Topo

Único padre exorcista do RJ explica técnicas do ritual: "não é mágica"

Julia Affonso

Do UOL, no Rio

19/07/2013 11h00

"O exorcismo não é mágica. Ele é um processo de conversão, de mudança de vida. É um tratamento que pode durar um mês ou muitos anos", explica padre Geovane Ferreira, 35, o único religioso do Estado do Rio de Janeiro autorizado pelo arcebispo Dom Orani João Tempesta a praticar o exorcismo.

Há onze anos, o padre comanda a Paróquia Sagrada Família, na favela Nova Holanda, no Complexo da Maré, zona norte da capital fluminense. Segundo ele, existem duas formas de se fazer o exorcismo: uma em menor escala, na qual é possível alcançar a cura com orações de libertação, e outra maior, em que é necessário um ritual.

A primeira ocorre para casos de opressão, quando "aquela voz [interior] fica te levando a pensar e agir mal", e de obsessão, no qual as pessoas são obsessas "por dinheiro ou por prazer". Já o exorcismo maior é feito por conta de possessão do demônio.

"O demônio toma todo o corpo da pessoa. Ela muda de voz, fala línguas que nunca estudou e começa a saber coisas ocultas. Uma das técnicas que a gente faz, quando quer saber se a pessoa está possuída, é esconder alguma coisa dentro do bolso e perguntar ao demônio o que é”, explicou o padre. “Se ela realmente tiver o demônio, ela vai dizer. Se for só a pessoa, ela nunca vai saber."

Antes de o exorcista atender o paciente, o religioso explica que há uma análise do caso, por parte de membros da igreja e de uma equipe formada por psiquiatras, psicólogos e neurocirurgiões. Após a comprovação da possessão do demônio, o padre está autorizado a fazer o ritual.


"A sessão é feita em lugares reservados, por um exorcista, com a ajuda de pelo menos um psicólogo e um neurocirurgião ou profissional médico para analisar o que está acontecendo. O corpo pode passar mal, ter algum distúrbio de pressão alta, de desmaio. Às vezes é necessário que alguém segure a pessoa para que ela não se machuque”, disse. “Há casos em que a pessoa começa a bater a cabeça na parede, no chão."

Durante o ritual, que não tem tempo estimado de duração, o padre se veste com uma estola e usa crucifixo, água benta, óleo e sal exorcizados. É necessário que o paciente aceite participar. "A família pode até trazer, mas para ter a libertação, é necessário que a pessoa queira", diz o padre.

"Toda possessão [pelo demônio] tem que ter o querer da pessoa. Em algum momento, ela tem que dizer: "Eu quero". Deus nos fez livres", explica o religioso. "O demônio só pode nos tomar essa liberdade se a gente deixa. Pode ser por um pecado, por um desejo pessoal, por um pacto com o demônio. Muitas pessoas pedem que o demônio dê dinheiro."

Nos anos 60, houve uma atualização do manual com o que havia de novo na ciência, segundo padre Geovane, que trabalha com exorcismo desde 2005. Há dois anos, ele estudou o tema em um curso de duas semanas que fez em uma universidade católica, em Roma.

"Comecei acompanhando padre Nelson [Rabelo, 92, antigo exorcista do Rio de Janeiro], em 2005. Rezava, ficava ao lado só para estar junto. Quando ele ficou doente, há quatro anos, eu comecei a atender oficiosamente", explicou o padre Geovane. "O bispo viu que era um dom de Deus e me chamou para ser exorcista. Fui para Roma fazer o curso e voltei pertencendo ao Conselho Internacional dos Exorcistas e exercendo o exorcismo oficialmente."

Na Itália, o religoso participou de um ritual de exorcismo como ajudante. No Rio de Janeiro, o religioso conta que não tratou de nenhum paciente. Ainda. Ele espera, para as próximas semanas, o laudo final da equipe de psicólogos, psiquiatras e neurocirurgiões que vai dizer se um homem que frequenta a paróquia tem esquizofrenia ou possessão pelo demônio. Os profissionais que trabalham com o padre não são fixos. Eles são conhecidos que o ajudam quando chega um caso. "Um deles não é nem católico", afirma.

Em São Paulo, padre Geovane foi chamado há alguns anos para tratar de um homem. "Atendi, durante um mês, um caso em São José do Rio Preto [SP]. O rapaz era satanista e comia vísceras de bebês mortos. Não sei onde e nem como ele comprava, mas ele fez um pacto com o diabo, comeu vísceras, fez oferenda de vários animais e disse que queria pertencer ao demônio", lembra o padre. "Ele tinha uma força muito grande, 20 homens não conseguiam contê-lo. Ele conseguia falar alemão, francês e italiano, sem nunca ter aprendido. Não falava português direito. Ele sabia de coisas escondidas, de pecados de várias pessoas que estavam presentes e que ninguém sabia. Hoje ele dá testemunho e está totalmente liberto."

Conselho Nacional dos Exorcistas

Nas últimas semanas, além dos trabalhos na comunidade da Maré, ele também está envolvido com a preparação da Jornada Mundial da Juventude. Cerca de 68 pessoas que trabalham como voluntárias durante o evento, provenientes de vários Estados do Brasil, estão hospedadas na paróquia.

Assim que a Jornada acabar, Padre Geovane conta que continuará a fazer um trabalho que parou por conta do evento. Junto a mais quatro padres do Brasil, ele está procurando outros exorcistas em cada diocese do país. Segundo ele, há mais de 300 dioceses no Brasil, e a dificuldade de se contactar com elas é imensa, pois muitas não têm sequer telefone. O objetivo do grupo é achar todos os padres que praticam o exorcismo no país, reuni-los e formar um Conselho Nacional dos Exorcistas.

"Na Itália, existe um programa de televisão, no qual o exorcista fala sobre o assunto e explica como funciona. No Brasil, falar de exorcismo é um tabu. Tudo aquilo que você não conhece direito se torna nebuloso”, explicou. “Durante muito tempo, se pensou na não existência do demônio, não na existência do mal. A sociedade da América Latina quis responder a muitos problemas apenas com a psiquiatria e a psicologia. O demônio ficou muito mal pensado."

Rio: briga entre bem e mal

Durante os últimos 11 anos trabalhando dentro do Complexo da Maré e às margens da Linha Vermelha, uma das vias expressas mais importantes para quem chega à capital fluminense, o padre conta que nunca teve problemas com o tráfico de drogas do local. "Eles nos respeitam muito, nunca fizeram nada contra a gente."


Formado por 15 comunidades com 130 mil moradores, o Complexo da Maré é dominado por duas facções de traficantes de drogas e uma milícia. Cortado pelas três principais vias expressas do Rio (avenida Brasil e Linhas Vermelha e Amarela), o conjunto de favelas é rota obrigatória para quem chega ao Rio pelo Aeroporto Internacional Tom Jobim, na Ilha do Governador, e precisa se deslocar para o centro, a zona sul ou à Barra da Tijuca, na zona oeste.

No dia 25 de junho, após a operação do Bope, membros de ONGs que atuam na Maré revelaram que há menos de um mês a PM realizou uma reunião com representantes de todas as associações de moradores do complexo. O encontro foi em uma universidade particular, no Centro do Rio. Na ocasião, foi dito que a Maré começará a ser ocupada pelas forças de segurança em agosto, logo depois da Jornada Mundial da Juventude.

"Eu exorcizaria tudo o que está de errado na cidade do Rio de Janeiro. Essa briga entre o bem e o mal é muito grande. Em determinados momentos, o mal consegue um espaço para fazer o que ele quer", afirma. " Foi muito bonito o povo sair para reivindicar, mas é muito triste ver que nosso povo perdeu a noção do que estava fazendo e começou a quebrar tudo", diz o religioso sobre as recentes manifestações na cidade.

Benção, e não exorcismo

Em maio deste ano, o canal "TV2000", da CEI (Conferência Episcopal Italiana), divulgou que o papa Francisco havia realizado "uma prece de libertação do demônio ou um autêntico exorcismo" em uma criança doente que assistiu à missa de Pentecostes na Praça de São Pedro do Vaticano.

Dias depois, o Vaticano declarou que o papa Francisco não havia realizado qualquer exorcismo: "simplesmente rezou por uma pessoa doente que foi apresentada a ele". "Ali não houve exorcismo, apenas uma benção. O ritual é feito de maneira reservada e não em público", afirmou padre Geovane ao ser questionado sobre o assunto.