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Nove em cada dez denúncias de corrupção envolvem policiais no Rio Grande do Sul

Soldados da Brigada Militar entram em conflito com manifestantes durante protestos em Porto Alegre - Wesley Santos/Estadão Conteúdo
Soldados da Brigada Militar entram em conflito com manifestantes durante protestos em Porto Alegre Imagem: Wesley Santos/Estadão Conteúdo

Flávio Ilha

Do UOL em Porto Alegre

15/08/2013 12h28

Um levantamento dos primeiros 12 meses de atividade do Departamento Estadual de Gestão do Conhecimento para a Prevenção da Corrupção (Degecor) revelou que as polícias Militar e Civil do Rio Grande do Sul concentram nove em cada dez denúncias de corrupção contra servidores públicos no estado.

Os dados anônimos recebidos pelo telefone 181 apontam que metade das informações referentes a policiais militares denunciam envolvimento em atividades criminosas de jogo ilegal ou desmanche de veículos. A atuação em quadrilhas de caça-níqueis e de jogo do bicho é superior a 50% das denúncias recebidas pelo Degecor contra PMs no Rio Grande do Sul.

No total, o Degecor encaminhou às corregedorias em um ano de atividade 307 denúncias contra servidores públicos estaduais, das quais 168 envolvendo policiais militares, 91 relativas à polícia civil e 12 referentes a agentes penitenciários. No total, o sistema de segurança do Rio Grande do Sul respondeu por 271 denúncias – ou 88% de tudo que chegou ao Departamento.  Informações sobre crimes financeiros não passaram de 14.

O delegado Jerônimo Pereira, que coordena o órgão, informou que atividades como o uso irregular de carros, para fins pessoais, abuso de autoridade para extorquir dinheiro de suspeitos e serviços ilegais de proteção a empreendimentos privados também passaram a ser investigados pelas corregedorias de polícias a partir das denúncias que chegaram ao Degecor. Tráfico de drogas, segundo o delegado, representa um universo inferior a 5% das informações repassadas ao órgão.

Corregedorias compreensivas

“É preocupante, mas não chega a ser uma surpresa dada a natureza da atividade policial e ao número elevado dos contingentes, em especial da Brigada Militar. Nesse caso, o número de denúncias corresponde a menos de 0,7% do efetivo”, afirmou o delegado.

A estatística revelada oficialmente pelo Degecor, entretanto, é tratada como a ponta de um iceberg no estado. O secretário de segurança pública, Airton Michels, não esconde uma certa surpresa com o volume de denúncias contra a Brigada Militar, uma instituição fundada em 1837 e que é um dos patrimônios morais do Rio Grande do Sul. 

“Percentualmente não nos preocupa porque continua baixo em relação ao número de servidores. Mas o problema existe, é preciso ser enfrentado e temos de descobrir a real dimensão dele dentro do Estado”, disse o secretário.

Segundo ele, o Degecor é estratégico porque explicitou às corregedorias das polícias que há um órgão de Estado, e não de governo, controlando as ações fiscalizadoras dos agentes públicos. Michels disse que a grande missão do órgão criado por decreto em dezembro de 2011 é tornar as corregedorias “menos compreensivas” com seus investigados.

33 casos de indisciplina por ano

De 2005 até o ano passado, segundo a Procuradoria Geral do Estado (PGE), a exclusão de PMs motivada por questões disciplinares graves se multiplicou  – passou de uma média de quatro por ano para 33. Na polícia civil também houve uma alteração significativa, com as exclusões passando de 18 em 2005 para 36 em 2012.

No total, a área de segurança pública, incluindo presídios e perícia, consumou 24 demissões em 2005. No ano passado foram 121 – cinco vezes mais. Nessas estatísticas não estão computadas as investigações encaminhadas nos últimos 12 meses pelo Degecor, que ainda estão em andamento.

A coordenadora da Procuradoria Disciplinar e de Probidade Administrativa da PGE, Déa Mara Ribeiro Lima, reconhece que o volume de punições aumentou sensivelmente nos últimos anos e atribui os resultados à eficiência dos órgãos de fiscalização e à disposição dos contribuintes para denunciar os servidores públicos corruptos. Mas adverte que é preciso “levar os processos até o fim” e evitar os julgamentos corporativos.

Na Brigada Militar, o Conselho Disciplinar que investiga e instrui os processos contra condutas irregulares é formado apenas por oficiais da corporação. Na polícia civil há representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Ministério Público no Conselho Superior. A PGE recebe os processos prontos, restando apenas a revisão e o parecer final.

Risco de prescrição

“Não é a maioria, mas muitas vezes somos obrigados a rever decisões que recebemos desses órgãos porque os processos foram mal instruídos”, disse a procuradora. Casos de corrupção, favorecimento, envolvimento de policiais com atividades ilícitas e até furto qualificado fazem parte da lista de processos da PGE.

O risco de impunidade, segundo a procuradora, é a prescrição das acusações, que tem prazos relativamente pequenos nas duas corporações – cinco anos na polícia civil e seis anos na Brigada Militar.       

O porta-voz da Brigada Militar, coronel Eviltom Pereira Diaz, disse que todos os casos denunciados à corregedoria do órgão são investigados e que eventuais condutas criminosas são normais em uma instituição policial. Segundo ele, a maioria das denúncias “é vazia” e acaba não sendo comprovada. Atualmente, 923 casos de conduta imprópria estão sendo investigados pela BM. Diaz não soube informar a natureza dos inquéritos.

“Não tem corporativismo aqui, pelo contrário. Devido à nossa conduta rígida, muitas vezes damos até mais valor a quem denuncia e cometemos injustiças contra nossos próprios integrantes”, afirmou.

Falta de comando

O presidente da Associação dos Sargentos, Subtenentes e Tenentes da Brigada Militar, Aparício Santellano, disse preferir creditar os casos de corrupção à instituição. Segundo ele, falta de comando, baixos salários, formação deficiente e déficit no efetivo explicam o aumento de casos na PM gaúcha. De acordo com a Associação, há cerca de 8.000 vagas para policiais abertas na corporação – a Brigada tem cerca de 25 mil soldados e oficiais na ativa.

“A realidade é que os soldados geralmente vêm de famílias pobres e com pouco estudo. A formação deveria incluir noções de cidadania e de ética também, e não apenas ordem unida como é comum vermos nos quartéis. Tinha que ensinar o brigadiano a ser digno e não apenas a marchar”, recomendou Santellano.

A previsão é de que, até o final do ano, o Degecor conte com policiais civis e militares, técnicos da PGE, da Companhia de Processamento de Dados do Estado (Procergs), da Secretaria Estadual da Fazenda, do Departamento Estadual de Trânsito (Detran) e do Tribunal de Contas do Estado (TCE) para auxiliar nas investigações. O objetivo é elevar os atuais pontos de consulta de 13 para 30.

Pelo decreto que criou o órgão, o Degecor tem a missão de iniciar investigações sobre corrupção envolvendo qualquer um dos cerca de 152 mil funcionários da administração direta do Rio Grande do Sul.

O departamento tem acesso irrestrito a bancos de dados de secretarias-chave, como segurança, saúde e educação, e de companhias públicas ou de economia mista e autarquias, entre elas a CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica) e Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento).