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Prefeitura de SP trata como lixo a madeira nobre das árvores caídas

Rodrigo Bertolotto

Do UOL, em São Paulo

15/01/2015 06h10

Elas derrubaram postes elétricos e interromperam ruas. Fora esses problemas, as mil árvores que caíram no município de São Paulo nos últimos 15 dias ainda tiveram um destino inglório: virar lixo e acabar soterrada em aterros sanitários.

UOL acompanhou o trabalho de remoção das árvores feito pela prefeitura, coletou galhos e buscou identificar de que espécie se tratava.

Dos sete exemplares submetidos à análise dos botânicos do Herbário Municipal, cinco foram apontados como de gêneros de madeira boa: jacarandá, angico, mirindiba, sibipiruna e pau ferro. Apenas duas amostras eram de material de pouca utilidade industrial: tipuana e flamboyant.

Não há nenhum tipo de triagem ou seleção por parte da prefeitura, tratando caules de madeira de lei da mesma maneira que galhos com cupins. Só uma parte mínima das ramagens é triturada para virar adubo nos três viveiros de plantas da cidade e nas ações de arborização.

Para a prefeitura, porém, os troncos recolhidos nas vias públicas são “considerados lixo orgânico”. “Normalmente, só ocorre queda de árvores que estejam em mau estado fitossanitário, por isso não existe nenhum tipo de seleção dos troncos”, respondeu a Secretaria de Coordenação de Subprefeituras por meio de e-mail

Das mais de vinte árvores tombadas que a reportagem do UOL registrou, apenas um eucalipto e uma tipuana estavam infestados por cupins. As árvores cujas madeiras são classificadas como “de lei” têm dureza e proteção naturais contra os animais xilófagos (comedores de madeira). 

Contrariando a justificativa oficial, especialistas apontam vários fatores para tantas plantas tombadas durante tempestade, entre eles, podas mal-feitas e sufocamento das raízes nas calçadas.

Funcionários proíbem pessoas de retirar madeira

A prefeitura usa o mesmo motivo para proibir que as pessoas possam retirar pedaços de madeiras para utilizar. “Já houve casos em que munícipe solicitou tronco às equipes de áreas verdes, porém, por questões sanitárias, não foi possível atender, pelo fato de a madeira estar infectada”, respondeu o órgão responsável pela poda e conservação.

Apesar dessa determinação, os troncos e os ramos ficaram tantos dias nas ruas que qualquer pessoa interessada poderia retirar.

“Eu liguei, e o atendente falou que demorariam até cinco dias úteis para retirar. Levou mais de dez dias”, reclamou Drago Ziukovic, que trabalha em escritório na avenida Brigadeiro Luis Antônio. Em bairros como Pinheiros e Moema, há árvores que caíram em 2014 que ainda estão no chão.

Entre as árvores identificadas pelos botânicos, está o jacarandá, que é usada na fabricação de móveis, instrumentos musicais e pisos. Já o angico, por ser resistente a brocas e cupins, é muito usado em tacos, vigas e caibros.

Por seu lado, o pau ferro, como o próprio nome diz, é muito duro e é usado na construção civil e também na produção de violões, violinos e até óculos. A mirindiba é madeira de lei e pode ser empregada na indústria moveleira. Já a sibipiruna pode servir para construção civil e para itens de decoração.

Há em outras cidades brasileiras iniciativas para o reaproveitamento dessas madeiras, seja pela própria prefeitura ou por ONGs ou indústrias. Em São Paulo, uma lei de 2008, de autoria do vereador Gilberto Natalini (PV) e assinada pelo prefeito anterior, Gilberto Kassab (PSD), institui o aproveitamento desse material seja como adubo, lenha, combustível, utensílio doméstico ou artesanato, mas pouco avançou essa iniciativa.

Alguns parques da cidade, como o Ibirapuera ou Luz, aproveitam a madeiras de suas árvores tombadas para fazer mesa e cadeiras para os frequentadores.

Mas a grande maioria das lenhas seguiu seu cortejo até o aterro da Pedreira, perto da divisa com Guarulhos, para ser enterrado como entulho. A região é uma clareira à beira do Parque Estadual da Cantareira.

Para quem se aproxima de lá, o cheiro de lixo contrasta com a paisagem verde da floresta. Após algumas curvas, aparece os morros escalonados que formam o aterro.

A madeira é compactada e enterrada. No lugar, de virar móveis se transforma em chorume e gás metano. A empresa responsável pelo aterro afirma que processa esses dois materiais para evitar a contaminação do ar e do solo.