"Estado chegou muito tarde a Belo Monte", diz chefe de defensoria
Há seis meses, um grupo de defensores públicos da União chegava a Altamira (PA) para começar --tardiamente-- um trabalho de assistência jurídica aos moradores que foram ou serão retirados de suas casas para dar lugar à usina de Belo Monte.
"O Estado chegou muito tarde a Altamira. E só chegou com a DPU [Defensoria Pública da União] depois que ficamos autônomos [até 2014, o órgão era ligado ao Ministério da Justiça]. O Estado não fiscalizou, o Ibama não acompanhou o processo, as pessoas negociaram sozinhas com a Norte Energia, e a empresa interpretou as condicionantes como quis, dizendo que as pessoas, se não aceitassem, iriam sair na Justiça", conta o coordenador da força-tarefa, o defensor público da União Francisco de Assis Nascimento.
Os cinco defensores e quatro assistentes se revezam desde 19 de janeiro para atender a uma enorme demanda: foram instaurados cerca de 1.100 processos de assistência jurídica. Em alguns deles, há mais de uma família cadastrada. Há ainda 400 famílias que aguardam chamado para abertura de processos. A média é de mais de dez processos por dia útil, que representam cerca de 4.000 pessoas atendidas ao todo.
Para atuar em Altamira, o órgão federal fez uma parceria com a defensoria do Estado. “Somos uma missão itinerante, sem estrutura adequada, com internet precária, sede emprestada etc. E atuamos em regime de rodízio de defensores e servidores, o que torna mais árduo o trabalho”, conta.
Novos conjuntos
Em Altamira, foram construídos cinco conjuntos para pessoas em áreas alagáveis. Segundo a Norte Energia --consórcio de empresas estatais e privadas responsável pela obra--, mais de 13 mil pessoas já ocupam esses núcleos urbanos e mais de 2.000 indenizações foram pagas. Existem ainda cerca de 500 famílias à espera de negociação -- para receber um nova casa, uma indenização ou o aluguel social.
A maioria dos moradores que foram à DPU querem uma casa no reassentamento urbano coletivo. Os pedidos de indenização ou aumento no valor ofertado ficam em segundo lugar nos pedidos, seguido pelo aluguel social (R$ 900 por 12 meses).
“São muitas pessoas que ficaram de fora do cadastro porque estavam viajando ou estavam no trabalho, e o cadastrador não pegou os dados. Foi um cadastro muito falho. Estamos falando de um lugar de pessoas sem teto, sem luz, sem água, que não tinha documentação. As ruas, na verdade, eram pedaços de madeiras”, afirma.
Os avanços ainda são tímidos: nas rodadas extrajudiciais de negociação feitas diretamente com a empresa, a DPU conseguiu 70 casas, 30 indenizações e 20 aluguéis sociais. "Cada casa é uma conquista", afirma Nascimento.
Um outro ponto que chamou a atenção da força-tarefa é o valor das indenizações. “Eles usaram preços de 2012. Só que desde lá, Altamira ganhou mais de 50% de população, tudo ficou muito caro, e nada disso foi considerado nas indenizações. Há casos de pagamento menor que o valor venal de uma casa. Cansei de ver casos de pagamento de R$ 20 mil, R$ 30 mil por casa nas palafitas. Tudo bem que eram casas precárias, mas com esse dinheiro eles não garantiram um retorno a uma moradia”, diz.
Novos defensores
O trabalho itinerante da DPU deve acabar nas próximas semanas, quando duas vagas efetivas vão ser preenchidas.
A nova equipe ainda vai se deparar com muitos problemas. “Existe uma série de condicionantes que não foram cumpridas. O recenseamento é só um deles; existe a relação de vizinhança, de parentes e amigos que foram afastados, as casas rachando, as escolas que não funcionam, o transporte escolar que não existe", diz.
Um desafio é a precária situação da Justiça. “A Justiça Federal só tem titular há quatro semanas em Altamira. O juiz que estava lá acumulava a função com Belém. Com a demora [em estabelecer um titular], os recursos da Justiça são lentos. Nesse caso, as ações eram a última opção", relatou.
Licença contestada
A previsão da DPU é que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Renováveis) se manifeste em setembro sobre a concessão ou não da licença definitiva. Tanto a DPU como o MPF (Ministério Público Federal) são contra a concessão nesse momento.
“Que as pessoas vão sair, vão. Isso é fato. Mas isso só deve ocorrer quando as pessoas forem removidas de forma digna, garantindo refazer sua vida e manter o modo de vida dos pescadores, que estão desprotegidos. Muitas pessoas saíram sem ter respaldo, sem dinheiro suficiente, ainda tem pessoas morando em ilhas”, conta.
Resposta
A Norte Energia informou ao UOL que não há exclusão de beneficiários do cadastro. “O que ocorre são invasões de áreas já adquiridas pela Norte Energia e o acolhimento pela Defensoria Pública desses pleitos de pessoas que não ocupavam as áreas de influência do reservatório na época do cadastro, finalizado em 25 de janeiro de 2013”, informou.
Sobre os valores de indenização, a Norte Energia diz que respeitou a legislação e que o tema foi amplamente discutido com a sociedade, órgãos competentes e entidades de classe e que “segue o Caderno de Preços atualizado e de acordo com o mercado da região para definir os valores de indenizações”, afirma.
Já sobre os moradores que ainda permanecem no local, o consórcio diz que praticamente a todos das cotas mais baixas --97 e 98 metros acima do nível do mar-- já foram concedidas “compensações adequadas e previstas no Projeto Básico Ambiental do empreendimento”. “Um percentual pequeno de moradores não satisfeitos com as negociações judicializou seus casos.”
O consórcio alega ainda que não há “interpretação de condicionantes”. “É falsa a informação de que as condicionantes não foram cumpridas. Uma pesquisa básica em material já publicado pela imprensa permite confirmar que o órgão licenciador – o Ibama– já afirmou que 80% dos projetos e ações socioambientais vinculados à licença de operação estão adequados ao cronograma estabelecido. E todas as outras estão em execução ou já foram contratadas”, aponta.
A Norte Energia também nega que existam casas rachadas e diz não haver queixas de moradores. Alega ainda que oito escolas estão sendo construídas. “Todos os alunos que residem nos cinco novos núcleos urbanos construídos pela empresa têm à disposição transporte escolar gratuito. Atualmente, a empresa oferece o serviço a 2.133 estudantes”, informou.
A empresa assegura que vai construir um sexto bairro destinado a pescadores e índios citadinos. “O bairro é próximo ao rio para atender às necessidades dos moradores de manter o seu modo de vida tradicional. Até o momento, 46 famílias declararam interesse em morar nesse bairros”, finalizou.
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