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Polícia indicia donos de boate e mais 14 pessoas por incêndio na boate Kiss

Do UOL, em São Paulo e Santa Maria (RS)

22/03/2013 15h14Atualizada em 23/03/2013 09h25

A Polícia Civil do Rio Grande do Sul apresentou nesta sexta-feira (22) a conclusão do inquérito sobre o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria (RS), que deixou 241 mortos no último dia 27 de janeiro, e responsabilizou 28 pessoas pela tragédia. Deste total, 16 pessoas foram indiciadas de forma direta, 10 nomes foram apontados por indícios de crime, mas não podem ser indiciados pela Polícia Civil (9 serão encaminhados à Justiça Militar e 1 ao Tribunal de Justiça) e 9 pessoas foram responsabilizadas por improbidade administrativa (alguns nomes se repetem entre as diferentes responsabilidades).

Entre os indiciados estão os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffman, e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos, que já estavam presos preventivamente na penitenciária estadual de Santa Maria. Os quatro são acusados de homicídio com dolo eventual triplamente qualificado.

Delegado mostra vídeos do momento do incêndio na boate Kiss

O advogado Jader Marques, que representa Kiko, disse que o inquérito é "covardia institucional". O advogado Mario Cipriani, que representa Hoffman, declarou que “o relatório é falho e incongruente”. O UOL tentou entrar em contato com o advogado Omar Obregon, que representa os integrantes da banda Gurizada Fandangueira, mas não conseguiu encontrá-lo.

Na apresentação do inquérito, o delegado Marcelo Arigony --que presidiu a investigação-- falou que são "35 pessoas apontadas pela Polícia Civil". Ele se enganou: no total, foram 28 pessoas responsabilizadas --sete delas aparecem como indiciadas e como indício de crime de improbidade administrativa, daí o número "35". Arigony exibiu dois vídeos que mostram o momento do incêndio na boate Kiss.

Além dos sócios da boate Kiss, foram indiciados pelo mesmo crime Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko, sua mãe, Marlene Callegaro, o gerente da boate, Ricardo de Castro Pasche, e os bombeiros Gilson Martins Dias e Vagner Guimarães Coelho, responsáveis pela fiscalização.

Foram indiciados por homicídio culposo (sem intenção de matar) Miguel Caetano Passini, atual secretário de Mobilidade Urbana, Luiz Alberto Carvalho Junior, secretário do Meio Ambiente, Beloyannes Orengo de Pietro Júnior, chefe da fiscalização da Secretaria de Mobilidade Urbana, e Marcus Vinicius Bittencourt Biermann, funcionário da Secretaria de Finanças que emitiu o alvará de localização da boate Kiss.

Números do inquérito

  • 52 volumes

     

  • 13 mil folhas

     

  • 810 oitivas

     

    O major Gerson da Rosa Pereira e o sargento Renan Severo Berleze, ambos do Corpo de Bombeiros e acusados de incluir documentos na pasta do alvará da boate, foram indiciados por fraude processual. O ex-sócio da Kiss Eltron Cristiano Uroda foi indiciado por falso testemunho.

    Segundo o inquérito, há indícios de prática de crime de homicídio culposo na conduta dos bombeiros Moisés da Silva Fuchs (comandante regional do Corpo de Bombeiros de Santa Maria), Alex da Rocha Camillo, Robson Viegas Müller, Sergio Rogério Chaves Gulart, Dilmar Antônio Pinheiro Lopes, Luciano Vargas Pontes, Eric Samir Mello de Souza, Nilton Rafael Rodrigues Bauer e Tiago Godoy de Oliveira. Os nove serão investigados pela Justiça Militar.

    A polícia também apontou indícios de prática de homicídio culposo por parte do prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer. A acusação será apurada pelo Tribunal de Justiça já que o mandatário tem foro privilegiado. "Concluímos aqui nosso papel. Cabe agora ao MP e à Justiça", afirmou o delegado que presidiu o inquérito, Marcelo Arigony.

    Neste momento, os cinco indiciados que ainda não haviam sido presos permanecerão em liberdade. "Havia diversas circunstâncias desfavoráveis. Era uma casa que funcionava na ilegalidade", avaliou Arigony.

    Em relação à atuação dos bombeiros socorristas que estiveram no local, a polícia é incisiva: "houve uma falha severa [dos bombeiros]. Sabemos que era um ambiente hostil, mas as pessoas que estavam do lado de fora não poderiam retornar. Homicídio culposo porque eles não poderiam deixar as pessoas retornarem para a boate. Mesmo assim, ficou apontado que os bombeiros poderiam fazer mais e melhor", explicou o delegado Sandro Meinerz.

    Números da tragédia

    • 241 mortes

       

    • 623 feridos

       

    • 864 pessoas na boate

       

    • 3h17

      (hora do incêndio)

       

      Prefeitura

      Questionado sobre o papel da prefeitura municipal no auxílio às investigações, a polícia foi enfática: "tivemos certa morosidade no início [durante pedido de auxílio] e recebemos uma denúncia de que alguns documentos estavam sendo sonegados", revela Arigony.

      "Conversamos com o Ministério Público e foram dois delegados e um promotor até a prefeitura. Foram encontrados alguns documentos e, entre eles, o mais relevante que existe, e que a prefeitura não tinha nos encaminhado. Um documento que tem 29 apontamentos feitos por um arquiteto de carreira do município dizendo que aquela boate não poderia funcionar", salientou.

      Em entrevista coletiva no final da tarde desta sexta-feira (22) na prefeitura municipal, Schirmer desqualificou a investigação que envolveu quadros da prefeitura, chamando de "manipulação política".

       

      Conclusões

      Segundo a polícia, as principais conclusões da investigação apontam que o fogo teve início às 3h do dia 27 de janeiro no canto superior esquerdo do palco e começou por uma faísca de fogo de artifício que estava na mão de um integrante da banda Gurizada Fandangueira. Além disso, o extintor de incêndio não funcionou quando foi acionado, a casa noturna estava superlotada e as grades de contenção atrapalharam a saída das vítimas.

      A espuma usada como isolamento acústico também foi citada no inquérito como inadequada e irregular, feita de poliuretano, que em contato com o fogo produziu uma fumaça tóxica que matou 234 pessoas por asfixia.

      O local também tinha apenas uma porta de entrada e saída, não havia rotas adequadas e sinalizadas para emergências e não havia exaustão de ar adequada, porque as janelas estavam todas obstruídas.

      Inquérito

      O documento de 52 volumes e 13 mil páginas foi apresentado na tarde de hoje pela Polícia Civil no campus da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria). Por 55 dias, cinco dezenas de policiais, peritos e assessores trabalharam em conjunto para colher 800 depoimentos e realizar perícias que sustentam o inquérito.

      "O trabalho desenvolvido foi muito complexo. É o maior inquérito da Polícia Civil do Rio Grande do Sul", afirmou o chefe da Polícia Civil do Estado, Ranolfo Vieira Junior, antes da apresentação do inquérito.

      O delegado regional, Marcelo Arigony, foi o responsável por detalhar como foram feitas as investigações. Segundo ele, os 234 autos de necropsia assinados pelo IGP (Instituto Geral de Perícias) atestam que 100% das mortes foram causadas por asfixia. "O desprendimento do monóxido de carbono e do cianeto com a queima da espuma do isolamento acústico causaram as mortes", explicou.

      Na madrugada de hoje, os volumes do inquérito foram transportados da 1ª Delegacia de Polícia de Santa Maria para a Delegacia Regional. Antes da apresentação na UFSM, o material foi levado ao Fórum de Santa Maria e protocolado na 1ª Vara Criminal. Na semana que vem, o Ministério Público irá analisar o inquérito e, se concordar com a Polícia Civil, irá formalizar a denúncia à Justiça. A Justiça tem 10 dias para aceitar total ou parcialmente a denúncia e dar encaminhamento ao processo.

      Das 16 pessoas que foram indiciadas criminalmente, se o Ministério Público confirmar a acusação e a Justiça abrir o processo nos termos da conclusão do inquérito, elas irão a júri popular. Além disso, foram apontadas outras 12 pessoas, entre as quais o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, por indícios de prática de crimes ou irregularidades, mas eventual processo contra elas ocorrerá em foro específico. No caso do prefeito, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado. No caso de bombeiros, a Justiça Militar. E no caso de funcionários públicos, juizados de primeiro grau ou, se forem denunciados junto com o prefeito, a mesma instância do administrador.

      Cianeto e superlotação

      O laudo do IGP sobre a liberação de gases tóxicos pela espuma de poliuretano que revestia o teto da boate Kiss, em Santa Maria (RS), já havia confirmado que o incêndio produziu cianeto, monóxido de carbono e dióxido de carbono em quantidade suficiente para asfixiar as pessoas que morreram na tragédia.

      O documento informa que a queima da espuma liberou três tipos de gases suficientes para asfixiar as pessoas que estavam dentro da Kiss no momento do incêndio. O resultado foi obtido depois que amostras do material foram queimadas com um artefato pirotécnico do mesmo tipo do utilizado no show da banda Gurizada Fandangueira.

      Outro ponto levantado pelos técnicos é que a casa comportava no máximo 750 pessoas. De acordo com os delegados que presidem o inquérito, ao menos mil clientes estavam na boate na noite do incêndio, o que indicaria superlotação.

      Quem são os acusados no inquérito

      NOMECARGOACUSAÇÃO
      Elissandro Spohr, o KikoSócio da boate KissHomicídio com dolo eventual
      Mauro HoffmanSócio da boate KissHomicídio com dolo eventual
      Luciano Augusto Bonilha LeãoProdutor da banda Gurizada FandangueiraHomicídio com dolo eventual
      Marcelo de Jesus dos SantosVocalista da banda Gurizada FandangueiraHomicídio com dolo eventual
      Angela Aurelia CallegaroSócia da Kiss e irmã de KikoHomicídio com dolo eventual
      Marlene CallegaroSócia da Kiss e mãe de KikoHomicídio com dolo eventual
      Ricardo de Castro PascheGerente da KissHomicídio com dolo eventual
      Gilson Martins DiasBombeiroHomicídio com dolo eventual
      Vagner Guimarães CoelhoBombeiroHomicídio com dolo eventual
      Miguel Caetano Passiniatual secretário de Mobilidade UrbanaHomicídio culposo e improbidade administrativa
      Luiz Alberto Carvalho Juniorsecretário do Meio AmbienteHomicídio culposo e improbidade administrativa
      Beloyannes Orengo de Pietro Júniorchefe da fiscalização da Secretaria de Mobilidade UrbanaHomicídio culposo e improbidade administrativa
      Marcus Vinicius BittencourtFuncionário da Secretaria de FinançasHomicídio culposo e improbidade administrativa
      Moisés da Silva FuchsComandante regional do Corpo de Bombeiros de Santa MariaHomicídio culposo (Justiça Militar) e improbidade administrativa
      Alex da Rocha CamilloBombeiroHomicídio culposo (Justiça Militar) e improbidade administrativa
      Robson Viegas MüllerBombeiroHomicídio culposo (Justiça Militar)
      Sergio Rogério Chaves GulartBombeiroHomicídio culposo (Justiça Militar)
      Dilmar Antônio Pinheiro LopesBombeiroHomicídio culposo (Justiça Militar)
      Luciano Vargas PontesBombeiroHomicídio culposo (Justiça Militar)
      Eric Samir Mello de SouzaBombeiroHomicídio culposo (Justiça Militar)
      Nilton Rafael Rodrigues BauerBombeiroHomicídio culposo (Justiça Militar)
      Tiago Godoy de OliveiraBombeiroHomicídio culposo (Justiça Militar)
      Gerson da Rosa PereiraMajor do Corpo de BombeirosFraude processual
      Renan Severo BerlezeSargento do Corpo de BombeirosFraude processual
      Eltron Cristiano UrodaEx-sócio da KissFalso testemunho
      Cezar SchirmerPrefeito de Santa MariaHomicídio culposo (Tribunal de Justiça) e improbidade administrativa
      Daniel da Silva AdrianoCoronel da reserva dos BombeirosImprobidade administrativa
      Marcelo Zappe BisognoEx-secretário de de Controle e Mobilidade Urbana e, atualmente, vereadorImprobidade administrativa