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Conferência da ONU recoloca em pauta antigos conflitos ambientais do Rio; veja os três principais desafios

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

23/06/2012 12h00

O Rio de Janeiro, cidade-sede da Rio+20 --que chegou ao fim nesta sexta-feira (22) após dez dias de várias atividades e reuniões entre chefes de Estado e de governo --, convive com antigos conflitos ambientais que voltaram a ganhar visibilidade em face da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável.

O lixão de Jardim Gramacho, na Baixada Fluminense, por exemplo, foi desativado dez dias antes do início da agenda oficial das Nações Unidas --depois de 34 anos recebendo a maior parte do lixo gerado no Rio de Janeiro. Durante a Conferência, os catadores --que receberam indenizações de R$ 14 mil cada-- conseguiram recursos para a construção de um polo de reciclagem na mesma região.

No entanto, segundo especialistas e o próprio governo do Estado, a recuperação da área de 1,3 milhão de metros quadrados deve demorar pelo menos 15 anos. O terreno onde está situado o lixão já foi um dia mangue e área de lazer para a população de Duque de Caxias, município vizinho ao Rio.

Hoje a área tem aparência argilosa com montanhas de sedimentos de 50 metros de altura (o equivalente a um edifício de 17 andares) e 60 milhões de toneladas de lixo que foram sendo acumuladas ao longo de 34 anos.

Se não houver um monitoramento diário, de acordo com a diretora da organização não governamental Vera Chevalier, há risco de parte dos resíduos verter sobre a Baía de Guanabara.

"O termo mais correto não é fechar um aterro, mas, sim, encerrá-lo. Para encerrar são necessários mais 15 anos de obras de engenharia e controle para considerar tratado aquele espaço que não poderá ser habitado", diz Chevalier, que ainda não tem o cálculo preciso de quanto deverá ser investido para recuperar a área e transformá-la para uso coletivo.

Segundo o secretário estadual de Meio Ambiente, Carlos Minc, a reurbanização de Jardim Gramacho será a terceira etapa do projeto elaborado para a região, e só deve ocorrer após a construção do polo de reciclagem.

No mesmo município onde está situado o lixão de Gramacho, outro conflito ambiental vem sendo estudado e debatido há pelo menos 20 anos. Trata-se da Cidade dos Meninos, um bairro do distrito de Campos Elíseos com cerca de dois mil moradores. Segundo dados do Ministério da Saúde, aproximadamente 97% da população estão contaminados por substâncias como HCH e DDT (compostos utilizados na produção de pesticidas).

O secretário Carlos Minc contesta as informações coletadas sobre a região, e diz que apenas 66 moradores estão "comprovadamente contaminados".

"Realmente, é um problema seríssimo. São 66 pessoas comprovadamente contaminadas, e temos o laudo de todas elas, são principalmente crianças e mulheres. Mas há aquelas que podem estar contaminadas, e não se obteve comprovação. Nós cercamos aquilo com arame para impedir as vacas de entrarem porque ficavam com THC no leite das vacas. Mas as galinhas entravam e o THC ficava no ovo delas. A Cidade dos Meninos é um passivo no qual 70% do problema ainda não foi resolvido", disse.

"A primeira vez que fui lá foi em 1987. Passei mal, vomitei, uma coisa horrorosa. A gente conseguiu tirar 300 toneladas para a Reduc. Teve um ministro do Collor que foi lá e passou um trator e uma pá de cal, e, literalmente, misturou o cal com o solo contaminado. Depois vimos com a PUC que o cal ajudou aquele pó de broca a contaminar o lençol freático", completou Minc.

Efeitos do pó de broca

A aposentada Lourdes da Silva, 79, que vive na região há 58 anos, foi uma das primeiras moradoras a sofrer a contaminação. Ela afirma que foram muitas as promessas do Ministério da Saúde a respeito da necessidade urgente de descontaminação da localidade. Porém, na maioria das vezes, a resposta dada foi a de que seria "mais barato" retirar a população do que implementar uma política adequada.

"É duro chegar aos 61 anos com um alto nível de HCH no sangue. E o mais duro é chegar num hospital público e não encontrar um médico que possa me atender", disse.

O chamado "pó de broca" é a herança deixada por uma antiga Fábrica de Produtos Profiláticos, desativada em 1960, onde se utilizava como matéria-prima o benzeno --substância altamente tóxica que, transformado em HCH ou DDT, pode provocar câncer, má formação congênita, entre outras doenças.

Como a área pertence ao governo federal, o conflito ambiental da Cidade dos Meninos acaba envolvendo uma série de questões políticas, o que faz com que os moradores sejam vistos como posseiros a rigor da lei.

O Ministério da Saúde, responsável pelo terreno, enviou notificações aos moradores em 2005, depois de uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz que indicou que cerca de 30% da população apresentava níveis críticos de contaminação: quase duas vezes mais em relação aos demais.

Desde então, não foram feitos estudos sobre o conflito ambiental, e o tão desejado projeto de descontaminação, cercamento e impermeabilização do solo nunca saiu do papel.

De acordo com a associação de moradores, pelo menos 50 pessoas já morreram em função de complicações causadas pelo HCH e DDT. Ainda há grandes quantidades de pó de broca armazenados na Cidade dos Meninos. Segundo informações dos moradores, costumava-se encontrar a substância sendo livremente comercializada em feiras e mercados populares --o que agravou a contaminação em massa.

Descontaminação da Baía de Sepetiba

Dos principais conflitos ambientais do Rio, a poluição da Baía de Sepetiba, na zona oeste da capital fluminense, é o que caminha de forma mais acelerada em direção a uma solução definitiva, segundo o secretário estadual de Meio Ambiente, Carlos Minc.

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"Montamos uma arquitetura interessante a partir de um projeto da Universidade Federal do Rio de Janeiro para descontaminar a região, e isso foi a leilão com apoio judicial. A empresa que ganhou, a Usiminas, terá uma contrapartida que será o abatimento no preço do terreno. Eles já começaram o processo de descontaminação e podemos dizer que essa equação foi bem resolvida", disse.

 

"Quando descontaminarem, aquela área será bem valorizada, já que está na retroárea do porto de Itaguaí, e a gente vai ter emprego. O processo de descontaminação não será pago com dinheiro público. Eles já conseguiram descontaminar parte da água, e estão avançando em parte da terra, que depois será impermeabilizada", completou o secretário.

A descontaminação do terreno será o primeiro passo para a construção do porto da Usiminas que será utilizado para os embarques de granéis sólidos, principalmente minério de ferro.