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Crianças desenham tragédia de inundações em Salvador

Desenho de uma das crianças que convivem com a tragédia das inundações em Salvador - Reprodução/Agência Pública
Desenho de uma das crianças que convivem com a tragédia das inundações em Salvador Imagem: Reprodução/Agência Pública

Donminique Azevedo

Agência A Pública, em Salvador

05/10/2015 14h29

Na capital baiana, milhares de famílias habitam em condições de alto risco nas encostas dos morros e barrancos. As crianças estão entre as principais vítimas das inundações e deslizamentos. São crianças traumatizadas por testemunharem tragédias que ocorrem periodicamente e vitimam seus parentes e amiguinhos. Basta ameaçar chuva para que elas entrem em pânico. Quando chove forte, os pais as levam para casas de parentes e amigos em locais mais seguros, deixam de ir à escola e não têm onde brincar. Educadores e psicólogos avaliam que as crianças submetidas a essa convivência com a tragédia podem ser vítimas de depressão e de perda de autoestima que influenciarão negativamente em seu desenvolvimento como cidadãos. Nos desenhos, as crianças descrevem com sensibilidade as cenas trágicas com as quais convivem.

Crianças interditadas1 - Reprodução/Agência Pública - Reprodução/Agência Pública
Imagem: Reprodução/Agência Pública

Perigo da leptospirose

“Aqui em São Cristóvão a gente paga taxa de esgoto para viver dentro dele. Quando alaga, muitas crianças brincam dentro daquela água imunda. Os meninos são fortes. Não têm doença e ninguém morre. É Deus que protege da urina do rato”, reclama a ascensorista Eliana Silva, atualmente desempregada. Mesmo sem relatos de casos, o medo de contrair a leptospirose é grande. O receio tem fundamento, recorte geográfico delimitado e situação social.

Uma pesquisa da Fundação Fiocruz, em Pau da Lima, a 15 quilômetros de São Cristóvão, bairro também com saneamento precário, revelou que pessoas residentes a menos de 20 metros de esgotos abertos e em áreas propensas a alagamentos, nos fundos dos vales, tinham uma chance de infecção 42% maior do que pessoas que moravam a mais de 20 metros dos esgotos. Mostrou ainda que residir a menos de 20 metros de um acúmulo de lixo aumentava a chance de infecção em 43%. Outra revelação importante foi que o risco de infecção diminuía em 11% para cada acréscimo de US$ 1 na renda familiar diária per capita.

Para o geógrafo e o doutor em Biotecnologia em Saúde e Medicina Investigativa pela Fiocruz, Renato Reis, que também participou da pesquisa, é urgente que esses estudos se transformem em elementos para subsidiar políticas públicas. “A pesquisa precisa extrapolar a universidade, ir para o cotidiano das pessoas. Eu enxergo que existem alguns erros no processo por parte dos pesquisadores também. Eles fazem a pesquisa que se transforma em um título acadêmico, se transforma em artigo que é publicado em uma revista boa, em inglês. Isso vai servir para uma discussão acadêmica. Para que importa para uma pessoa que está na Inglaterra saber que, aqui no bairro do Pau da Lima, quem mora a 20 metros de esgoto acaba tendo mais leptospirose do quem mora além dessa distância? Esses resultados precisam chegar ao agente de endemias que atua nessas áreas. Mas a maioria deles não lê inglês e não tem acesso a essas revistas”, acentua.

Enquanto os adultos discutem, analisam, lutam, reclamam, prometem, cobram, as crianças em áreas com risco de desastres continuam vulneráveis, privadas até mesmo de direitos básicos fundamentais, entre eles o de brincar. Para a educadora e cineasta Renata Meirelles, o contexto no qual a criança vive reflete muito na brincadeira. “A criança, quando brinca, acessa quem ela é. Limitando a brincadeira, ela terá menos acesso a si mesma. Há um descaso em relação à infância em vários setores. O que diz a Constituição deveria servir para que todas as leis levassem em consideração a qualidade de vida da criança, mas não é isso que acontece”, pontua a diretora do filme “Território do Brincar”.

Com apenas três funcionários e estrutura precária, o Ceca (Conselho Estadual da Criança e do Adolescente) não se envolve nos problemas ligados à moradia. “O Ceca precisaria participar dessas questões. Se tivéssemos a Secretaria da Criança e do Adolescente, poderíamos acompanhar melhor a política de moradia, o que permitiria a articulação de todos os atores. Nossa atuação é limitada por falta de condições”, justifica o presidente do Ceca, Edmundo Kroger.

De um lado, meninos e meninas aprendem e reproduzem desde cedo que precisam se proteger da chuva, como se o problema estivesse no fenômeno natural. Do outro, as esferas governamentais, tentam explicar os desastres por meio de justificativas que incluem a chuva acima do esperado e, principalmente, a ocupação irregular e desordenada do solo.

Veja a reportagem completa no site da Agência Pública.

*Os nomes foram trocados por questões de segurança