MP investiga exploração de trabalho infantil em tradicional espetáculo de Natal em Curitiba
O Ministério Público do Trabalho (MPT) investiga a exploração de trabalho infantil no coral de Natal do Palácio Avenida, tradicional espetáculo realizado há duas décadas no edifício-sede do banco HSBC, no centro de Curitiba.
As irregularidades foram relatadas ao MPT em dezembro de 2011. “A partir delas, acompanhamos pessoalmente os ensaios e apresentações e deparamos com crianças submetidas a excesso de horas de trabalho com exigência de profissionalismo absoluto, sem pausa para alimentação, num ambiente insalubre e perigoso”, disse a procuradora Margaret Matos de Carvalho.
Apesar disso, ela diz que a intenção do MPT e do Ministério do Trabalho e Emprego, que colabora no processo, não é acabar com o espetáculo, mas melhorar as condições de trabalho das crianças. “De nossa parte, não há o menor risco de não haver o coral. E o HSBC tem se mostrado disposto a fazer as mudanças exigidas”, afirmou.
Procurado, o HSBC informou, em nota enviada pela assessoria de imprensa, que “o projeto segue orientações dadas pela Vara da Infância e da Adolescência de Curitiba” e “que não medirá esforços para continuar aprimorando a atenção e os cuidados oferecidos aos coralistas” (leia abaixo íntegra da nota).
Ambiente insalubre
“Da forma como é realizado hoje, o coral de Natal caracteriza trabalho infantil artístico, e não uma simples manifestação artística”, afirmou a procuradora. “Dessa forma, tem de seguir a legislação trabalhista. Mas, no Palácio Avenida, as crianças cantam a mais de dois metros do chão, com segurança precária. O risco de acidentes é evidente, mas não há um aparato médico para atendê-las no caso de uma ocorrência.”
“Com as luzes usadas no espetáculo, a temperatura interna do prédio fica muito alta, o que também aumenta o risco de desidratação. Mas, durante as mais de duas horas seguidas de apresentação, não há sequer um intervalo para que as crianças possam beber água”, disse Margaret.
O MPT informou também considerar insuficiente a alimentação fornecida pelo banco às crianças. “Nos dias de show, elas saem dos abrigos em que vivem às 15h, para só retornarem por volta das 23h. Durante todo esse tempo, nem mesmo um lanche é servido a elas. Nos dias de ensaio, há um intervalo para uma refeição, mas que dura apenas cerca de dez minutos.”
“Coral falso”
O espetáculo de Natal usa um elenco de 180 crianças, uma em cada janela do Palácio Avenida. Dessas, apenas 40 cantam, apoiadas por uma gravação das próprias vozes tocada pelo sistema de som. As demais são usadas apenas como figurantes – na organização do espetáculo, são conhecidas como o “coral falso”, segundo Margaret.
“Além de não cantarem, elas usam roupas diferentes, mais simples. Por isso, se sentem inferiorizadas em relação às outras. E verificamos que as crianças que formam o coral verdadeiro só andam entre elas, são um grupo à parte”, argumenta a procuradora.
De todas elas, exige-se o que Margaret define de “profissionalismo absoluto”. “Durante o espetáculo, a maestrina faz cobranças contínuas. Mesmo que estejam cansadas, as crianças são advertidas a não se sentarem nem pararem de agitar os braços nas coreografias.”
Desde o início das investigações, MPT e Ministério do Trabalho já realizaram ao menos cinco reuniões com o HSBC. As autoridades irão exigir que o banco forneça acompanhamento médico e psicológico para as crianças, além de aulas de música para as que hoje estão no “coral falso”.
O MPT também quer que o banco aumente o elenco do espetáculo, de forma a reduzir o desgaste das crianças. Com isso, a ideia é, também, aumentar o número de entidades envolvidas. Atualmente, as 180 crianças do elenco vivem em 11 abrigos, que em troca recebem do HSBC auxílio médico, material e reforço escolar.
“O banco tem se mostrado disposto a fazer as mudanças, bem como as entidades entendem que elas são necessárias. Mas, mesmo que haja um impasse, estamos dispostos a realizar o coral com as crianças noutro lugar da cidade”, afirmou a procuradora.
Outro lado
Em nota enviada pela assessoria de imprensa, o HSBC informa que, “desde o ano passado vem adotando sugestões do órgão para ampliar os benefícios e o bem-estar de todos os participantes do coral de Natal, formado por 160 crianças selecionadas de 11 casas lares da capital e região metropolitana”.
O banco também informa que “as crianças são atendidas por um programa social do banco que, há 11 anos, oferece assistência ao desenvolvimento psicossocial e educacional a mais de 500 pessoas por ano. O projeto segue orientações dadas pela Vara da Infância e da Adolescência de Curitiba”.
Ainda segundo a nota, “O HSBC esclarece que não medirá esforços para continuar aprimorando a atenção e os cuidados oferecidos aos coralistas para que essa manifestação artística de Natal, tão importante para as crianças quanto para Curitiba, possa continuar a ser um dos cartões postais do país.”
O que é
O coral de Natal é realizado no Palácio Avenida há 21 anos. À época, o prédio era a sede do banco Bamerindus, que foi liquidado em 1997 pelo governo federal durante o Proer. O espólio do Bamerindus foi comprado pelo HSBC, decidiu manter o espetáculo natalino, que já havia agradado à população de Curitiba e aos turistas.
O espetáculo, que chegou a ser apresentado por celebridades como as atrizes Irene Ravache e Letícia Sabatella, reuniu em 2011 cerca de 200 mil pessoas no calçadão da rua 15 de Novembro, no centro da cidade.
O sucesso do coral do Palácio Avenida levou a prefeitura a batizar Curitiba de “capital do Natal” para tentar aumentar o fluxo de turistas na cidade durante as festas de fim de ano.
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