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"Quero continuar vivo para defender meu povo", diz líder indígena ameaçado de morte

Especial para o UOL Notícias

Em São Paulo

15/09/2011 07h00

Almir Narayamoga Suruí, 37, decidiu aliar o arco e flecha às novas tecnologias para proteger suas terras e a integridade de seu povo. Reconhecido e premiado internacionalmente, o líder da tribo Suruí, localizada em uma área de cerca de 250 mil hectares entre o sudeste de Rondônia e noroeste de Mato Grosso, falou com o UOL Notícias sobre o sucesso de sua parceria com o gigante da internet Google, a falta de prioridade do governo com relação aos índios e as ameaças de morte que vem sofrendo por parte de madeireiros ilegais.

Para o chefe indígena, a única forma de seu povo manter seu modo de vida tradicional e, assim, salvar a floresta e sua cultura, é aprender a lidar com a modernidade.

“Nós índios somos os guardiões das florestas e temos o papel de protegê-las, assim como todas as formas de vida que nelas existem. Somos a garantia de que no futuro ainda haverá floresta nativa, animais silvestres e povos que mantêm seu modo de vida e sua cultura. Somos também a garantia de que juntos e com a floresta em pé contribuímos para o equilíbrio do clima do planeta terra”, disse.

Leia mais na entrevista abaixo:

UOL Notícias - Como surgiu a ideia de unir tradição e tecnologia na proteção do meio ambiente?

Almir - Surgiu da necessidade de entender o mundo do não-indígena e da vontade de descobrir como o povo suruí poderia usar as ferramentas dos “brancos” para a preservação da floresta e da valorização de sua cultura.

Terras Indígenas Sete de Setembro

  • Arte/UOL

    Área de aproximadamente 250 mil hectares, entre o sudeste de Rondônia e noroeste de Mato Grosso, que abriga unidades de conservação e 1.300 habitantes

 

UOL Notícias - Como foi o primeiro encontro com o Google?

Almir - Um dia estava passando na frente da sede do Google, em São Francisco [nos Estados Unidos], e pensei em ter uma conversa com eles. Convenci meu amigo Vasco van Roosmalen [presidente da Equipe de Conservação da Amazônia - ACT Brasil] a marcar uma entrevista. Ficamos duas horas conversando com a equipe do Google, expondo nossas ideias. Falei da nossa terra, das ideias que tínhamos para manter a floresta em pé e do quanto isto era importante para o equilíbrio do nosso planeta. Falei também de como o Google poderia nos ajudar a envolver o mundo inteiro na defesa da floresta e da cultura do meu povo. Logo depois eles vieram a nossa terra para fazer a capacitação do nosso pessoal. Foi muito bom.

UOL Notícias – E qual foi o resultado dessa parceria?

Almir - Conseguimos dar visibilidade ao problema de invasão e roubo de madeira na terra indígena e também às nossas atividades culturais. Hoje, a tecnologia contribui para que tenhamos comunicação com o mundo inteiro e possamos expor nossas propostas.

UOL Notícias - Os suruí estão hoje capacitados para usar essa tecnologia?

Almir - Uma boa parte dos jovens sim. Eles já fazem filmagens, usam o GPS na defesa do território, usam blog, Messenger, Orkut, Facebook, enfim, estão conectados com o mundo todo.

UOL Notícias - Quais são os principais problemas enfrentados pelos índios da tribo Suruí hoje em dia?

Almir - Estamos com invasão de madeireiros que estão usando armas pesadas para intimidar o nosso povo. Temos problemas de saúde por falta de atendimento da Secretaria de Saúde Indígena. A educação é precária, desde a falta de material didático apropriado que respeite a cultura, que seja bilíngue, e atendimento ao ensino médio e superior, que não existem nas aldeias. A Funai [Fundação Nacional do Índio] é falha na proteção da terra indígena, pois não fiscaliza, e quando o faz vai a onde não tem problema, só para dizer que fiscalizou. Temos indígenas ameaçados de morte por madeireiros que roubam madeira ilegal.

UOL Notícias - Você começou a receber ameaça de morte depois que seus projetos começaram a dar retorno. Como foi isso?

Almir - Com o apoio de diversas instituições e a divulgação de nosso Plano de 50 anos, começamos uma campanha entre nosso povo para impedir o roubo ilegal de madeira. Capacitamos os suruís para serem agentes ambientais indígenas, que passaram a fazer vigilância para proteção da floresta. Isto fez com que vários madeireiros deixassem de ganhar dinheiro ilegal, o que os deixou com raiva. E conforme informações, eles acham que me matando estará tudo resolvido e eles podem roubar à vontade. Eles estão enganados, pois não sou apenas eu que defende a floresta.

UOL Notícias - Como são essas ameaças?

Almir - Eles mandam recados ameaçadores, por outros indígenas, dizendo que têm uma lista de indígenas para morrer e que eu sou o primeiro, pois se me matarem tudo estará resolvido.

UOL Notícias - Você sabe quem está te ameaçando?

Almir - Eu não sei o nome deles, pois os que passam os recados não contam, apenas dizem que são os madeireiros.

UOL Notícias - Você tem medo?

Almir - Claro que tenho medo. E isto é bom, pois assim tive a coragem de ir buscar a proteção do governo por meio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Eu não quero morrer, quero continuar vivo para defender o meio ambiente e o meu povo.

UOL Notícias - O relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – 2010” revela que, no ano passado, pelo menos 60 indígenas foram assassinados no país. A ameaça persiste?

Almir - Isso só deixa claro a falta de garantia dos direitos indígenas e como os órgãos que são responsáveis pela proteção destes povos estão deixando de fazer o seu papel. Também demonstra como nosso país trata as minorias e que realmente precisamos de uma atuação mais efetiva na defesa destes povos. Os conflitos são inúmeros e a população em geral precisa tomar conhecimento disso. O governo tem que ter uma atuação mais séria, mais comprometida com os direitos humanos. A violência só existe porque as políticas públicas para os povos indígenas não são implementadas. Temos inúmeros conflitos fundiários no Brasil, devido à falta de cumprimento do Art. 231 da Constituição Federal [que reconhece diversos direitos dos povos indígenas]. Estão rasgando a Constituição brasileira e eu, como legítimo brasileiro, acredito que precisamos restabelecer a credibilidade na Justiça e nas instituições que foram criadas para defender nossos direitos.

UOL Notícias – O que você acha do Novo Código Florestal em debate no Congresso?

Almir - Acho uma vergonha o que estão fazendo. O que vejo é o aumento do desmatamento, principalmente na Amazônia e criminosos sendo premiados. Estão querendo perdoar a dívida de quem destruiu o meio ambiente, invadiu terras indígenas e unidades de conservação. Desmatou tudo só pela ganância de ter muito dinheiro sem se preocupar com o futuro. As pessoas que mantiveram sua reserva legal e suas áreas de Proteção Permanente agora podem ser penalizadas por defender a natureza. O que eu espero é que a presidente Dilma possa vetar qualquer ameaça à natureza. O mesmo espero dos deputados. Nós, brasileiros não podemos aceitar qualquer afronta aos direitos de ter um meio ambiente saudável.

UOL Notícias - O que significa para você toda a repercussão internacional das suas atividades? Como foi ter sido escolhido pela revista norte-americana “Fast Company” como uma das 100 pessoas mais criativas do mundo?

Almir - É uma honra, nunca pensei que isto aconteceria, até porque sei que existem milhares de pessoas no mundo que são extremamente criativas. Essa repercussão significa que outros estão interessados em planejar suas vidas de forma sustentável, da mesma forma que nós fazemos. Ficamos muito felizes em ver que estamos contribuindo para a melhoria da qualidade de vida do planeta.

UOL Notícias - Como vocês fazem esse planejamento?

Almir - Tudo faz parte do Plano Estratégico para os Próximos 50 anos. É o nosso plano de vida. Nele, planejamos educação, saúde, proteção ambiental, alternativas econômicas, energia, cultura, recuperação de áreas degradadas, relacionamento com o entorno da terra indígena, política, enfim, trata de como queremos estar no ano 2040 e que tipo de desenvolvimento queremos para nosso povo.