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Traficantes brasileiros têm ligação com máfia italiana, diz polícia federal

Alex Rodrigues

Da Agência Brasil

24/05/2014 11h46

Investigações da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF) expuseram as relações de uma das mais poderosas organizações criminosas do mundo, a 'Ndragueta [Andrângueta], com grupos criminosos locais. Entre especialistas em segurança, a presença de pessoas ligadas à máfia italiana em território brasileiro já é discutida há anos, mas as menções à organização criada na Calábria ganharam as páginas policiais depois que a PF deflagrou, em março deste ano, a Operação Monte Pollino, que desarticulou um esquema de envio de cocaína sul-americana para a Europa.

Na quarta-feira (21), o MPF denunciou seis pessoas investigadas por supostamente integrarem uma quadrilha que usava o porto de Santos, o maior da América Latina, para enviar toneladas da droga para a Europa.

Convencidos de que todos os investigados na operação Monte Pollino “integram uma ampla rede criminosa, com ramificações em diversos países e ligações com a máfia italiana Ndrangheta”, procuradores da República em Santos já anunciaram que vão denunciar pelo menos outras 14 pessoas.

Segundo o instituto italiano Demoskopika, a máfia calabresa, também conhecida como Família Montalbano, movimentou cerca de 53 bilhões de euros (cerca de R$ 160 bi) em 2013. O instituto garante ter chegado a essa cifra a partir dos dados de documentos oficiais a que teve acesso. O montante é quase o mesmo que a rede de lanchonetes McDonald's e do Deutsche Bank movimentaram, juntos, no ano passado.

A maior fonte de renda da organização calabresa seria o tráfico de drogas, com o qual obteve 24,2 bilhões de euros (cerca de R$ 73 bi) . Os tentáculos da ´Ndragueta, contudo, se estendem para a reciclagem ilegal, extorsão, desvio de recursos públicos, jogos de azar, venda de armas, prostituição, falsificação de documentos e imigração clandestina. Ainda de acordo com o instituto, a ´Ndragueta conta com cerca de 60 mil associados que atuam em pelo menos 30 países. 

Ao deflagrar a operação Monte Pollino, em março, o delegado federal Osvaldo Scalezi Júnior revelou que as investigações brasileiras começaram em fevereiro de 2013, a pedido da Itália, que já apurava o envio de cocaína do Peru e da Bolívia para a Europa desde 2010. No mesmo dia em que, no Brasil, cerca de 70 policiais federais saiam às ruas para cumprir os mandados de prisão e de busca e apreensão, na Itália a Guarda de Finança deflagrou a operação Bongustaio. Em um grande esquema de cooperação internacional, também foram cumpridos mandados na Espanha, em Portugal, no Reino Unido, na Holanda, na Sérvia, em Montenegro e no Peru.

No total, foram detidas 12 pessoas, sendo dez no Brasil, uma na Itália e uma na Espanha. Além disso, outras seis pessoas já tinham sido presas antes no Brasil. Ao longo de um ano de investigação, foi apreendido mais de 1,3 tonelada da droga negociada pelo grupo. Os principais destinos da cocaína eram os portos de Gioia Tauro, em Nápoles, na Itália, e de Porto de Leixões, em Portugal, onde, em outubro de 2012, foram apreendidos 330 quilos de cocaína. Grandes quantidades do entorpecente também foram apreendidas ao longo das investigações em portos da Espanha, Alemanha e da Bélgica. Segundo estimativas da polícia italiana, só o valor do volume apreendido pode chegar a 10 milhões de euros (R$ 30,3 mi).

A cocaína era trazida ao Brasil por terra e armazenada principalmente na região de Campinas, no interior paulista. Em Santos, era embarcada em navios de carga com a colaboração de ao menos dois funcionários terceirizados corrompidos pelos suspeitos de fazer a cocaína chegar a Europa. O destinatário do produto era a ´Ndragueta. Depois que a droga chegava aos portos europeus e era recolhida, representantes do braço financeiro da máfia calabresa que vinham frequentemente ou moravam no Brasil se encarregavam de pagar os integrantes dos grupos criminosos, sobretudo brasileiros, que adquiriam a cocaína pura, transportavam até os portos brasileiros e a acondicionavam nos contêineres. O dinheiro costumava ser entregue em lugares movimentados, como praças de alimentação de shoppings e hipermercados da capital paulista.

Entre as pessoas presas em março está uma brasileira detida na Espanha. Segundo Scalezi, era ela a principal responsável por enviar ao Brasil os dólares com que a ´Ndragueta pagava os intermediários do esquema. “A brasileira presa na Espanha é a principal responsável pelo braço financeiro da organização calabresa”, disse Scalezi em março. De acordo com o delegado federal, a brasileira foi identificada e detida graças a troca de informações entre Brasil e Itália e a cooperação internacional. Ainda segundo Scalezi, após o início das diligências e das primeiras apreensões, os criminosos passaram a operar em outros portos brasileiros.

Na quinta-feira (22), ao ser questionado sobre o que o governo brasileiro vem fazendo para coibir a atuação de organizações criminosas internacionais em geral e da ´Ndragueta em particular, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse não poder comentar o assunto. “A PF tem um trabalho intenso de cooperação e troca de informações com policias do mundo inteiro. Há muitas linhas de investigação em curso, mas eu jamais poderia dizer o que está ou não está sendo investigado. Primeiro porque é sigiloso. Segundo porque seria um erro colossal, pois nunca se diz o que está investigando".