Topo

Confecção que atendia grifes famosas usava trabalho escravo em SP, diz MPF

Eduardo Schiavoni

Do UOL, em Americana (SP)

01/05/2014 19h12Atualizada em 06/03/2015 18h19

O MPF (Ministério Público Federal) denunciou, nesta semana, à Justiça Federal de Americana (a 127 km de São Paulo) quatro pessoas acusadas de manter em condições análogas a de escravos 51 trabalhadores, 45 deles bolivianos. Os funcionários trabalhavam em uma confecção que produzia roupas para grifes como a espanhola Zara, dentre outras como Ecko, Gregory, Billabong, Brooksfield, Cobra d'Água e Tyrol.

O esquema foi descoberto em uma ação conjunta entre Ministério do Trabalho e Ministério Público do Trabalho em 2011. Os quatro foram denunciados pelos crimes de redução à condição análoga de escravidão e frustração de direito trabalhistas. Se condenados, as penas podem variar entre três e 10 anos de prisão.

No esquema, os trabalhadores eram mantidos alojados dentro da própria confecção, o que configura desrespeito às leis trabalhistas. Eles trabalhavam até 14 horas por dia e recebendo entre R$ 0,12 e R$ 0,20 por peça. Além disso, os trabalhadores ficavam três meses sem receber, logo que chegavam, para cobrir os custos da viagem. Eles eram mantidos dentro do local com portões fechados com cadeado e não podiam sair sem autorização. Não havia contrato formal de trabalho e a denúncia também aponta as más condições de higiene e acomodação no alojamento.

"Verificou-se que o uso de copos e garrafas plásticas era coletivo, os banheiros estavam em mau estado de conservação e limpeza, não havia papel higiênico e os cestos de lixo eram vazados e sem tampas. Também foi verificada a existência de apenas um bebedouro", diz a denúncia do MPF.

De acordo com o inquérito da Polícia Federal, o líder do grupo era Narciso Atahuichy Choque, 40. Nascido na Bolívia, ele era o responsável por atrair os funcionários para atuar na região, muitas vezes sem visto de trabalho, com a promessa de um ganho mensal de até R$ 1.700. A investigação concluiu ainda que ele era subcontratado da Rhodes Confecções, pertencente à empresária Rosângila Theodoro. A empresa dela, por sua vez, era contratada pelas marcas para a produção de peças. Além dos dois, outras duas colaboradoras de Rosângela foram indiciadas.

À época do flagrante, de acordo com reportagem da Folha de S.Paulo, a procuradora Fabíola Zani disse que 50% da produção da Rhodes era destinada à Zara, e os outros 50%, às demais grifes.

Outro lado

O defensor de Rosângila, Alessandro De Rose Gilardi, disse que a Rhodes foi vítima do boliviano e que sua cliente não participou dos esquemas de Narciso. "A relação com o Narciso era estritamente comercial. Ela nunca teve contato direto com ele. Ela repassava um serviço e exigia que a contratada fornececesse a lista de funcionários. Essa lista era conferida. Em todas as vezes, o Narciso enviou uma lista de trabalhadores brasileiros e legalizados". Ele afirmou ainda que sua cliente irá continuar colaborando com as investigações.

Já a advogada de Narciso, Mariselma Vosiacki, informou que só vai se manifestar sobre as acusações após ser notificada sobre o eventual recebimento da denúncia.

A reportagem do UOL tentou falar com representantes da Zara, ontem e hoje, mas não conseguiu contato. Logo depois de a operação que constatou a irregularidade ser realizada, a fabricante Zara disse que o que houve foi uma "terceirização não autorizada". "A Zara Brasil jamais obteve qualquer vantagem financeira  com a irregularidade", disse a empresa, na ocasião.