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Culto ecumênico em homenagem a Niemeyer tem poesia, música e saudação comunista

Claudia Dias e Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

07/12/2012 17h52

Cerca de 150 pessoas acompanharam o ato ecumênico que encerrou, no final da tarde desta sexta-feira (7), o velório do arquiteto Oscar Niemeyer, que morreu aos 104 anos na última quarta-feira (5). A cerimônia, celebrada no Salão Nobre do Palácio da Cidade, sede da Prefeitura do Rio de Janeiro, por quatro líderes religiosos, teve direito a música, poesia e despedida da família.

O primeiro a falar foi o rabino Nilton Bonder. Ele fez um discurso breve, ressaltando que “a dimensão da obra deixada por ele é maior do que a gente pode imaginar”. Pouco tempo depois, ele completou o raciocínio: “não só a dimensão artística e estética, mas a revolucionária”.

Em seguida, o pastor Mozart Noronha, da Igreja Luterana, afirmou que “a vida do ser humano não se mede pela quantidade de anos vividos, e sim pela intensidade e qualidade”. Segundo ele, pela primeira vez no Rio de Janeiro, “se faz uma celebração ecumênica para homenagear um ateu comunista”.

O pastor ainda citou um poema de sua autoria em homenagem ao arquiteto, chamado “Niemeyer no Céu”: “Vi a Santíssima Trindade/Reunida de emergência/Ordenando aos seus apóstolos/Receberem Niemeyer/O incansável guerreiro/Que do Rio de Janeiro/Partiu para a eternidade.” Logo depois, as pessoas presentes cantaram a música “Canto ao Pescador”, de Dorival Caymmi.

O padre Omar Raposo, da Paróquia do Cristo Redentor, também entoou cantos. Após a celebração, ele afirmou que Niemeyer trabalhou a serviço de Deus durante toda a vida. “Ele era um homem que, mesmo sem acreditar em Deus, viveu a serviço dele. Porque um homem que faz coisas maravilhosas como ele fez, também trabalha para Deus”, explicou.

Já o padre Jorjão, da Igreja Nossa Senhora da Paz, ressaltou que “nenhum homem no Brasil projetou tantas igrejas como Niemeyer”. Depois do ato, ele lembrou a convivência que teve com o arquiteto: “É um homem que dá orgulho. Convivi com a família, a filha e a atual mulher. Era um homem que queria ter fé, e São Bernardo diz que aquele que quer tem fé”.

Ao fim da celebração, a viúva de Niemeyer, Vera Lúcia, foi a primeira a se despedir, dando um beijo no caixão. Após a despedida, as pessoas que acompanhavam a cerimônia fizeram algumas vezes uma saudação comunista.

Velório

O velório foi fechado ao público às 15h20 desta sexta-feira (7). Desde as 8h, o Palácio da Cidade estava aberto para visitação. 

Por volta das 16h30, seis integrantes do bloco de carnaval Banda de Ipanema chegaram ao cemitério. Eles usam uma camiseta cuja estampa é um desenho feito por Niemeyer. O presidente do grupo, Claudio Pinheiro, contou que conhecia o arquiteto desde criança, já que Niemeyer era amigo de seu pai. A Banda tocou a música "Carinhoso" quando o caixão começou a entrar no cemitério.

O corpo de Niemeyer chegou ao Palácio da Cidade por volta das 20h30 desta quinta-feira (6), e foi velado durante toda a madrugada em uma cerimônia restrita a familiares e amigos.

Na chegada ao Palácio da Cidade, o corpo foi recebido pela viúva, Vera Niemeyer, e pelo neurocirurgião Paulo Niemeyer, sobrinho do arquiteto. Eles não falaram com a imprensa.

O avião da Força Aérea Brasileira (FAB) com o corpo do arquiteto Oscar Niemeyer aterrissou às 22h04 desta quinta-feira (6) no Aeroporto Santos Dumont. Um carro funerário já aguardava na pista. O corpo foi transportado até o veículo por militares da Aeronáutica do 3º Comando Aéreo Regional (3º Comar).

O neto de Niemeyer, Carlos Oscar Niemeyer Magalhães, que trabalhou durante 13 anos no escritório do arquiteto, disse que a família ficou muito emocionada com o carinho das pessoas durante o velório em Brasília. Segundo ele, o avô lhe ensinou importantes lições de vida.

“Ele sempre dizia três coisa para a gente. A vida é um segundo, vamos viver a vida bem vivida, com os amigos e com a família. O mundo é injusto, temos que modificá-lo e fazer aquilo que a gente puder fazer de melhor para ajudar a corrigir as desigualdades sociais. E a outra coisa que ele dizia é que a palavra mais bonita é solidariedade.”

Como administrador do escritório do avô, Carlos contou que nem sempre era fácil gerir as finanças: “Como comunista, a ligação dele com o dinheiro era nenhuma.”

O neto justificou a escolha da família em fazer o enterro no Rio pelo amor que ele tinha pela cidade. “Ele era apaixonado pelo Rio de Janeiro, apesar de ter projetado Brasília e gostar muito de lá. Mas o Rio era a cidade dele.”

Cerimônia em Brasília atraiu quase 4.000 pessoas ao Planalto

Na capital federal, o velório terminou por volta das 19h30, meia hora antes do previsto, a pedido da família do arquiteto, segundo a assessoria de imprensa do Planalto.

A justificativa dada foi o horário limite para pousos no aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, para onde o corpo segue para também ser velado.

Sob aplausos e cantoria de trechos do Hino Nacional, o caixão desceu a rampa do Palácio do Planalto às 19h35.

O arquiteto morreu em decorrência de problemas respiratórios. Ele estava internado no Hospital Samaritano desde o dia 2 de novembro devido a complicações renais e desidratação.

Público

A fila das pessoas que queriam se despedir do arquiteto pessoalmente começou a se formar antes mesmo de o caixão chegar no Palácio do Planalto, em torno das 15h30. O acesso do público ao Salão Nobre foi liberado por volta das 16h30.

O pioneiro Tomás Mendes Vieira Neto, 76, foi um dos primeiros a ver de perto o arquiteto. Muito emocionado, ele conta que chegou a Brasília em 11 de abril de 1958, vindo de Floriano (PI), e participou da construção de algumas obras da cidade.

Certa vez, diz ter tido um breve contato com Niemeyer quando ele visitou o canteiro de obras onde Vieira Neto trabalhava. “Ele perguntou: ‘vamos inaugurar dia 21 de abril?’. Eu respondi que poderia contar com esse peão.”

O jornalista sueco Erik Jennische, que trabalha há dois anos no Brasil, também fez questão de prestar uma última homenagem a Niemeyer. “Estar aqui é uma honra, porque a importância dele é mundial. Brasília é uma cidade muito bela.”

Homenagens

A presidenta Dilma Rousseff decretou luto oficial de sete dias pela morte de Oscar Niemeyer. As informações foram divulgadas pelo Palácio do Planalto.

Familiares exaltam legado de Niemeyer durante velório

Durante o luto oficial, a bandeira nacional é hasteada a meio mastro em todas as repartições públicas do governo que a decretou (federal, estadual ou municipal). Além disso, coloca-se um laço de crepe na ponta da lança se ela estiver sendo conduzida em alguma cerimônia.

Na chegada ao Palácio, o corpo foi recebido pela presidenta Dilma com a guarda de 48 Dragões da Independência. A presidente ficou ao lado da viúva do arquiteto, Vera Niemeyer, e deixou o local por volta de 16h15, acompanhada da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann.

A sessão plenária do Senado desta quinta-feira  foi suspensa a pedido do presidente da Casa, José Sarney, para que os senadores possam prestar suas homenagens .

"O Brasil morre um pouco com Niemeyer, e Niemeyer permanece vivo no coração de todos brasileiros", disse o senador Francisco Dornelles (PP-RJ)

A Câmara dos Deputados exibiu fotos do arquiteto nos painéis do Plenário Ulisses Guimarães, antes do início da sessão solene que devolveu, simbolicamente, os mandatos de 173 deputados federais cassados entre 1964 e 1977, durante o regime militar (1964-1985).

"Neste momento, estamos com o coração apertado pela perda de um gênio da arquitetura e do humanismo. Brasília tem uma identidade muito forte com Niemeyer e inúmeras obras deixadas por ele", disse o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz.

O também será homenageado pelo CAU-BR (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil), em solenidade no próximo dia 19, na capital federal. O evento vai comemorar o Dia do Arquiteto e Urbanista, celebrado em 15 de dezembro, quando Niemeyer completaria 105 anos.

(com informações da Agência Brasil e da Agência Estadão Conteúdo)