pacificação, no fim do ano passado. Eles teriam invadido a comunidade do Adeus, no Complexo do Alemão, a fim de retomar o controle da localidade.

Relatos

De acordo com informações passadas por moradores, homens armados possivelmente com fuzis estavam no alto da favela efetuando disparos contra os militares. Segundo V., que mora na favela da Grota, um grupo de pessoas não identificadas atirou fogos de artifício contra um pelotão de soldados que circulava próximo à comunidade.

"O pessoal está comentando que o cara jogou e saiu correndo. Os soldados começaram a atirar e depois foi tiro para tudo quanto é lado. Algum bandido deve ter arma escondida em casa", disse ela, que solicitou anonimato.

Alguns minutos após o início do tiroteio, moradores relataram barulho de explosões de bombas na estrada do Itararé. Fogos de artifício foram lançados na medida em que os pelotões do Exército subiam pelas ruas das comunidades (uma tradicional estratégia dos traficantes para alertar sobre a entrada da polícia). Mais cedo, um carro de transporte de soldados foi atacado com tiros e granadas no mesmo local.

Atingida na cabeça

De acordo com Carla Lúcia da Silva, a sua sobrinha Ana Lúcia da Silva, 15, foi levada ainda com vida para a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) da Penha, na zona norte do Rio, após ser atingida na cabeça por uma bala perdida. No entanto, a adolescente não resistiu e teve morte cerebral decretada.

Já um homem identificado apenas como Luiz, 47, deu entrada no hospital Getúlio Vargas, no mesmo bairro, com ferimentos provocados por estilhaços de uma granada. Ele apresenta escoriações na região da cabeça, segundo informações de policiais de plantão no hospital.

Momento crítico

A fase da segurança pública no Rio não é das melhores. Além de denúncias sobre a conduta de policiais de UPPs, a Secretaria Estadual de Segurança Pública teve que lidar em menos de 24 horas com a repercussão negativa gerada pelos supostos abusos na mediação de pequenos conflitos ocorridos no último fim de semana no Complexo do Alemão (que receberá oficialmente uma UPP em breve) e na Cidade de Deus (pacificada há mais de dois anos), zona oeste do Rio.

No maior conjunto de favelas da zona norte da capital, os militares da Força de Pacificação utilizaram bombas, spray de pimenta e balas de borracha para conter um pequeno tumulto provocado por pessoas que assistiam a um jogo de futebol, na noite de domingo (4).

Toda a ação foi filmada por um morador da comunidade e gerou uma onda de manifestações contra a presença do Exército - que passou a ser chamado de "Comando Verde", em alusão ao nome da facção criminosa que controlava o Complexo do Alemão antes do processo de pacificação, o Comando Vermelho (CV).

Uma moradora da favela da Grota revelou ao UOL Notícias que, após a confusão do fim de semana, o Exército impôs toque de recolher na região, e nesta segunda-feira (5) muitos moradores foram obrigados a voltar para casa até 22h.

"Fui visitar uma amiga e tive que dormir na casa dela, não podia nem chegar na janela. Os soldados estão com raiva, e os moradores estão voltando a ter o mesmo medo que existia na época em que os traficantes estavam aqui", disse ela, que pediu anonimato.

 

Já na UPP da Cidade de Deus, a segurança foi reforçada depois que frequentadores de um baile funk da região atacaram a sede da unidade com pedras e garrafas, na madrugada de segunda-feira (5). Na ocasião, um sargento da PM, identificado como André Luiz, teve ferimentos leves e foi encaminhado para o Hospital Central da Polícia Militar. O caso está sendo investigado pela 42ª Delegacia de Polícia (Taquara). Ninguém foi preso.

Moradores denunciam abertamente que as limitações em relação ao baile funk da Cidade de Deus supostamente variam de acordo com as equipes que são escaladas para patrulhar a comunidade - enquanto alguns exigem que os eventos sejam encerrados até 22h, em função da Lei do Silêncio, outros permitem que as festas ocorram até a madrugada. Não há informações oficiais sobre o assunto, tampouco investigação da Corregedoria da PM para apurar se algum policial estaria a receber propina.

No mês passado, pelo menos duas ocorrências foram registradas em áreas de UPP. No dia 19 de agosto, um homem efetuou disparos contra policiais da unidade instalada no morro do São Carlos, no Estácio, zona norte do Rio. De acordo com a Secretaria de Segurança, um homem em uma motocicleta conseguiu furar um bloqueio policial e atirou contra os PMs que pretendiam revistá-lo. Ninguém ficou ferido.

Já no dia 14 de agosto, três policiais da Unidade de Polícia Pacificadora do Turano, no Rio Comprido, zona norte, se envolveram em uma confusão na saída de um baile funk realizado na favela da Chacrinha.

Segundo a Secretaria de Segurança, o evento foi marcado sem autorização do comando da UPP e não possuía qualquer tipo de alvará. Ao forçar o término da festa, os três PMs foram atacados com garrafas, pedras e latas de alumínio, mas conseguiram fugir do local sem ferimentos graves. Pelo menos cinco pessoas foram presas.