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Onda de violência em Niterói revela ponto crítico da política das UPPs na capital, dizem especialistas

Manifestação "Niterói quer paz" reuniu centenas de pessoas na cidade no último sábado (21) - Zulmair Rocha/UOL
Manifestação "Niterói quer paz" reuniu centenas de pessoas na cidade no último sábado (21) Imagem: Zulmair Rocha/UOL

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

23/04/2012 06h00

A excelente realidade socioeconômica de Niterói, na região metropolitana do Rio, onde 30,7% da população pertencem à classe A, desperta o interesse não só de investidores, principalmente do mercado imobiliário --pesquisa da Fundação Getúlio Vargas mostra que a cidade tem a maior renda per capita do Brasil: R$ 2.031,18--, mas também de criminosos em busca de uma nova área de atuação.

Segundo especialistas em segurança pública ouvidos pelo UOL, o contraste entre a forte economia local e a recente escalada da criminalidade mostra um ponto crítico da expansão das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) no município do Rio. Desde o último ano, de acordo com dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública, pelo menos 13 indicadores de criminalidade apresentaram aumento absoluto.

As categorias que mais cresceram foram roubo de veículo (316 casos a mais), roubo a transeunte (197 casos a mais) e lesão corporal culposa (109 casos a mais). Em resposta à onda de violência que tomou conta da cidade, a Secretaria Estadual de Segurança Pública reforçou o efetivo da Polícia Militar, e duas favelas ganharam postos de comando.

O mestre em Antropologia Paulo Storani, ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais), argumenta que o crescimento da violência na cidade fluminense que possui o terceiro maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país é resultante de uma nova "forma de agir" dos criminosos que antes ganhavam pequenas fortunas com o tráfico de drogas nas favelas da capital fluminense.

Além disso, a sucessão de delitos também pode ser relacionada ao consumo de entorpecentes como o crack, de acordo com o policial que inspirou a criação do personagem Capitão Nascimento, interpretado pelo ator Wagner Moura no filme "Tropa de Elite".

"Com as UPPs, esses traficantes foram para lá [Niterói] e mudaram a sua forma de agir. Eles pararam de traficar e passaram a praticar esses delitos ditos comuns, como assaltos e roubos a residências, para se reestruturar economicamente. Como Niterói é uma área economicamente atrativa e com uma defasagem de segurança, assim como era a zona sul do Rio, eles aproveitaram a situação. Houve uma migração", explicou. "Também há uma questão pontual referente ao consumo de drogas com alto potencial viciante, a exemplo do crack. Nesse panorama de violência, incluem-se os viciados em drogas pesadas. Os roubos a residência, por exemplo, são muito característicos do camarada que está no extremo vício e precisa de dinheiro para alimentar isso", completou Storani.

O ex-capitão do Bope argumenta que nem todos os traficantes refugiados da capital conseguem entrar no sistema do narcotráfico existente em Niterói, e que isso os leva a optar por uma outra "modalidade" criminosa.

"A reinvenção desses traficantes refugiados nada mais é do que pura sobrevivência. O criminoso muda a modalidade que ele está acostumado pois em Niterói também há traficantes e, consequentemente, chefes. Eles podem até ser integrados à logística do crime local, mas certamente não há espaço para todos na estrutura do narcotráfico. Então eles mudam de ramo, por assim dizer. E certamente não vão trabalhar de carteira assinada", disse Storani.

O antropólogo e professor da UFF (Universidade Federal Fluminense) --situada em Niterói--, Roberto Kant de Lima, afirma que o deslocamento de traficantes pela cidade continuará enquanto o modelo de política de segurança pública não priorizar a inteligência policial e a prisão desses criminosos. Segundo ele, "se derem um jeito em Niterói, os mesmos bandidos procurarão um outro lugar".

"Niterói é uma cidade que está crescendo de forma desordenada. Há muita especulação imobiliária, muita gente rica vem morar aqui, muitos carros de luxo circulando pelas ruas, enfim, muito dinheiro sendo movimentado, e é óbvio que isso atrai esses criminosos que já não conseguem lucrar com o tráfico na capital. (...) Essa migração é natural, já que o nosso sistema de segurança não ofereceu nenhuma alteração significativa. Na verdade, parece até que ele foi enfraquecido", disse.

Lima, idealizar do curso de bacharelado de Gestão em Segurança Pública e Justiça Criminal, o primeiro dessa natureza criado no país, diz que Niterói "sempre foi uma cidade violenta", com altos índices de homicídios e assaltos, porém "só agora a população descobriu que sofre deste mal". Na visão do antropólogo, a população de Niterói passou a cobrar do governo do Estado um "tratamento mais igual" (em comparação com a capital) no que se refere às políticas públicas voltadas para a problemática da segurança pública.

"Niterói sofre do mesmo mal que existe na zona sul do Rio. O povo acha que mora em uma ilha, e essa representação de cidade como ilha é muito estranha. Isso cria no inconsciente coletivo a imagem de que toda essa violência é inédita. As pessoas achavam que se tratava de uma cidade intocável. Quando essa violência começou a ter mais visibilidade, a coisa se tornou mais assustadora", disse. "E também conta o fato de que a criminalidade sempre foi mais evidente nas cidades vizinhas [referindo-se a São Gonçalo e Icaraí]. Agora as pessoas estão enciumadas com a prosperidade do Rio, principalmente considerando os investimentos feitos para a Copa do Mundo e Olimpíadas, e acham que Niterói também merece UPP", completou o antropólogo.

Porém, Lima acredita que a política das Unidades de Polícia Pacificadora não se adequaria às características sociais e geográficas de Niterói. Para ele, o policiamento ostensivo é uma solução a curto prazo, pois oferece à população uma sensação de segurança, porém o real problema da cidade --aumento dos índices de criminalidade-- só seria resolvido com investimentos na área de inteligência e investigação.

"UPP não resolve o problema, e também não seria interessante para Niterói. Os morros não têm as características que motivaram essa intervenção militar nas regiões da capital. Aqui, não sei de problema algum referente à questão territorial [como disputa entre facções por uma determinada favela, por exemplo] e os moradores dessas áreas também não querem policiamento comunitário. Elas querem o mesmo tratamento do asfalto, pois não se veem como uma comunidade", finalizou.

Repressão

A Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) realizou na manhã da última sexta-feira (20) uma nova operação de mapeamento das favelas mais perigosas de Niterói. Após ação no morro do Preventório, há seis dias, a Polícia Civil fez uma incursão tática na comunidade da Grota do Surucucu, situada no bairro São Francisco. Foram apreendidos 209 pacotes de cocaína, 170 sacolés de crack e 146 trouxinhas de maconha, além de farto material para endolação.

A ação da divisão de elite da Polícia Civil vem sendo realizada há cerca de um mês e meio, segundo a Core, e pode significar o início de uma política de pacificação no município. Mapas estão sendo traçados a partir de informações passadas pelo Disque-Denúncia e pelos departamentos de inteligência e serviço reservado das polícias Civil e Militar.

Esta foi a quinta operação policial em Niterói nos últimos dez dias. No dia 13 de abril, agentes da Subsecretaria de Inteligência (SSINTE) da Seseg e policiais da 79ª Delegacia de Polícia (Jurujuba) realizaram uma operação para checar denúncias sobre a atuação de narcotraficantes na comunidade.

O principal alvo da polícia era o traficante Danilo Soares dos Santos, conhecido como Bocão e identificado como chefe do crime organizado no morro do Preventório. Ele não foi localizado, porém foram apreendidas drogas e um caderno com anotações do tráfico. Já na quinta-feira (19), dois suspeitos morreram e um foi baleado durante operação da PM na comunidade Vila Ipiranga, no bairro do Fonseca.

Reforço

A crise na segurança pública em Niterói fez com que o secretário estadual de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, fizesse no dia 12 de abril uma reunião emergencial com o comandante da Polícia Militar, coronel Erir Costa Filho, o secretário estadual de Assistência Social, Rodrigo Neves (que será candidato à prefeitura do município pelo PT), a chefe de Polícia Civil, Martha Rocha, entre outros participantes.

Durante o encontro, Beltrame definiu um pacote de medidas para reduzir a onda de violência que tomou conta da cidade nos últimos meses. As principais intervenções são a instalação de duas companhias destacadas do 12º BPM, cada uma com cerca de cem homens, nos morros do Cavalão e do Estado.

Além disso, o efetivo da Polícia Militar para a cidade foi reforçado por 44 agentes do projeto Garupa, pelo qual policiais recém-formados ficam responsáveis pelo patrulhamento por meio de motocicletas. A Seseg também anunciou a criação de uma base de polícia montada.

Na cerimônia de inauguração das duas primeiras UPPs do Complexo do Alemão, na última quarta-feira (18), o governador Sérgio Cabral afirmou que Niterói deve ganhar uma Unidade de Polícia Pacificadora caso o pacote de intervenções anunciado pela Secretaria Estadual de Segurança Pública não seja capaz de resolver o problema.

Migração de criminosos

No decorrer de um evento promovido pela Unidade de Polícia Pacificadora da favela da Providência, no centro do Rio, no dia 11 de abril, o secretário estadual de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, admitiu pela primeira vez que a expansão da política de pacificação na capital fluminense culminou na migração de criminosos para outros municípios da região metropolitana.

"Claro que há migração, mas não é um dado mensurável. Não sabemos se é um, cem ou mil. Tivemos 472 prisões em Niterói e 32 no Rio", disse o secretário aos jornalistas que acompanharam o evento.

Em São Gonçalo, por exemplo, na favela da Coruja, o atual chefe do tráfico de drogas é Maico dos Santos de Souza, conhecido como Gaguinho, que fugiu do Complexo do Alemão após a ocupação do maior conjunto de favelas da zona norte do Rio.

Investigações da Polícia Civil apontam que há ainda outros narcotraficantes foragidos de comunidades da capital fluminense abrigados nas favelas de Niterói e de cidades da região serrana do Rio.