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Médicos são condenados por tráfico de órgãos e tecidos humanos em Minas Gerais

Carlos Eduardo Cherem

Do UOL, em Belo Horizonte

20/02/2013 16h42

Quatro médicos envolvidos na intermediação e comercialização de órgãos e tecidos humanos foram condenados pela 1º Vara Criminal de Poços de Caldas (460 km de Belo Horizonte) nesta quarta-feira (20) a penas de 11 anos e seis meses e oito anos. Outros dois deixaram de ser condenados por causa da idade.

Os médicos foram condenados pelos crimes previstos nos artigos 14, 15 e 16 da Lei de Transplantes (Lei 9.434 de 4 de fevereiro de 1997). A decisão é do juiz da 1ª Vara Criminal de Poços de Caldas, Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, e os condenados ainda podem recorrer.

Quatro desses profissionais formavam a equipe médica da entidade clandestina “MG-Sul Transplantes” e realizaram, irregularmente, transplantes e remoção de órgãos.

Alexandre Crispino Zincone foi condenado a 11 anos e seis meses de reclusão, João Alberto Goes Brandão, Cláudio Rogério Carneiro Fernandes e Celso Roberto Frasson Scafi foram condenados a oito anos cada um, todos em regime fechado. Outros dois denunciados tiveram declarada a "extinção da punibilidade" por terem completado mais de 70 anos de idade.

Entretanto, com a gravidade das acusações comprovadas contra eles, o juiz determinou que sejam enviados ofícios ao Conselho Federal de Medicina e ao Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais para possibilitar apurações disciplinares, visando à cassação de seus registros médicos.

Jovens, pobres e semianalfabetos

A denúncia originou-se de investigações, em 2002, da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) do tráfico de órgãos da Câmara Municipal de Poços de Caldas. De acordo com o MP, à época foram constatadas diversas irregularidades na Irmandade da Santa Casa de Poços de Caldas, que tinha ligação com a central clandestina “MG-Sul Transplantes”.

A organização operava uma lista própria de receptores de órgãos e manipulava a Associação aos Renais Crônicos, denominada PRO-RIM. Os receptores pagavam pelos órgãos, ainda que o SUS (Sistema Único de Saúde) também custeasse os transplantes.

Segundo o juiz na época da CPI, foram feitas auditorias nos hospitais Pedro Sanches e na Irmandade da Santa Casa de Poços de Caldas, quando foram identificadas irregularidades, inclusive casos suspeitos de mortes de pacientes atendidos pelos réus e por outros médicos ligados aos transplantes de órgãos e tecidos na Santa Casa.

Devido à gravidade das apurações, o juiz considerou que as mortes inexplicáveis que aconteciam tinham finalidades escusas. Ele assinalou que pacientes jovens, pobres, “aptos” para se “candidatarem a doadores”, ficavam dias sem nenhum tratamento ou com tratamento inadequado, sedados, “para que os familiares, também na maior parte dos casos semianalfabetos, não desconfiassem de nada”.

"Doadora cadáver"

O juiz afirmou ter constatado diversas afrontas à Lei de Transplantes. Ele disse que a lei determina que a morte encefálica “deve ser constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina”.

A partir de depoimento médico, o magistrado verificou que um paciente chegou ao hospital em bom estado neurológico e consciente, mas, como ficou praticamente sem assistência e sem nenhuma monitoração, morreu depois de ter ficado diversos dias na enfermaria, quando deveria ter sido levado para o CTI. Dele foram retirados os rins, o fígado e as córneas.

O juiz constatou ainda que o mesmo médico que não assistiu adequadamente o paciente posteriormente declarou a sua morte encefálica, tornando a vítima “doadora cadáver”, o que é expressamente proibido. Ainda não foi respeitada a lista única estadual de receptores da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos. De acordo com a Lei de Transplantes, a central deveria ser informada para indicar o receptor da lista única.

“Aspectos de legalidade”

“A quadrilha fazia tudo para favorecer e dar ‘aspectos de legalidade’ aos seus atos criminosos, mas os rastros começaram a aparecer”, disse o magistrado. Na sentença, o juiz explicou que os profissionais passaram “a cometer descuidos, rasurando ou esquecendo de preencher corretamente documentos importantes, usando modelos defasados, não obedecendo aos critérios recomendados para o diagnóstico de morte encefálica”.

O juiz verificou que foi demonstrado o dolo na conduta dos médicos denunciados pelo MP. Ele concluiu que todos estavam cientes da remoção ilegal de órgãos humanos, cuja venda intermediavam e promoviam após a prática do homicídio. Assim, manteve a apreensão dos passaportes dos médicos e a proibição de se ausentarem de Poços de Caldas sem prévia autorização.

Determinou afastamento dos médicos do ambiente hospitalar, com a imediata cessação de suas atividades. Determinou ainda a expedição de ofícios à Polícia Federal, para que sejam efetivadas as medidas pertinentes, e ao Ministério da Saúde, para seja suspenso imediatamente o credenciamento dos sentenciados.

Outro lado

A defesa do médico Zincone requereu a sua absolvição pelo “reconhecimento de causa excludente da ilicitude do fato”. Ou seja, suas ações não seriam criminosas, “por não constituir o fato infração penal”. Finalmente, Zincone requereu a pena fixada no mínimo, bem como a substituição para penas restritivas de direitos.

Os médicos  Scafi e  Brandão alegaram em suas defesas, a ilegitimidade do Ministério Público para conduzir a denúncia, a inépcia da denúncia, o cerceamento de defesa e a inconstitucionalidade do artigo 222 do Código de Processo Penal, que prevê que “a testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes”. A defesa dos três ainda requereu, no mérito, a absolvição de seus clientes.