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Apesar de riscos, cachoeira onde jovem morreu atrai mais de cem turistas em Florianópolis

A universitária Bruna Vergínia morreu nesse domingo (19) ao cair nas pedras durante a escalada da cachoeira, em Florianópolis. O namorado dela, Matheus Mandelli, também caiu, mas sobreviveu  - Reprodução/Facebook
A universitária Bruna Vergínia morreu nesse domingo (19) ao cair nas pedras durante a escalada da cachoeira, em Florianópolis. O namorado dela, Matheus Mandelli, também caiu, mas sobreviveu Imagem: Reprodução/Facebook

Renan Antunes de Oliveira

Do UOL, em Florianópolis

21/01/2014 15h37Atualizada em 21/01/2014 16h35

A cachoeira da Costa da Lagoa da Conceição, em Florianópolis, onde a universitária Bruna Vergínio caiu e morreu no último domingo (19), continou movimentada na manhã desta terça-feira (21), quando cerca de 120 pessoas foram se banhar no local. O namorado de Bruna, Matheus Mandelli, também se acidentou, mas teve alta nesta terça.

Na hora do acidente, havia apenas cinco turistas alemães e um mineiro.

"Foi ali", apontava a catarinense Fernanda para sua amiga Anelise, engenheira de Jundiaí (SP), atraídas ao local menos de 24 horas depois do enterro de Bruna, ocorrido na segunda-feira.

A cachoeira não assusta. São quase 10 metros de água mansa escorrendo sobre pedras negras, formando uma piscina rústica, rasinha, ideal para crianças.

No entanto, o pescador Vanderlei Fernandes, 56 anos, nativo da comunidade da Costa, vê um perigo escondido: "Ela é uma cachoeira fantasiosa, às vezes parece não ter água, de repente solta um jorro, o pessoal daqui não se arrisca".

O casal de turistas argentinos Roy e Natalia, com o filho Dylan, curtia a piscininha: "Ouvimos falar do acidente, por isto não nos arriscamos a subir", disse Roy, enquanto tomava chimarrão.

"Muita gente se engana e não enxerga o perigo", avisa seu Chico, dono do bar na esquina da trilha de 100 metros que leva ao alto da cachoeira. Ele passou os dois últimos dias na varanda do bar, alertando os turistas sobre a morte de Bruna: "Cuidado com  o limo escorregadio" era sua preocupação principal -- muita gente passava por ele sem entender nada.

Nesta manhã, além dos argentinos, da engenheira de Jundiaí e de Fernanda,  subiram também Renata e Luan, adolescentes paulistas.

Atrás deles, vinha uma senhora perfumada liderando uma fila de seis crianças. Ela ia relatando o que viu na televisão sobre a queda de Bruna e do namorado Matheus.

Em seguida, um nativo da comunidade guiava um grupo de turistas. Ele contava que viu o casal de namorados subindo pela trilha lateral da encosta que leva ao topo -- foi no alto que os dois tiraram fotos para o Facebook. Ele alertava que "o ponto mais bonito é o mais perigoso, as pedras estão lisas e é fácil escorregar".

A ladeira que sobe da estradinha do bar do Chico ao alto da cachoeira tem muita sombra e é bem limpa. Os frequentadores usam uma trilha superbatida, com lixeiras ao longo do trajeto. Duro é enfrentar pernilongos e muriçocas. Lá em cima, na frente da piscina, um boteco verde vende água, refris e muito repelente.

O pescador Vanderlei e um cabo da Guarda Ambiental da PM contam que "cinco pessoas morreram aqui no passado", o que teria ocorrido bem antes do advento da internet. A única morte oficialmente conhecida é de 2011, quando uma mulher caiu quase do mesmo jeito que Bruna.

Por todos os relatos, muita gente ficou ferida. Vanderlei lembra que "o único nativo que caiu dela foi o Alfredo, que ficou lelé da cuca" - seria um barqueiro que se mudou para o outro lado da Lagoa.

Às 11h, na trilha, aparece o vereador Afrânio, do PSOL. Vem ofegante, puxando a fila da família. A mulher dele cobra das autoridades uma atitude sobre a morte de Bruna. 

Vanderlei, que além de pescador é uma liderança local,  diz que o Estado desistiu de qualquer atividade turística na área porque a cachoeira está numa APP (área de preservação permanente).

A vila da Costa permaneceu isolada de Floripa até a década de 70. Os mais antigos são descendentes dos colonizadores açorianos. Seus moradores foram objeto de inúmeros estudos antropológicos.

O lugar está sob intensa vigilância de ecologistas. Seu casario colonial e a igrejinha no cais são intocáveis. Construir na Costa está proibido.

Hoje, vivem ali 1.800 pessoas, número que sobe para 3 mil no verão. A pesca de camarão garante sustento para os restaurantes familiares, outrora baratos -- atualmente acessíveis apenas por barco, e que se tornaram chiques e mais caros do que os da cidade.

A cachoeira nunca teve nome. Sua água abastece a comunidade. Ela vem de nascentes do morro, coberto pela Mata Atlântica - enquanto Florianópolis pena sob o crônico problema de desabastecimento no verão.

"A comunidade assumiu o controle da cachoeira porque é nossa atração turística. Nós colocamos as placas alertando os turistas do perigo", continua Vanderlei, como que se desculpando pelo acidente de domingo.

Está tudo muito bem sinalizado. Um aviso diz "é proibido subir", mas ninguém respeita. Outros alertas estão em português, portunhol e inglês, também sem efeito.

No meio da cachoeira, quase imperceptível, do lado direito de quem está de frente pra ela, existe um nicho de pedra. Dali, duas imagens sacras da Virgem Maria e uma da santa catarinense Madre Paulina vigiam quem ousa subir pelas pedras.