Com ciclovia em estudo, avenida Paulista já teve obra para virar calçadão
A Prefeitura de São Paulo prevê para janeiro o início da construção da ciclovia da avenida Paulista, uma das principais e talvez a mais famosa das vias da cidade. Lançado em setembro, o projeto recebeu críticas da oposição e depende da aprovação de órgãos de preservação do patrimônio para ser executado. Mas se uma obra iniciada na década de 1970 tivesse sido concluída, a polêmica não existiria e os ciclistas circulariam com mais liberdade pela avenida.
Como? Os carros e os ônibus passariam por uma via subterrânea. A Paulista seria uma esplanada livre para caminhar e pedalar. De quebra, o prejuízo ao trânsito de veículos durante festas e manifestações realizadas na avenida seria resolvido ou minimizado.
A pedido da prefeitura, o projeto Nova Paulista foi concebido em 1967 pelo engenheiro Figueiredo Ferraz e pelo arquiteto Nadir Mezerani e estava associado ao plano da administração municipal para alargar a avenida. O então prefeito Faria Lima começou a tirá-lo do papel, com as obras de ligação entre as avenidas Rebouças, Paulista, Doutor Arnaldo e rua da Consolação.
Inaugurado em 1971, o trecho inicial do túnel semiaberto idealizado por Mezerani avança por um pequeno trecho da Paulista, entre a Consolação e a rua Haddock Lobo, e é o exemplo concreto daquilo que a avenida poderia ter se tornado ao longo de sua extensão.
Neste trecho, embora não tenha sido transformada em calçadão, a superfície é mais estreita e conta com menos faixas para os veículos -- exatamente ali, o espaço do canteiro central é conhecido como praça do Ciclista. Aberturas no centro da avenida ligam os ambientes da superfície e do túnel.
Figueiredo Ferraz, um dos responsáveis pela criação do projeto, foi nomeado prefeito no fim de 1971 e levou a obra adiante pelos subterrâneos da Paulista. As escavações avançaram até a outra ponta da avenida, na região do Paraíso.
Prefeito demitido e obra interrompida
O projeto passou, no entanto, a sofrer forte oposição, o que desgastou Ferraz e levou à sua saída da prefeitura. Na ditadura, o prefeito de São Paulo era nomeado pelo governador do Estado, que, por sua vez, era escolhido pelo militar que ocupava a Presidência.
Em agosto de 1973, o governador Laudo Natel demitiu Ferraz por carta – na verdade, um bilhete -- e nomeou como prefeito Miguel Colassuono, que assumiu com a ordem de interromper a obra. O novo gestor completou o alargamento da via, mas abandonou o túnel, cuja construção jamais foi retomada. Sem a conclusão do túnel, a transformação da superfície em calçadão ficou inviável.
Mezerani, outro autor do projeto, atribui a oposição à Nova Paulista no início dos anos 70 aos usuários de apartamentos e escritórios dos edifícios que haviam ocupado indevidamente o subsolo da avenida. Segundo o arquiteto, o caminho do túnel tinha pela frente 22 construções irregulares, entre elas, garagens de prédios, o caixa-forte de um banco estatal e a quadra de esportes de um clube.
Em sua opinião, a insatisfação com obras concluídas na época como o Minhocão e a praça Roosevelt, na região central, ajudou a reforçar as críticas ao projeto da Paulista. “Foi fácil comparar a obra da Paulista com mais um monstrengo de concreto”, diz Mezerani, 41 anos depois da interrupção da construção da Nova Paulista.
Esplanada e centro cívico
“Era uma obra que deveria se completar no ano 2000, isto é, quando ela se transformasse, na superfície, em uma grande esplanada”, afirma o arquiteto. Seu objetivo era resgatar, de certa forma, o ambiente original da avenida projetada pelo engenheiro Joaquim Eugênio de Lima.
De 1891, quando foi inaugurada, até a década de 1950, a avenida era repleta de casarões, com grandes terrenos, e tinha um ambiente familiar. “A ideia [do projeto Nova Paulista] era preservar a convivência social e permitir que a pessoa andasse e atravessasse a rua sem precisar ir até o próximo quarteirão”.
A Nova Paulista ainda dialogava com o grande cartão-postal da avenida, o Masp (Museu de Arte de São Paulo), projetado com um grande vão livre pela arquiteta Lina Bo Bardi e inaugurado em 1968. “A Lina já previa que em frente ao Masp os carros deveriam passar por baixo. E eu respeitei. Já era ideia da Lina unir o Masp com o Parque Trianon”, relata Mezerani.
O túnel semiaberto também contaria com galerias comerciais e se interligaria com a linha 2-verde do Metrô, projetada para passar no nível abaixo. A via subterrânea teria conexões com as avenidas 9 de Julho e 23 de maio e com a praça Oswaldo Cruz. A passagem das outras vias transversais permaneceria na superfície, cortando o calçadão.
Mezerani e o escritório Figueiredo Ferraz trabalharam posteriormente na revisão do projeto e o apresentaram a outras gestões municipais, como a de Marta Suplicy (PT). Para o arquiteto, o projeto mantém sua força porque a Paulista tem uma grande importância econômica e se transformou no “centro cívico” da cidade.
Além disso, a cidade tem grande carência de espaços de convivência e lazer. “A Paulista é a centralidade. Virou o símbolo da cidade. Para o ambiente urbano, é indispensável jogar os carros para baixo [para o subsolo]”.
Segundo Mezerani, não é mais possível fazer um túnel semiaberto. A solução agora seria construir um túnel fechado. Ele calcula que a obra toda poderia ser concluída em um prazo de três anos.
Ciclovia
Atualmente, a avenida Paulista conta com uma ciclofaixa de lazer que funciona somente aos domingos e feriados. Orçada em R$ 15 milhões, a nova ciclovia será permanente e elevada em relação às faixas de rolamento, terá 4 km de extensão, ficará no canteiro central e contará com grades de proteção perto dos semáforos. As oito faixas para os carros serão estreitadas.
O vereador Andrea Matarazzo (PSDB), que atacou o projeto em setembro, recuou e adotou um tom moderado depois de conhecer a proposta.
Nesta quinta-feira (6), às 19h, o projeto será discutido em audiência pública na Câmara Municipal.
A defesa da proposta ganhou força após a morte de um ciclista no cruzamento das avenidas Paulista e Brigadeiro Luís Antônio no último dia 27.
Como a ciclovia passaria em frente ao Masp, que é um bem tombado, o projeto está sob análise de órgãos de preservação do patrimônio nas esferas estadual e federal: Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico) e Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
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