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Africana que ficou presa no Rio após furto de documentos durante a Rio+20 embarca para o Níger

Hadjatou Aboubacar Anadou, 53, que veio ao Brasil participar da Rio+20 como parte da delegação do Níger, país localizado ao sul da Nigéria, teve o seu passaporte furtado na semana passada e só conseguiu embarcar em direção ao país de origem nesta terça-feira (3). - Eduardo Naddar / Agência O Globo
Hadjatou Aboubacar Anadou, 53, que veio ao Brasil participar da Rio+20 como parte da delegação do Níger, país localizado ao sul da Nigéria, teve o seu passaporte furtado na semana passada e só conseguiu embarcar em direção ao país de origem nesta terça-feira (3). Imagem: Eduardo Naddar / Agência O Globo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio*

03/07/2012 16h02

Após oito dias sem poder voltar ao seu país de origem, a africana Hadijatou Aboubacar Anadou, 53, embarcou nesta terça-feira (3) em direção ao Níger, país limitado a sul pela Nigéria, em voo que saiu às 14h45 do Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão, na zona norte do Rio de Janeiro.

Aboubacar --que veio ao Brasil para participar da Conferência Rio+20 e não pôde regressar país africano após ter tido seus documentos roubados-- estava acompanhada da família de Élida Hederick, a professora de inglês que ajudou a estrangeira durante a sua permanência inesperada na capital fluminense.

Antes de embarcar, a africana ganhou fãs de última hora e virou atração no aeroporto. Funcionária do Ministério da Educação do Níger, Aboubacar afirmou que pretende voltar ao Rio de Janeiro em breve para agradecer a família que a recebeu, e conhecer melhor as belezas da cidade.

"Ela mostrou que é uma guerreira, e honrou as tradições do povo africano. Mesmo com toda a dificuldade, ela conseguiu suportar e agora vai poder reencontrar a família. Vou guardar a foto que eu tirei com ela com muito carinho", afirmou o paulista Carlos da Silva Bergher, 38, um dos que aproveitou para tirar fotos com Aboubacar no saguão do Galeão.

Durante o período em que morou na casa da professora de inglês, no bairro da Penha, na zona norte do Rio, a nigerina aprendeu algumas palavras do idioma local, tais como "obrigado" e "bom dia", e arriscou uma despedida em português antes de entrar no setor de embarque do Tom Jobim.

Segundo Hederick, a convivência com a nova amiga foi muito "amorosa", e toda a família da brasileira acabou criando um "vínculo familiar" com a nigerina.

O marido de Aboubacar, que contribuiu com R$ 350 para as despesas da viagem, disse por telefone que providenciará "uma verdadeira festa" para a professora de inglês quando esta tiver a oportunidade de conhecer o país africano.

A nigerina contou ainda com a ajuda financeira de R$ 300, doados por uma moradora do Leblon, bairro da zona sul do Rio, que não quis se identificar. O voo em direção ao Níger fará escalas na Itália e no Marrocos, totalizando 20 horas de viagem.

Entenda

A via-crúcis de Aboubacar começou no último dia 23, quando ela teve seu passaporte, dinheiro e cartões de crédito furtados com sua bolsa enquanto passeava no shopping Rio Sul, em Botafogo, na zona sul.

Desde então, ela tentou embarcar três vezes no Galeão apresentando documentos diferentes --a cópia do passaporte, o boletim de ocorrência do furto e o fax de um documento enviado pela Embaixada do Níger nos Estados Unidos--, mas todos foram considerados insuficientes pela companhia aérea.

O drama da nigerina terminou na noite desta segunda-feira (2) com a chegada de um "laissez-passer" (passaporte emergencial), emitido pela Embaixada do Níger nos Estados Unidos.

Casamento à espera

O Brasil não tem representação do Níger, o que deixou Aboubacar em uma lacuna diplomática após a Rio+20. Funcionária do Ministério da Educação em seu país, ela era parte da delegação de mais de 60 pessoas enviada para a Rio+20, onde participou de diversos eventos paralelos.

A estrangeira destacou com amargura ter sido "a única que restou" e afirmou que somente uma providência foi tomada por seu país: entrar em contato com a embaixada nos Estados Unidos para que a representação interviesse.

Ela tinha um motivo a mais para aumentar a ansiedade: o casamento de sua filha está marcado para o próximo dia 14. "Eu tenho que organizar tudo. Todos estão me esperando. Todos estão preocupados com a minha ausência", afirmou ela à BBC Brasil.

Aipim e manicure

Até a noite de segunda-feira (2), Aboubacar aguardava ansiosamente a chegada do documento emitido pela embaixada do Níger nos EUA, desta vez enviado pelo correio, e não fax, para que pudesse apresentar o original ao embarcar.

Entre crises de choro e conversas com a família por telefone, ela vinha sendo amparada pela família de Élida Heiderick, que acompanhou o seu drama desde o primeiro embarque frustrado.

A professora de inglês de 42 anos estava trabalhando no aeroporto durante a Rio+20, fazendo a recepção de estrangeiros, e começou a ajudar a nigerina depois de encontrá-la chorando no domingo.

Élida "adotou" Aboubacar e tomou a frente na batalha burocrática para seu solucionar o seu problema, cobrando providências de órgãos como o Itamaraty, a Secretaria Municipal de Assistência Social e o comitê organizador da Rio+20.

"No início ficamos meio sem saber como agir, porque brasileiro gosta de tocar, abraçar... Mas depois vimos que ela também é muito carinhosa", disse a professora.

Aboubacar, que é muçulmana, quis saber onde o sol nasce ao chegar para poder fazer suas preces diárias. Manteve sua tradição religiosa, mas viu muitas coisas novas.

Em uma semana na zona norte carioca, a nigerina fez as unhas pela primeira vez, em estilo "francesinha", com esmalte cor de rosa igual ao escolhido por Élida; provou bolinho de aipim na barraca da esquina; foi à feira e provou melancia. Também ouviu funk pela primeira vez, com direito a demonstrações de como dançar com a mão no joelho, a cargo da filha de Élida.

Apesar do azar com o passaporte, a nigerina reconheceu a sorte por ter sido adotada pela família. "Se todas as pessoas fossem como a Élida teríamos menos sofrimento no mundo", diz.

"Eu continuo sentindo saudade do meu país, mas (depois de estar com a família de Élida) não sofri mais. Eu comi, bebi, conversei, conheci seus amigos. Não sei como expressar a felicidade que sinto por ter conhecido essas pessoas", disse, comovida. (Com reportagem de Júlia Dias Carneiro, da BBC Brasil).