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Crise econômica ameaça sobrevivência do aluguel de bicicletas em 4 Estados

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Imagem: Getty Images

Flávio Ilha

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

27/09/2015 06h00

O serviço de compartilhamento de bicicletas nas principais capitais do país sofre com a desestruturação por conta da crise econômica.

Em pelo menos quatro cidades, a oferta não tem garantia de continuidade devido à falta de interesse das empresas em renovar os contratos. Em outras, há as exigências dos editais dificultam a implantação do sistema.

Porto Alegre e Curitiba estão no primeiro grupo, assim como São Paulo e Belo Horizonte. Em Porto Alegre, a licitação para a renovação do serviço de aluguel finalizada nesta semana não teve interessados – o que obrigou a prefeitura a estender o atual contrato, que venceu na terça-feira (22), por mais seis meses.

A Serttel, que desde 2012 administra o sistema patrocinado pelo banco Itaú, alegou que a administração pública incluiu uma taxa de 10% sobre o faturamento, o que inviabilizou o negócio. Além disso, exigiu a implantação de mais dez estações além das 40 já existentes. Em nota, o Itaú considerou “não ser razoável” a cobrança da taxa, já que contribui com 100% dos custos do sistema.

Em Curitiba, o serviço já foi desativado em duas das três estações e deve ser suspenso até o final do mês no último ponto de aluguel remanescente. A Bicicletaria.net, que opera o sistema, atribuiu a suspensão a “desequilíbrios contratuais” que foram “ignorados pela prefeitura”.

Rafael Milani, diretor da empresa, disse que a administração municipal cobrou uma taxa de outorga que chegará a R$ 30 mil até o final do contrato, em 2017. “Exauridas as tentativas de corrigir problemas de projeto e modelo de ocupação impostos pelos órgãos municipais, a empresa infelizmente teve de optar pela descontinuidade dos serviços”, justificou.

No caso de São Paulo, as empresas interessadas na nova licitação alegaram que o tamanho do projeto – que prevê a operação de um sistema com 400 estações e 4.000 bicicletas – afastou os interessados. A concorrência foi suspensa em junho pelo Tribunal de Contas do município e não tem nova data para ser realizada.

O contrato com a Serttel, a mesma que administra o sistema em Porto Alegre e em outras capitais, expirou em maio, mas o serviço continuará sendo prestado até que o edital seja refeito.

Belo Horizonte, por sua vez, sofre com a baixa qualidade dos equipamentos e com o número insuficiente de veículos – das 400 bicicletas previstas em contrato, só 263 estão habilitadas para uso, de acordo com a Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte (BH em Ciclo). A defasagem está sendo investigada pelo Ministério Público de Minas Gerais.

Em capitais menores, como Florianópolis e Vitória, a dificuldade é para implantar o sistema. Na capital de Santa Catarina, o aluguel de bicicletas está prometido pela prefeitura desde 2011, mas as duas tentativas de licitar o serviço acabaram sem interessados. A presidente da comissão de licitação, Vera Lúcia Gonçalves, disse que as empresas alegaram “insegurança no investimento” para não participar.

“O sistema estava superdimensionado, com 85 estações nas duas fases de implantação. Vamos limitar a próxima licitação, que deve ocorrer ainda em 2015, a no máximo 30 pontos de aluguel e 300 bicicletas. Também vamos reduzir o prazo de concessão, de dez para cinco anos”, informou Vera Lúcia.

Vitória enfrenta o mesmo problema: as duas primeiras licitações realizadas pela prefeitura acabaram desertas desde 2013. O número de estações foi reduzido de 25 para 20 e o sistema de cobrança foi indexado ao valor da tarifa do transporte público como forma de evitar desequilíbrios no futuro.

“Como nos editais anteriores não houve interessados na parceria para a implantação das bicicletas compartilhadas, e considerando que esse empreendimento é muito importante como nova alternativa de transporte, a equipe técnica da prefeitura realizou pesquisas e também algumas adequações no projeto, em caráter experimental, considerando igualmente o cenário econômico do país”, justificou a prefeitura por meio da assessoria de imprensa.

Outro lado

O diretor-presidente da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) de Porto Alegre, Vanderlei Cappellari, diz que não recebeu nenhuma reclamação de empresa sobre o item do edital que prevê a cobrança da taxa de serviço. “Vamos conversar com as empresas que buscaram informações, mas não houve nenhum tipo de queixa nesse sentido”, explicou.

A Prefeitura de Curitiba informou que a interrupção do serviço está sendo avaliada pela Procuradoria Municipal e que está elaborando um novo plano de ocupação para tornar os bicicletários atraentes para empresários e usuários, incluindo ampliação dos pontos de aluguel. Não há prazo, entretanto, para que esse novo projeto entre em operação.

Em nota, a Serttel, que também administra o serviço de Belo Horizonte, justificou que a defasagem entre o número de bicicletas previstas em contrato e a oferta nas estações visa “garantir a performance” do sistema. “Trata-se de uma medida mundial para garantir a performance com o mínimo de estações cheias/vazias. Por isso, das 400 bikes prontas para uso, em média 260 ficam disponíveis”, explicou a empresa.

Bom exemplo

Em Fortaleza, o sistema de bicicletas compartilhadas bateu recorde de viagens em todo o país no primeiro semestre de 2015 – foram 44,1 usuários por dia em cada estação, contra 32,2 do Rio de Janeiro, 15,7 de Brasília e 8,9 de São Paulo. Apenas entre junho e agosto, o volume de viagens do sistema Bicicletar passou de 117 mil nos dias úteis.

Patrocinado pela Unimed, o aluguel deve ganhar reforço de mais 40 estações até março de 2016 – ou seja, vai dobrar de tamanho. Um dos segredos do sucesso pode estar na vinculação do aluguel ao Bilhete Único do transporte público municipal. A média de viagens nos dias úteis supera a dos finais de semana.

“Isso significa que a bicicleta está sendo mais usada em atividades cotidianas, como deslocamentos para o trabalho ou para a faculdade, do que para o lazer. É um indicativo de que o sistema cumpriu seu propósito de desafogar o trânsito e melhorar a qualidade de vida”, diz o secretário-executivo de Conservação e Serviços Públicos de Fortaleza, Luiz Alberto Sabóia.