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Expulsos de outras congregações, gays evangélicos fundam igreja no DF

Edgard Matsuki

Do UOL, em Brasília

25/02/2015 06h00

Em meio às várias igrejas evangélicas localizadas no Conic – quadra central de Brasília que, em outros tempos, era ponto central da prostituição na capital federal –, uma congregação se diferencia. Formada por gays e lésbicas, a Comunidade Athos realiza cultos três vezes por semana para quem deseja praticar a fé em Deus sem sofrer preconceitos por causa da orientação sexual.

Em média, 80 pessoas participam dos cultos. De acordo com a pastora Márcia Dias, cerca de trezentas pessoas fazem parte da congregação, e quase 100% são gays, lésbicas, bissexuais ou transexuais – incluindo ela própria. “De cabeça, lembro de três heterossexuais que frequentam”, diz.

Fundada em dezembro de 2005, a congregação começou com um grupo de cinco pessoas que não eram aceitas em outras igrejas. Com o tempo, cresceu e ganhou o status de igreja. Dos cinco fundadores, dois continuam.

A Athos prega a teologia inclusiva, ou seja, não condena a homossexualidade. Toda a argumentação para aceitação vem da própria Bíblia. “Há muitos erros por parte de outras igrejas. Sodoma e Gomorra, por exemplo, não era formada só por gays. Ou seja, não é a homossexualidade que foi punida por Deus”, afirma a pastora.

Márcia também aponta que as regras da Athos são parecidas com as de outras igrejas evangélicas: “Não permitimos a promiscuidade. O sexo pode ocorrer entre pessoas que já mantém uma relação estável. Não estamos exigindo registro em cartório, até porque a Bíblia não fala disso, mas sim que as pessoas estejam com um parceiro”.

Cerca de 90% dos fiéis são do sexo masculino. O designer gráfico Fábio Carvalho (que cuida das redes sociais da Athos), diz que isso acontece por que é mais fácil para mulheres disfarçarem a homossexualidade. “Algumas mulheres são lésbicas, frequentam igrejas e ninguém percebe. Com homens, é diferente”, aponta.

A grande maioria dos frequentadores já foi expulsa de outras igrejas por causa da orientação sexual. O secretário executivo Marcelo Araújo, 29, é um exemplo. “Até os 16 anos, eu frequentava uma igreja e não havia me assumido gay. Um dia fiquei com um menino e a história chegou ao pastor. Ele me chamou e me expulsou. Não adiantou nem argumentar”.

Depois de um período morando nas ruas, ele foi acolhido por uma família responsável por outra igreja. Depois de tentar, sem sucesso, um relacionamento heterossexual, ele se assumiu em um jantar de família. “Disse que eu tinha uma pessoa e perguntaram porque ela não estava lá no jantar. Aí disse: não é ela, é ele”, conta Marcelo. A confissão causou mais uma expulsão.

Antes de encontrar a Comunidade Athos, Marcelo disse que tentou a cura gay. “Fui a psicólogos e até me levavam para montes para fazer a libertação. Não deu. Me afastei da igreja, e só quando descobri a igreja inclusiva pela internet, voltei a praticar a fé e me sentir em paz em relação à minha sexualidade. Hoje sou feliz”, diz. Há dois anos ele está na Athos e conheceu o companheiro em um culto da igreja inclusiva.

Igreja inclusiva, cerimônia tradicional

O culto da Athos tem uma estrutura semelhante ao de outras igrejas evangélicas. Depois de um momento de oração inicial, três cantores entonam hinos evangélicos conhecidos. Em frente a eles, um homem interpreta a canção para surdos-mudos. A cada mensagem, ele faz um sinal e dança.

Depois disso, a pastora fala por alguns momentos e alerta para problemas como a Aids e o Carnaval. Em seguida, algumas pessoas dão o seu “testemunho”, aos gritos de "amém" e "aleluia" por parte do público. Vera, a companheira de Márcia, conta do dia em que algumas amigas sofreram um sequestro e foram “protegidas por Deus”.

Por fim, o pastor Alexandre Feitosa faz uma pregação e alerta para os “falsos profetas” que dizem que um relacionamento entre duas pessoas do mesmo sexo não pode dar certo.

Para ilustrar, ele conta a história de um homem que havia ouvido que o relacionamento homoafetivo “não era de Deus” por três “profetas” e que ele estava confuso. Depois de explicar por que um profeta nem sempre está certo, ele disse que descobriu o problema no relacionamento do personagem da história.

“Perguntei a ele qual era a crença da pessoa e ele disse que era espírita. Eu respondi: então eu creio que alguma dessas profecias tinham vindo de Deus. E aí fica um alerta: muitas pessoas buscam um relacionamento em lugar onde Deus não habita”. E assim o pastor encerrou a sua fala na Igreja LGBT.  Os cultos são às quartas, sábados e domingos, sempre às 19h30.