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Produtores rurais de Minas perdem renda e animais por causa da onda de lama

Gustavo Maia e Marcela Sevilla

Do UOL, em Galileia (MG)

19/11/2015 06h00

A enxurrada de lama de rejeitos de minério que invadiu o rio Doce atingiu em cheio os produtores rurais de cidades cortadas pelas suas águas em Minas Gerais. Pequenos agricultores e pecuaristas de 13 municípios foram diretamente afetados pela tragédia de Mariana (MG). 

Ainda não há um cálculo do prejuízo, mas quem antes dependia do leito para matar a sede de animais, fazer a irrigação de plantações ou até para o consumo de água, hoje se vê às margens de um rio inutilizável e perigoso.

Assustado com a poluição das águas que beiram sua fazenda, no município de Galileia, no Vale do Rio Doce, o agricultor Bruno Cardoso, 23, se desfez de 25 vacas na semana passada. O dinheiro da venda ajudou a pagar R$ 20 mil pelo poço artesiano que mandou construir no local.

Mas este não foi o único gasto decorrente do desastre ambiental, o maior da história do Estado. Para evitar que as cinco vacas que restaram bebessem a água enlameada, construiu uma cerca a poucos metros da margem do rio. "A gente nota que o mau cheiro dos peixes mortos já está afastando eles", conta.

"Eu ouvi falar que a lama poderia matar o gado e resolvi levantar a cerca. Já que ninguém veio aqui nos dar uma assistência para os pequenos produtores rurais, nós mesmos estamos tomando as nossas providências", conta Bruno, que está cedendo água do poço para agricultores vizinhos e também para alguns moradores da área urbana da cidade. "O problema é que agora não tenho mais renda, porque vivo do leite (produzido pelas vacas)", afirma.

O trabalhador rural criticou a falta de ajuda da Samarco -- empresa responsável pelas barragens rompidas em Mariana, no último dia 5 -- a quem mora na zona rural dos municípios afetados. "Tudo bem que esteja chegando água nas cidades, mas eles esqueceram que existem outros seres humanos às margens do rio Doce. E o pessoal aqui depende de um pouquinho. Todo mundo luta para poder sobreviver", declara.

A diretora regional da Fetaemg (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado) no Vale do Rio Doce, Juliana de Souza Matias, compartilha da crítica à Samarco. "O olhar deles só está voltado para o meio urbano", declara.

De acordo com a diretora, há relatos de danos a produtores rurais em pelo menos 13 cidades da região mineira: Bugre, Belo Oriente, Naque, Periquito, Governador Valadares, Alpercata, Tumiritinga, Galileia, Conselheiro Pena, Goiabeira, Itueta, Resplendor e Aimorés. Segundo ela, sindicatos municipais estão contabilizando os prejuízos de seus associados. O total será divulgado na próxima semana.

Criador de vacas, o agricultor Jorge Idelfonso dos Santos, 67, se diz "desorientado e muito desanimado com a vida". "Eu perdi a esperança das coisas. Ninguém sabe quando a gente vai ter água de novo. O prejuízo é grande porque, se não tiver como aguar as terras, o capim não cresce e os animais não vão ter o que comer", desabafa. Pessimista, o produtor rural diz que a tendência é piorar.

Para Edmilson Gusmão, 42, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Galileia, a população urbana também vai ser afetada pela crise que afeta os trabalhadores da zona rural. "Leite, verduras, legumes, tudo isso vem da agricultura", diz o dirigente sindical. Ele lembrou ainda que, em períodos de seca como o vivido na região nos últimos três anos, quem sempre "acudiu" os produtores rurais foi o rio Doce. "É um terror bem grande para nós ficar sem ele", declara.

Sem previsão de retorno

O engenheiro agrônomo Geraldo Rios, funcionário da Emater-MG (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado) que atua em Galileia, contou que tem sido muito procurado por produtores rurais preocupados. "Nós temos orientado eles a não utilizar a água do rio de nenhuma forma porque a gente não sabe exatamente o que esses rejeitos podem causar", conta.

Segundo Rios, os agricultores dependem agora da ajuda do governo e da Samarco. "Essa catástrofe ambiental destruiu praticamente toda a fauna do rio Doce", comentou. A volta do uso da água do manancial, segundo ele, depende de análises laboratoriais do material. "Mas não tem previsão de retorno", conclui.