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Interesse do governo e mercado imobiliário motivam remoção de famílias em SP, aponta estudo de grupo da USP

Fabiana Nanô

Do UOL, em São Paulo

28/09/2012 19h02Atualizada em 02/10/2012 12h01

Um estudo do Observatório de Remoções, grupo da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) surgido em julho deste ano, apontou uma relação direta entre remoções de famílias de baixa renda e a realização de operações urbanas na cidade de São Paulo. “Existe uma tendência a ameaças de remoção onde há interesse do governo, em projetos em geral, e do mercado, em investimentos imobiliários”, afirma Karina Leitão, professora da FAU e integrante do Observatório de Remoções.

O grupo de estudos apresentou, em evento na Defensoria Pública do Estado de São Paulo, os primeiros dados de um levantamento a respeito de remoções forçadas da população de baixa renda decorrentes de obras na cidade.

O intuito do grupo, formado por professores da FAU em parceria com órgãos públicos e movimentos sociais, é realizar um mapeamento colaborativo dos projetos em curso na capital paulista e das remoções também em andamento. “A gente tem observado um crescimento muito grande de remoções em São Paulo em virtude de projetos urbanos, e criamos o grupo para agregar dados, que infelizmente são muito fragmentados”, conta Karina.

As informações coletadas estão disponibilizadas no blog do grupo. Uma rápida olhada em um mapa interativo publicado no site expõe a relação direta entre projetos urbanos e remoções. “É um mapa muito criterioso, já traduz um esforço muito importante”, continua Karina.

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    Mapa interativo realizado pelo Observatório de Remoções da FAU-USP compara o local de remoções de famílias de baixa renda (à esquerda) e o mapa de projetos urbanos (à direita)

Para coletar dados a respeito das remoções, o Observatório contou com parcerias com a Defensoria e o Ministério Público do Trabalho, além da articulação com movimentos sociais como a UMM (União dos Movimentos de Moradia) e a FLM (Frente de Luta por Moradia). “O observatório identificou 177 áreas ameaçadas de remoção nos últimos 12 meses em São Paulo. Algumas foram removidas e outras receberam notificação ou estão em áreas em obra ou com projeto definido”, diz a professora. Os números, porém, são parciais e podem aumentar. “Entrando nos casos, temos mais detalhes. Estamos mapeando famílias que já foram removidas três vezes, é um absurdo.”

Karina explica que, muitas vezes, as famílias removidas vão para outras áreas de risco. Em outros casos, “não sabemos para onde essas pessoas foram”. A dificuldade em coletar dados a respeito decorre também do descaso do poder público. “Infelizmente o governo não disponibiliza [essas informações] de forma agregada.”

Em relação aos projetos públicos e privados em andamento na cidade, o Observatório reuniu dados a partir de pesquisas dos próprios professores da FAU que acompanham operações urbanas e projetos em áreas como as contempladas pelo rodoanel, e também da Prefeitura de São Paulo, que possui programas como o Habisp e o Renova SP, para a urbanização de favelas.

“Nossa ideia é montar um projeto de pesquisa permanente. Vamos intensificar a articulação com os órgãos públicos e os movimentos sociais para complementar esses dados, que são parciais ainda. Queremos exigir dos governos uma posição.”

O Observatório de Remoções reúne pesquisadores de dois laboratórios da FAU - o LabHab, criado em 1997, e o LabCidade, criado em 2005. O grupo de estudos também conta com a parceria do Escritório Modelo da PUC-SP, do Saju (Serviço de Assessoria Jurídica Universitária) da Faculdade de Direito da USP, do Centro Gaspar de Direitos Humanos, do CMP-SP (Central de Movimentos Populares do Estado de São Paulo) e da Relatoria Especial para o Direito à Moradia Adequada da ONU.

Política municipal

A Secretaria Municipal de Habitação enviou uma nota avisando que não foi procurada para colaborar com o estudo da USP e dizendo que “não é possível concordar com os dados, a metodologia e tampouco com o uso da palavra ‘remoção’” no trabalho do Observatório.

“Isso, porque todas as famílias das áreas em intervenção são reassentadas em unidades habitacionais construídas no mesmo local ou mais próximo da comunidade. Jamais são removidas. Enquanto aguardam a construção da moradia definitiva recebem provisoriamente auxílio aluguel”, afirma o comunicado.

A secretaria cita os exemplos de Paraisópolis e Água Espraiada. “Em Paraisópolis, 2.000 famílias saíram de áreas de risco, mil foram reassentadas em novas unidades habitacionais construídas na própria área e mil aguardam no aluguel social as novas unidades em construção.”

Já na região de Água Espraiada, onde ocorre uma operação urbana, há 7.500 famílias vivendo em condição de extrema precariedade e mil recebendo aluguel social. Para essas famílias, “temos 4.000 unidades habitacionais contratadas e em início de obras, todas no perímetro da Operação Urbana Água Espraiada, próximas das áreas de origem das famílias. Além dessas, outras 6.000 serão construídas pela CDHU, também no perímetro da Operação Urbana Consorciada Água Espraiada”.

A secretaria não cita, no entanto, o caso da favela do Moinho, que passou por dois incêndios em menos de um ano. Para os moradores afetados pelo fogo, a secretaria promete unidades habitacionais perto da ponte dos Remédios, na zona oeste de São Paulo. A favela, porém, está localizada no centro da capital paulista. O UOL entrevistou uma ex-moradora do Moinho, que recebe auxílio aluguel de R$ 450 por mês enquanto aguarda os apartamentos.

Incêndios na cidade

O segundo incêndio em menos de nove meses fez o MP-SP (Ministério Público de São Paulo) reabrir uma investigação que estava arquivada desde o início do ano sobre a favela do Moinho.

Além da favela do Moinho, o MP paulista investiga também se houve crime no incêndio que deixou 1.140 pessoas desabrigadas na favela Sônia Ribeiro --conhecida como favela do Piolho, no último dia 3.

A onda de incêndios na capital paulista --são 34 só em 2012, segundo a Defesa Civil-- levou a Câmara Municipal a instalar, em abril, uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar as ocorrências. A CPI, no entanto, teve cinco de oito reuniões canceladas.