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Presídio no Rio onde juíza foi agredida é famoso por regalias e "festinhas"

Em junho, dois PMs detentos do BEP publicaram selfies em redes sociais. Os presos têm acesso a celulares e já chegaram a promover festas dentro da penitenciária - Reprodução/TV Globo
Em junho, dois PMs detentos do BEP publicaram selfies em redes sociais. Os presos têm acesso a celulares e já chegaram a promover festas dentro da penitenciária Imagem: Reprodução/TV Globo

Hanrrikson de Andrade

Do UOL, no Rio

02/10/2015 13h00

A agressão de PMs presos a Daniela Barbosa Assumpção de Souza, juíza da VEP (Vara de Execuções Penais) do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na quinta-feira (1º), fortalece o histórico de confusões e escândalos envolvendo o BEP (Batalhão Especial Prisional), localizado em Benfica, na zona norte da capital fluminense. O presídio, gerenciado pela própria Polícia Militar, tem ficha longa, que vai da fuga de um miliciano pelo vão de um ar-condicionado, em 2011, a regalias encontradas neste ano, como churrasco, paredes decoradas com pintura em textura e cortinas com bloqueadores de luz nas celas.

O local foi apelidado “batalhão das festinhas” depois que uma vistoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) mostrou que, em dezembro de 2011, várias celas da unidade eram equipadas com TVs, geladeiras, micro-ondas, entre outros eletrodomésticos. Em razão da diligência, 35 detentos foram transferidos. Um ano antes, a Corregedoria da Polícia Militar havia interceptado a entrega de 2.600 latas de cerveja dentro do BEP. Na ocasião, um tenente foi preso sob suspeita de liberar a entrada da bebida.

Cela do BEP, no Rio - Juiz Ulysses Gonçalves Jr/TJSP/CNJ - Juiz Ulysses Gonçalves Jr/TJSP/CNJ
Cela confortável e equipada do BEP foi fotografada em vistoria realizada em dezembro de 2011 pelo CNJ
Imagem: Juiz Ulysses Gonçalves Jr/TJSP/CNJ

A fuga do ex-policial militar Carlos Ari Ribeiro, o Carlão, apontado como principal matador da milícia Liga da Justiça, ocorreu em setembro de 2011 e contou com ajuda interna.  "Esse ex-militar, ele obteve fuga, a princípio, por uma negligência do nosso oficial de dia. Ele está sendo autuado por facilitar essa fuga”, explicou o então corregedor da PM, coronel Ronaldo Menezes, na época. O criminoso havia sido denunciado à Justiça, na véspera da fuga, por formação de quadrilha.

Antes de deixar o local, após forçar entrada em uma sala da Defensoria Pública e escapar pelo buraco do ar-condicionado, Carlão havia transformado sua cela em escritório do grupo paramilitar. O miliciano, cujo comportamento era descrito como “psicótico”, foi morto em uma operação da Polícia Civil, um ano depois. Passadas algumas semanas da fuga, o jornal “Extra” publicou várias fotos de uma festa promovida por ele, dentro do BEP, para comemorar o aniversário do filho. Nas imagens, o criminoso ostenta joias de ouro e aparece em volta de uma mesa com bebidas alcoólicas, refrigerantes e energéticos.

Em março de 2014, homens da Corregedoria da PM e do Ministério Público do Estado fizeram nova vistoria no presídio e encontraram 70 latas de cerveja, 12 aparelhos de microondas, 12 aparelhos de ar-condicionados, dois tablets, um notebook, cinco telefones celulares e uma antena de TV por assinatura. Segundo a polícia, parte do material foi encontrado em uma sala onde presos fazem ginástica na unidade. A investigação mostrou ainda que PMs fizeram vaquinha para realizar um churrasco dentro do BEP, durante o Carnaval.

A própria juíza agredida nesta quinta (1º) já havia feito uma inspeção no presídio, há quase dois meses, quando encontrou R$ 3.000 em espécie, eletrodomésticos, celulares, carnes para churrasco, entre outros itens. A diligência levou à queda do diretor-geral do BEP, tenente-coronel Alexandre do Amaral Lourenço. "Várias celas tinham cama de casal, paredes decoradas com pintura em textura e cortinas com bloqueadores de luz, impedindo que os seguranças fiscalizassem a movimentação dos presos", afirmou Daniela Barbosa Assumpção de Souza, em 8 de agosto. Na ocasião, a magistrada determinou que a VEP realizaria vistorias mensais na unidade.

Pedra no sapato

Procurada pelo UOL, a Polícia Militar do Rio informou que está há seis meses em negociação com a Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária) para viabilizar a ida dos 221 PMs presos no BEP. “O objetivo da mudança é garantir melhores condições de trabalho para a administração e para o judiciário”, informou a corporação.

A transferência dos detentos é novela antiga no Rio, e a Secretaria de Estado de Segurança Pública tenta fechar o Batalhão Especial Prisional há pelo menos quatro anos. No entanto, como não havia local preparado para receber os policiais presos, a medida acabou sendo protelada.

Após a agressão sofrida pela juíza, na quinta, o magistrado titular da VEP, Eduardo Oberg, determinou o encerramento imediato das atividades no presídio e a transferência dos detentos para Bangu, na zona oeste da cidade, onde há um complexo penitenciário.

No entanto, para não colocar PMs e traficantes em um mesmo espaço, as autoridades se reuniram nesta sexta-feira (2) e decidiram transferir 217 dos 221 policiais para um presídio em Niterói, na região metropolitana do Estado, com celas específicas. Os quatro identificados como responsáveis pela agressão seguirão para Bangu. As informações foram confirmadas presidente do TJ-RJ, Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho.