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Ocupação em SC é comandada por garçons e cozinheiros de praias badaladas

Juvenal da Silva, 43, toma mate no portão da Ocupação Amarildo, no norte de Florianópolis. Sua mulher é cozinheira num restaurante da praia da Joaquina - Renan Antunes de Oliveira/UOL
Juvenal da Silva, 43, toma mate no portão da Ocupação Amarildo, no norte de Florianópolis. Sua mulher é cozinheira num restaurante da praia da Joaquina Imagem: Renan Antunes de Oliveira/UOL

Renan Antunes de Oliveira

Do UOL, em Florianópolis

13/04/2014 21h50Atualizada em 13/04/2014 22h38

As famílias dos garçons, dos cozinheiros e dos faxineiros dos restaurantes das melhores praias da ilha de Santa Catarina formam o núcleo principal dos 700 acampados (número deles), ou 350 (na versão da Polícia Militar), da Ocupação Amarildo, no norte de Florianópolis.

O assentamento também tem entre seus apoiadores 50 índios caingangues, vindos do Rio Grande do Sul, além de universitários, agricultores, operários, carpinteiros e biscateiros.

A Justiça de Santa Catarina determinou o despejo deles na próxima terça-feira (15), com reintegração de posse ao suposto proprietário, o ex-deputado estadual da extinta Arena Artêmio Paludo, 82 anos. 

"Não vou sair daqui", afirma Juvenal da Silva, 43 anos, encontrado tomado mate no portão do acampamento neste domingo. "Eu e minha mulher lutaremos até o fim para permanecer na terra".

Onde está sua mulher ? "Saiu para trabalhar, ela é cozinheira num restaurante da praia da Joaquina."

A Amarildo ocupa uma área do tamanho de 900 campos de futebol de mangues, ribeirões e pastagens. A invasão começou com 30 pessoas em 16 de dezembro e foi crescendo até ser cercada pela Polícia Militar, em fevereiro.

Os invasores querem reforma agrária numa região de bairros densamente povoados da capital catarinense. Ela também é das mais valorizadas, entre as praias de Jurerê Internacional e Canasvieiras, dois destinos top do turismo na região Sul.

Os "amarildos", como se denominam os ocupantes, referência ao pedreiro carioca desaparecido numa favela, se mantiveram relativamente fora do radar da população até que começaram a fechar a rodovia SC 401, às margens do acampamento, por onde passam 60 mil carros por dia. Logo, todo ilha soube deles.

Agora, dia sim, dia não, congestionamentos de 4 km infernizam a população na hora do rush, tornando-se o assunto da hora.

"Não imaginava que havia tanta terra disponível para ser invadida, eles estão fazendo uma baita confusão", diz o construtor Rafael Pena, de Curitiba, preso num dos fechamentos.

"De onde veio esta multidão?", perguntava um pastor americano, de férias, também ilhado na rodovia. Quando notou as barracas ele balançou a cabeça, surpreso: "Eles não têm casa? Moram ali?"

As táticas e o nível de organização da ocupação fez as autoridades catarinenses investigarem se ela seria coordenada pelas Brigadas Populares, entidade com experiência em invasões urbanas. Num comunicado à imprensa, a seccional de Santa Catarina das Brigadas informou apoiar a ocupação, mas negou participação no comando.

Neste domingo, durante entrevista no quartel da Polícia Militar de Santa Catarina, o juiz de conflitos agrários Rafael Sandi disse que com sua movimentação os acampados  "quebraram o acordo" que os mantinha na terra invadida há 116 dias, confirmando o despejo para terça-feira.

A Secretaria de Assistência Social de Florianópolis cadastrou os invasores para futuros projetos de casas populares.

Os invasores acham que a iniciativa é só para desmobilizá-los. Uma mulher que se identificou como atendente de academia, natural do Maranhão, reclamou: "Nós não queremos só ter o nome numa lista. Eu já estou nela há sete anos. Ela não anda, só querem nos enrolar".

Os acampados criaram comissões para limpeza, alimentação e saúde, com rigor na segurança. Somente autoridades podem entrar no assentamento.

Eles não permitem que os acampados dêem entrevistas, exceto pelo porta-voz, Rui Fernando, preocupados com o que chamam de "imprensa da burguesia".

Fernando justifica: "Parte dos jornalistas cria uma imagem falsa dos acampados, marginalizando nosso movimento, que é a luta justa por terra para os despossuídos. Nosso pessoal todo trabalha o ano inteiro para os ricos aproveitarem a Ilha da Magia, mas ninguém sabe que eles ganham uma miséria e não têm onde morar".

"Somos todos amarildos"

O que se pode ver de fora são as pessoas vagando pelas barracas e nas áreas comuns. Um prédio que era sede da fazenda serve de refeitório comunal.

Mulheres com crianças nos braços aparecem no portão, às vezes, gritando slogans do movimento. Um deles é "somos todos amarildos".

Há mais carros do que barracas no acampamento. Ao amanhecer centenas de pessoas saem para trabalhar, voltando ao final da tarde.

A queixa em comum dos invasores é o preço do aluguel fora do assentamento. Beatriz, 25, copeira no hotel Costão do Santinho, disse que mora com o marido e dois filhos num quarto e sala onde paga R$ 800. Ela quer "uma casinha para minha família" - o marido e os filhos estão fora do acampamento.

O marido da atendente maranhense não diz o nome, mas tem um discurso pronto: "Sou carpinteiro. Trabalhei na construção da sede da Associação Catarinense de Medicina e naquele condomínio lá da entrada dos Ingleses. Passei quatro anos nestas obras para agradar aos poderosos. Mas, não tenho um teto para meus filhos. Daqui ninguém me tira, esta terra é minha".

O acampamento usa luz e água cujas contas são pagas pelo suposto proprietário. Fernando diz que "ele paga para fazer de conta que é o dono da terra, isto aqui é da União".

A Superintendência de Patrimônio da União (SPU) já atestou que a terra é da União e questiona a legalidade das escrituras.

O advogado Sérgio Gomes diz que as terras foram tituladas de forma legal e que comprovantes estão à disposição da Justiça.