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Número de mortos por policiais no Rio cresce 22,8% no 1º semestre de 2015

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

24/08/2015 06h00

O número de pessoas mortas por policiais em serviço na cidade do Rio de Janeiro cresceu 22,8% no primeiro semestre deste ano em relação ao mesmo período de 2014. No Estado, o aumento entre os primeiros semestres de 2014 e 2015 (de 287 para 349 casos) foi de 21,6%. Em média, portanto, a polícia fluminense matou quase duas pessoas por dia na primeira metade deste ano.

Divulgada mensalmente pelo ISP (Instituto de Segurança Pública) do Rio, a quantidade de mortes provocadas por agentes de segurança --policiais militares e civis-- foi a maior registrada em um semestre desde a primeira metade de 2011, tanto na capital quanto no Estado.

O número foi mais de duas vezes maior que o do semestre com o menor índice da década --no segundo semestre de 2011, houve 151 mortes deste tipo no Estado. Questionada sobre o aumento, a Seseg (Secretaria de Estado de Segurança) se limitou a afirmar, em nota, que "no Rio ainda há áreas com guerra".

Concentração na capital

Na capital, foram registrados 172 homicídios decorrentes de intervenções policiais nos primeiros seis meses deste ano, os chamados "autos de resistência". Na primeira metade de 2014, houve 140 ocorrências do tipo. Já com relação ao segundo semestre do ano passado (107 casos), o aumento foi de 60,7%.

Uma das mortes mais simbólicas deste período foi a do garoto Eduardo de Jesus Ferreira, 10, alvo de um tiro de fuzil na cabeça durante operação do Batalhão de Choque da PM no Complexo do Alemão, zona norte da capital fluminense, em abril. Ele foi a quarta vítima de tiroteio na região em menos de 24 horas. Na ocasião, uma base da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) local foi atacada.

O relatório "Você matou meu filho", divulgado pela Anistia Internacional no início do mês, apontou que, após seis anos de quedas consecutivas, o número de mortes em ações das polícias voltou a crescer entre 2013 e 2014. Em dez anos, a partir de 2005, foram registrados 8.466 homicídios do tipo no Estado, sendo 5.132 apenas na capital.

A principal conclusão do documento foi contundente: a polícia fluminense tem usado a força de forma "desnecessária, excessiva e arbitrária", desrespeitando normas e protocolos internacionais sobre o uso da força e armas de fogo.

A Seseg argumenta que o cenário já foi muito pior na década passada. "É inegável a melhora nos índices de criminalidade de 2007 para cá", afirmou a secretaria. Naquele ano, 1.330 pessoas foram mortas por agentes de segurança no Estado. Em 2014, houve 580 vítimas registradas. Tal declínio, segundo a Seseg, "coincide com a implantação das UPPs".

A pasta também informou que "está reduzindo o uso de fuzis e de munição" para reduzir os índices de criminalidade e citou ainda a criação do Centro de Formação do Uso Progressivo da Força, há dois anos, e do sistema que paga bônus pela redução de mortes.

Violência nunca deixou de ser uma questão

Para a socióloga da Uerj (Universidade do Estado do Rio de janeiro) Lia de Mattos Rocha, o "pico" nos indicadores de letalidade policial não surpreende. "É preocupante e é preciso investigar melhor, mas não me espanta. A violência policial nunca deixou de ser uma questão do Rio de Janeiro", afirmou.

Uma das hipóteses que, segundo Lia, pode explicar o aumento na estatística está ligada a um "rearranjo" da dinâmica entre policiais e criminosos. "Pelos relatos de moradores, estava havendo uma grande movimentação de quadrilhas, de uma favela para outra ou dentro das próprias comunidades. E isso inclui a polícia. Eu imagino que houve um esgotamento desse rearranjo e algum tipo de desacordo entre grupos de criminosos e policiais", disse, citado a prática de "arregos" (propinas).

Membro do Laboratório de Análise da Violência da mesma universidade, o sociólogo Ignácio Cano ressaltou a ocorrência de "muitos ataques contra policiais e confrontos armados" no primeiro trimestre deste ano como possível motivo para o incremento no índice de violência. "Mas nos últimos meses do semestre isso diminuiu", ponderou.