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Onda de violência no Rio cria jogo de empurra entre Pezão, Paes e Justiça

Jaime Gold, 56, foi esfaqueado na ciclovia da lagoa Rodrigo de Freitas, um dos cartões-postais do Rio. Após o crime, no dia 19 de maio, o policiamento foi reforçado na região - Gabriel de Paiva/Agência O Globo
Jaime Gold, 56, foi esfaqueado na ciclovia da lagoa Rodrigo de Freitas, um dos cartões-postais do Rio. Após o crime, no dia 19 de maio, o policiamento foi reforçado na região Imagem: Gabriel de Paiva/Agência O Globo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

26/05/2015 06h00

A onda de esfaqueamentos no Rio de Janeiro, incluindo o caso de maior repercussão, o da morte do ciclista Jaime Gold, 56, na última terça-feira (19), deu início a um jogo de empurra entre o prefeito Eduardo Paes (PMDB), o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) e o presidente do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro), Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho.

Nenhum deles se vê responsável pela onda de violência na cidade. Em uma semana, nove pessoas foram feridas por assaltantes armados com facas. A maioria desses crimes têm adolescentes como suspeitos.

A polêmica começou com uma entrevista de Pezão, no dia 20 de maio, quando ele criticou a ação do Judiciário. Em sua versão, a polícia "bateu recorde de prisões em abril, sendo que cerca de 60% eram menores". Porém, afirmou Pezão, "o policial entra por uma porta e a pessoa [o criminoso] sai pela outra".

"(...) E, quando fica preso, infelizmente, o desembargador dá uma liminar soltando todos. Se for para cumprir essa lei que está aí, a gente tem que discutir isso com toda a sociedade", disse ele, em entrevista ao jornal "O Globo".

A declaração provocou a revolta do presidente do TJ-RJ. Para Carvalho, "não há relação de causalidade entre a morte trágica do ciclista" e a "ação da Justiça". Ele disse ainda que o Judiciário "não se exime de suas responsabilidades em relação à segurança pública" e classificou a entrevista de Pezão como uma "generalização que pode levar a raciocínios e compreensões equivocadas".

"Compreendo o desabafo do governador, mas não posso aceitar essa generalização perigosa (...) O que faltou, e isso é evidente pelo exame dos fatos, foi um policiamento ostensivo eficiente, que fosse preventivo e impedisse a barbárie", afirmou o desembargador, em nota enviada à imprensa no dia seguinte ao assassinato de Jaime Gold.

Já Paes foi duro ao falar, no dia 21 de maio, sobre a suposta participação de menores no assalto que terminou com a morte do ciclista. Na visão do prefeito, se confirmada a conduta criminosa dos adolescentes, eles precisam ser tratados como "delinquentes". Paes foi mais longe e afirmou que "isso não é um problema social".

"O que a gente vê nesses casos é uma pessoa que sai armada de uma faca, agride, a ponto de levar essa pessoa à morte. Esse não é um criminoso que tem que ser tratado. É um delinquente que tem que ser tratado com a dureza da força policial. Não tem jeito. Isso não é um problema social", sustentou o prefeito.

A reportagem do UOL conversou com o antropólogo Lenin Pires (Universidade Federal Fluminense) e com o antropólogo e ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais) Paulo Storani sobre o confronto de versões entre autoridades públicas do Rio. Ambos afirmaram que, em geral, o impasse mostra a falência das políticas públicas de segurança, prevenção e enfrentamento da criminalidade. "É engraçado que esse disse-me-disse não existe quando os Poderes dialogam sobre arrecadação de impostos", ironizou Pires.

"Todos eles atuam em uma representação de que a segurança pública é apenas a punição. Não há qualquer responsabilidade quanto às políticas de prevenção. Além disso, falta uma integração entre as forças de segurança para que todos falem a mesma língua. Enquanto não existir essa integração, a sociedade continuará refém dos interesses individuais de cada um", completou o antropólogo da UFF.

Storani também argumentou sobre a carência de uma regulamentação específica, em nível nacional, para a área de segurança pública, que deveria incluir, de acordo com a opinião do especialista, a Guarda Municipal. "Embora a corporação não tenha essa função constitucional, o que a gente observa, na prática, é que a Guarda Municipal também é reconhecida pela população como um instrumento de segurança pública. A presença de guardas municipais nas ruas é importante porque ajuda a coibir o cometimento de delitos", explicou.

Na visão do ex-capitão do Bope, Paes, Pezão e o presidente do TJ têm uma "percepção limitada" do que é a segurança pública. "O policiamento precisa ser acompanhado de políticas sociais de prevenção, inclusão e educação. Além disso, existe uma necessidade urgente de revisão da norma jurídica. Erra o prefeito, erra o governador, erra, em parte, o desembargador do Tribunal de Justiça. Se o Judiciário solta, isso ocorre em razão da flexibilidade da lei", afirmou Storani.