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No Paraná, moradores tentam impedir primeira usina de incineração de lixo doméstico do Brasil

Rafael Moro Martins

Do UOL, em Curitiba

17/04/2012 06h02

A resistência da população pode fazer com que a prefeitura de Maringá (428 km a noroeste de Curitiba) reveja a intenção de instalar na cidade a primeira usina de incineração de lixo doméstico do Brasil. Uma campanha contra a usina, deflagrada por líderes religiosos, ambientais e Ministério Público, trabalha num projeto de lei de iniciativa popular que vete o incinerador.

Por conta dele, a prefeitura informa que o projeto de instalação da usina está “parado”. A assessoria de imprensa diz que a prefeitura aguarda até que os vereadores analisem a proposta, que requer a assinatura de 12,5 mil moradores – já há mais de dez mil, segundo os líderes do movimento.

O Ministério Público, porém, vê o recuo com cautela. “Ainda que fale em reavaliar (a instalação do incinerador) e em ouvir outras propostas, o fato é que o município já pediu licenciamento para a obra”, afirmou José Lafaieti Barbosa Tourinho, promotor de Justiça do Meio Ambiente do Ministério Público Estadual.

Enquanto isso, nas 26 paróquias da cidade coletam-se assinaturas para embasar o projeto de lei contra a usina. O arcebispo metropolitano de Maringá, dom Anuar Battisti, é um dos coordenadores da campanha, que há poucos dias ganhou a adesão formal de líderes evangélicos, muçulmanos, umbandistas, budistas, entre outros.

Problema social

“Estamos defendendo os anseios e a saúde da população”, diz dom Anuar. “Não existe nenhuma experiência no Brasil que comprove que incinerar seja a solução para o lixo. A prefeitura busca um caminho contrário ao definido pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, aprovada há menos de dois anos, que recomenda a redução, reutilização, reciclagem e compostagem dos resíduos.”

Igreja é contra

  • Divulgação/Arquidiocese de Maringá

    Defendo a saúde, diz dom Battisti

Tourinho explica que a usina consumiria mais lixo do que Maringá produz atualmente. “Para funcionar plenamente, ela consumiria 500 toneladas de lixo por dia, mas a cidade produz 300 toneladas”, informou.

Para suprir a diferença, a empresa que iria construir e operar a usina, a paulista Foxx Soluções Ambientais, traria lixo de cidades vizinhas, afirma o promotor. “Isso, na verdade, acabaria por incentivar a produção de lixo, o que vai contra a visão moderna de reduzir os resíduos e reaproveitar e reciclar tudo o que for possível”, afirmou Tourinho.

“Não é possível queimar lixo orgânico sem plástico, papel. Assim, acabaria o incentivo à separação dos resíduos. E, com todo o lixo queimado, milhares de pessoas que hoje sobrevivem da coleta de material reciclável ficariam sem trabalho”, disse dom Anuar. 

“A própria prefeitura admite, em depoimento formal ao Ministério Público, que mais da metade do lixo urbano da cidade pode ser reciclado. Ou seja – queimá-lo é um equívoco ambiental que, ainda por cima, cria um grave problema social”, declarou o promotor.

Licença prévia e riscos à saúde

A Promotoria do Meio Ambiente de Maringá abriu em março inquérito civil para conhecer detalhes do projeto da usina incineradora de lixo. “Enquanto isso, fizemos uma recomendação, assinada também pelos Ministérios Públicos Federal e do Trabalho, para que o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) não licencie o empreendimento”, explica Tourinho.

A assessoria de imprensa do IAP confirmou ao UOL que recebeu a recomendação, e que a prefeitura já entrou em contato com o órgão para saber quais os estudos necessários para instalar a usina. A Foxx, responsável por contruir a unidade, por outro lado, ainda não fez qualquer pedido ao IAP.

Vamos mandar um ofício à prefeitura solicitando os estudos que estão em andamento”, informa o promotor. Segundo o MP, o município realiza, por recomendação do IAP, um estudo sobre o impacto ambiental que seria causado pela usina, para obter licença prévia para o empreendimento.

A assessoria de imprensa da prefeitura não forneceu detalhes do estudo, e disse que nem o prefeito Silvio Barros (PP) nem secretários municipais dariam entrevistas sobre o assunto.

O Ministério Público não sabe informar, com precisão, quais os riscos para a saúde trazidos pelo incinerador de lixo. “O ônus de provar que não há risco é da prefeitura. Não somos nós que devemos que provar que ele existe. Mas é certo que a queima produz cinzas e gases tóxicos”, afirma Tourinho.

“Além disso, em todo o mundo usinas de incineração se submetem a um monitoramento rigororos. Mas, aqui, o IAP carece de pessoal até mesmo para fiscalizações simples, do dia a dia”, disse o promotor.

Entenda o caso

Terceira maior cidade do Paraná (357 mil habitantes, segundo o censo 2010 do IBGE) e com índice de desenvolvimento humano de 0,841, considerado elevado, Maringá deposita os resíduos num aterro provisório, controlado, instalado numa pedreira desativada.

Enquando isso, o Ministério Público cobra o cumprimento de uma decisão judicial, de 2006, que obriga o município a ter um aterro definitivo. Por conta disso, a prefeitura abriu em 2011 um Procedimento de Manifestação de Interesse, buscando soluções para o problema. Uma das propostas apresentadas foi a da usina de incineração de lixo.

Em fevereiro de 2011, a prefeitura enviou à Câmara Municipal projeto que a autorizava a firmar parceria público-privada com a Foxx para a construção da usina de incineração de lixo. Os vereadores aprovaram o texto, mesmo ante protestos da população.

Desde então, a campanha contra a usina ganhou corpo, com manifestações públicas, o abaixo-assinado para elaboração de projeto de iniciativa popular vetando a usina e o envolvimento do Ministério Público.

Usinas de incineração de lixo são adotadas em vários países da Europa e no Japão. Em alguns casos, o calor produzido pela queima é utilizado pela gerar eletricidade. No Brasil, a técnica é usada apenas para destruir lixo hospitalar ou tóxico.