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Hostilidade a partidos e tom de balada marcam 7ª manifestação em São Paulo

Débora Melo e Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

21/06/2013 03h23

A manifestação convocada para celebrar a revogação do reajuste das tarifas do transporte coletivo em São Paulo transformou a avenida Paulista em uma balada a céu aberto na noite de quinta-feira (20). Ao todo, segundo o instituto Datafolha, 110 mil pessoas participaram do ato convocado via Facebook pelo MPL (Movimento Passe Livre).

Ambulantes faturam com "manifestação-balada" na Paulista

O clima contrastou com as cenas de guerra que tomaram conta da avenida há uma semana, quando a Polícia Militar usou bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha que atingiram não apenas manifestantes, como moradores e trabalhadores da região, além de jornalistas. No ato dessa quinta, o sétimo do tipo, mais de 2.000 PMs observavam os manifestantes, das calçadas, armados apenas de cassetetes.

Apesar do clima de festa, alguns grupos expulsaram militantes de partidos políticos que foram à manifestação com bandeiras e camisetas. O principal alvo dessas queixas foi o PT da presidente Dilma Rousseff e do prefeito Fernando Haddad, personalidades hostilizadas em gritos de guerra e cartazes.

Os militantes --além do PT, havia gente do PSOL, do PCR e do PSTU-- foram tachados de oportunistas. Eles devolveram com gritos de “fascistas”. Em um tumulto entre partidários e ditos apartidários, um jovem foi ferido na cabeça sem gravidade e retirado do local por um carro da PM.

Multifacetada, manifestação tem ao menos 20 'causas'

A redução das tarifas de transporte coletivo foi substituída por faixas em defesa da “tarifa zero”. A exemplo de manifestações como a de segunda (17), até então a maior, o leque de causas abraçadas novamente se abriu --ao menos 20 delas foram levadas à avenida, segundo a contagem feita pelo UOL.

Com corrupção no topo da lista, projetos como o da cura gay e seu próprio defensor, o deputado Marco Feliciano (PSC-SP), entraram na mira dos manifestantes ao lado de causas como a “estatitização do transporte coletivo”, a “paz na Turquia”, a extinção da PEC 37 (que limita o poder de investigação do Ministério Público) e até o vegetarianismo. Frases como “Fora Renan” e “Fora Alckmin” também ilustraram o protesto.

Paralelamente à difusão de causas abraçadas, a ausência de lideranças na manifestação gerou reações contrárias por parte dos manifestantes.

Ausente da concentração por volta das 21h10, quando contatado pelo UOL, o MPL alegou ter deixado o ato porque havia cumprido sua “obrigação” --milhares de pessoas ainda ocupavam a Paulista.

“Não abandonamos [a manifestação]. Ela cumpriu com a obrigação dela, que era comemorar a queda da tarifa”, disse o professor de história Luciano Monteiro, 29, um dos líderes do MPL. Ele negou, porém, que essa tenha sido a última manifestação do movimento. “Não é a última, é a última contra o aumento da tarifa. Vamos continuar nos mobilizando pela tarifa zero.”

O professor também negou que a hostilidade de alguns manifestantes em relação à presença de partidos políticos tivesse algo a ver com a decisão do MPL de deixar o protesto. “Hostilidades sempre existiram”, disse.

Ausência de líderes e de coordenação geográfica

Além do campo ideológico, a ausência de lideranças que tomassem a frente da manifestação ficou clara quanto ao rumo geográfico: por volta das 21h, por exemplo, quando o protesto seguia sem direção definida e com vários grupos dispersos, uma parte dos manifestantes que estava no cruzamento das avenidas Paulista e Brigadeiro Luís Antonio gritava “vamos pra Assembleia”, para onde cerca de 1.500 seguiram.

Após minutos de impasse, parte dos manifestantes optou por retornar à Paulista enquanto outros desciam a Brigadeiro no sentido errado, rumo ao centro, e não sentido Ibirapuera, onde fica a Alesp. Uma roda, então, se abriu, e um dos manifestantes, com um megafone, criticou a falta de foco do protesto e o “clima de balada” que havia se instalado, com pessoas bebendo cerveja e ambulantes vendendo espetinhos, linguiça, pipoca e milho verde.

“Não é só sobre 20 centavos. Mas, então, por que virou rolê para amigo se reunir e beber cerveja? As pessoas estão aqui hoje para tirar foto com um cartaz legal, postar no Facebook e ter um monte de ‘curtir’. Isso não é protesto político”, criticou o professor de filosofia Fagner Augusto, 21, enquanto recebia o apoio de manifestantes que gritavam “protesto não é rolê”, “protesto não é turismo”.

Paulistanos comemoram tarifa e defendem mais protestos

O estudante Gustavo Freitas Correa, 19, que acompanhava a discussão, disse que a manifestação precisa agora de um “objetivo novo”. “O movimento não pode perder a força, tem que achar um objetivo novo. Nós conseguimos baixar os 20 centavos, mas não é só isso. Agora é a hora de a gente provar que não é só isso”, disse.

A manifestação terminou com um desfile pela avenida de grupos envoltos na bandeira do Brasil cantando o hino nacional e palavras de ordem contra políticos governistas, de um lado, e jovens do movimento anarquista, de outro, condenando o tom excessivamente patriótico e festivo dos demais.

Em gesto semelhante aos dos “nacionalistas”, que haviam queimado bandeiras do PT após a expulsão dos militantes, os anarquistas queimaram a bandeira do Brasil e rimaram “patriotas” com “idiotas”.

“Tirando o PSTU, que estava apoiando o Passe Livre desde o início, partidos como o PT estão se aproveitando da situação para se autopromover”, reclamou o arquiteto e urbanista Gustavo Furlan Marroni, 22, que foi à passeata com o pai e a mãe.

“A educação ‘tá osso’, tinha que vir protestar. Mas acabei ficando mesmo porque não está passando ônibus pra eu voltar pra Brasílândia [zona norte]”, disse o controlador de acesso Samir Mohamed, 20.

“Todo mundo tem o direito de se manifestar. É uma idiotice expulsar partidos políticos e movimentos sociais que estavam hoje aqui com bandeiras como alguns fizeram. Não é esse tipo de democracia de que o Brasil precisa”, defendeu a estudante Bruna dos Santos, 28.

Jovens orientam crianças de Heliópolis a hostilizar PM

Próximo à rua Pamplona, a reportagem flagrou o momento em que jovens aparentando pouco mais de 20 anos e com câmeras às mãos orientavam crianças vindas da comunidade de Heliópolis --segundo relatou um jovem de 18 anos, trabalhador na região da Paulista, que estava com elas-- a segurarem placas com mensagens como “Fim da PM” e “Verba para educação”. Em seguida, pediam às crianças que gritassem “Vamos queimar ônibus”. Abordado pelo UOL, o rapaz xingou a reportagem e saiu.

Consultado, um sargento da PM posicionado na calçada próxima admitiu que o episódio era incitação ao crime --prática vedada pelo Código Penal--, mas resumiu: “Em outra situação, poderíamos agir. Aqui, não, pois colocaríamos em risco nossa própria segurança e a dos manifestantes”, encerrou.

MPL repudia violência contra partidos

No início da madrugada desta sexta (21), o MPL divulgou uma nota em seu perfil do Facebook repudiando os ataques aos grupos partidários.

“A manifestação de hoje [ontem] faz parte dessa luta: além da comemoração da vitória popular da revogação, reafirmamos que lutar não é crime e demonstramos apoio às mobilizações de outras cidades. Contudo, no ato de hoje presenciamos episódios isolados e lamentáveis de violência contra a participação de diversos grupos.

O MPL luta por um transporte verdadeiramente público, que sirva às necessidades da população e não ao lucro dos empresários. Assim, nos colocamos ao lado de todos que lutam por um mundo para os debaixo e não para o lucro dos poucos que estão em cima. Essa é uma defesa histórica das organizações de esquerda, e é dessa história que o MPL faz parte e é fruto.

O MPL é um movimento social apartidário, mas não antipartidário. Repudiamos os atos de violência direcionados a essas organizações durante a manifestação de hoje, da mesma maneira que repudiamos a violência policial. Desde os primeiros protestos, essas organizações tomaram parte na mobilização. Oportunismo é tentar excluí-las da luta que construímos juntos”, encerrou a nota.

* Colaborou Guilherme Balza

OS PROTESTOS EM IMAGENS (Clique na foto para ampliar)

  • Manifestante tenta invadir a sede da Prefeitura de São Paulo, na região central da cidade

  • Carro de TV Record é incendiado em frente à Prefeitura de São Paulo durante protestos

  • Manifestante corre ao lado de estabelecimento comercial em chamas no centro de São Paulo

  • PM espirra spray de pimenta em manifestante durante protesto no Rio

  • Em Brasília, manifestantes conseguiram invadir a área externa do Congresso Nacional

  • Milhares de manifestantes tomam a avenida Faria Lima, em SP

  • Após protesto calmo em SP, grupo tenta invadir o Palácio dos Bandeirantes, sede do governo

  • Manifestantes tentam invadir o Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa do Rio

  • Um carro que estava estacionado em uma rua do centro do Rio foi virado e incendiado

  • Cláudia Romualdo, comandante do policiamento de Belo Horizonte, posa com manifestantes