Praia Grande (SP) sofre com assaltos em ciclovias: 'Nossa segurança é Deus'
Com 79,5 km de ciclovias e outros 24,4 km a serem abertos até abril de 2017, Praia Grande (a 71 km de São Paulo) tem uma das maiores redes viárias para bicicletas no país -- a capital paulista tem, em comparação, 356,8 km, entre ciclorrotas e ciclovias. Mas, apesar da boa conservação geral das pistas e de seu monitoramento por câmeras de vídeo, usuários e comerciantes relatam frequentes assaltos a ciclistas, em especial nas temporadas de verão.
Moradores da cidade ouvidos pelo UOL dizem que o reforço policial informado pelo governo do Estado e os trabalhos de urbanização descritos pela prefeitura têm sido insuficientes para coibir a ação de bandidos e reduzir a sensação de insegurança. Há quem diga ter deixado a bicicleta de lado após ter sido roubado em uma ciclovia.
Nem o município nem a SSP (Secretaria de Estado da Segurança Pública) dispõem de informações específicas sobre furtos e roubos na malha cicloviária: as estatísticas mostram o número geral de ocorrências. Elas aumentaram na comparação entre os primeiros semestres de 2013 e 2014 e baixaram de 2014 para este ano – no entanto, com resultados piores que os de 2013.
O uso da bicicleta é uma opção ao veículo motorizado e ao transporte coletivo e ganha importância em cidades com rápido crescimento populacional, como Praia Grande. O município recebeu 63 mil de seus 290 mil moradores nos últimos dez anos (alta de 28%). Porém a frota de carros e motos quase triplicou no período: de 36 mil em 2005 para 103 mil em 2014, segundo dados mais recentes.
Uma dessas motocicletas é a do meio-oficial de construção civil Adaílson Rodrigues Araújo, 29. Há dois anos, ele trabalhava como pizzaiolo no período noturno e conta ter sofrido dois assaltos em um mês, ambos no bairro Ocian, nas ciclovias que margeiam a via Expressa Sul – um conjunto de vias expressas que facilitam o acesso às entradas e saídas da cidade.
“Era um trecho escuro. Agora, colocaram mais luz. De vez em quando, ainda uso a ciclovia para ir a um lugar próximo, visitar um amigo. Mas, para trabalhar, vou de moto mesmo”, diz Araújo.
'A segurança da gente é Deus'
“Sempre tem policiamento e a guarda [municipal, que faz patrulhamento preventivo], mas tem assalto em qualquer horário, ainda mais no fim de semana”, afirma Maria José dos Reis Santos, 48, funcionária de uma loja de artigos de praia no Jardim Guilhermina.
“Não está melhorando nada. A segurança da gente é Deus”, declara o quiosqueiro João Evangelista, 66, que vende comida e bebidas na praia da Aviação e cuja mulher já foi assaltada.
O aposentado Everaldo Alves de Miranda, 59, que pedalava em um trecho da ciclovia da orla no Jardim Guilhermina, nunca foi roubado “por ser meio esperto”. “Os caras [ladrões] sabem quem é turista e quem não é. O turista geralmente ostenta alguma coisa, usa uma roupa menos gasta. Agora, sobre andar na ciclovia, fica difícil quando tem obra, porque botam trator no meio”, afirma.
Miranda se referia a obras no calçadão da praia, que ocorriam em vários pontos enquanto a reportagem esteve na cidade. Segundo a prefeitura, coqueiros e árvores estão sendo realocados e haverá nova iluminação, para ampliar o alcance das câmeras de videomonitoramento da prefeitura, 93 delas voltadas às ciclovias (não só as da orla). As intervenções, contudo, não eram sinalizadas.
Alto número de roubos
Números da SSP apontam que, no primeiro semestre deste ano, registraram-se 2.260 roubos (subtração de bens mediante ameaça ou violência) em Praia Grande. O número caiu 17,5% em relação ao mesmo período de 2014 (1.877), mas foi superior ao verificado entre janeiro e junho de 2013 (1.484).
A quantidade de furtos (sem violência e desconsiderados os de veículos) é praticamente a mesma nos três períodos – 2.634 em 2013, 2.678 em 2014 e 2.544 em 2015, sempre considerados os primeiros seis meses de cada ano.
Em nota enviada pela secretaria, a PM (Polícia Militar) informou realizar “operações periódicas na orla e na ciclovia” durante todo o ano, com reforço no verão e em feriados prolongados, devido ao movimento de turistas. Citou que, desde 2011, contrataram-se 183 policiais “para a região de Santos” e há reforço de 30 PMs em Praia Grande mediante diária especial por jornada extra.
A prefeitura, também por nota, declarou manter patrulhamento preventivo com carros elétricos, motorizados e duas bases da Guarda Civil Municipal, uma delas móvel. Também mencionou ter cadastrado cerca de 20 mil ciclistas desde 2011, colocando adesivos nas bicicletas para identificar condutores e tornar esses veículos visíveis à noite. A medida também serve para redirecionar ações de trânsito.
Cultura automobilística
Doutor em Planejamento Urbano e Regional pela USP (Universidade de São Paulo), José Marques Carriço considera que a troca de veículos motorizados por bicicletas, no dia a dia, depende não apenas da abertura de ciclovias. Para ele, é preciso fazer bicicletários públicos e incentivar a construção de particulares, o que exige mudanças na legislação urbanística das cidades, e incentivar ações como a Semana Mundial sem Carro, que começa nesta sexta-feira (18).
“O barbeiro do qual sou cliente, por exemplo, trabalha em um shopping center e tem de deixar a bicicleta amarrada em um poste, porque o estacionamento do shopping não quer se responsabilizar em caso de furto. Carro pode, bicicleta não. É uma concepção cultural pela qual o ciclista é tratado como pessoa de segunda categoria”, opina Carriço.
Esse exemplo mostra, na opinião do urbanista, o quanto a “cultura do automóvel iniciada na década de 1950 [no governo Juscelino Kubitschek, 1956-1961] e mantida pelo lobby da indústria automobilística” prejudica a inserção de ciclovias no sistema viário.
“Em países como a Holanda e os escandinavos, as ciclovias são largas e ao lado das calçadas, não no centro das vias. Isso facilita muito a relação do ciclista com as atividades econômicas, pois, para sair da ciclovia, ele não precisa atravessar a rua para chegar a um estabelecimento”, compara.
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