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Primeiro réu da Kiss a depor, cantor culpa colega e pede perdão por mortes

Flávio Ilha

Colaboração para o UOL, em Porto Alegre

24/11/2015 18h35

A Justiça do Rio Grande do Sul iniciou nesta terça-feira (24) em Santa Maria (293 km de Porto Alegre) a última fase de instrução do processo criminal que irá julgar os quatro réus acusados de homicídio qualificado na tragédia da boate Kiss, que incendiou na madrugada de 27 de janeiro de 2013 e causou a morte de 242 pessoas, além de ferimentos e sequelas em mais de 600.

O primeiro réu a ser interrogado foi o então vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos. Segundo o inquérito policial, foi ele quem segurou o sinalizador que deu início ao incêndio. O músico, que mora em Santa Maria, reforçou a tese defendida durante a investigação de que apenas cumpriu um roteiro estabelecido pelos donos da boate.

Segundo a defesa de Santos, o vocalista da banda apenas recebia os fogos de artifício que faziam parte do roteiro prévio dos shows – a pirotecnia era considerada uma atração à parte nas apresentações da Gurizada Fandangueira. Quem decidia sobre a sua utilização eram o dono da banda, o gaiteiro Danilo Jaques, que morreu no incêndio, e o empresário Elissandro Spohr, o Kiko, sócio da Kiss.

No interrogatório, Santos reafirmou que recebeu o sinalizador na madrugada de 27 de janeiro já aceso do produtor Luciano Bonilha Leão, que depõe nesta quarta-feira (25), e que nunca teve instrução sobre a utilização dos fogos ou um eventual combate a incêndio. Além disso, afirmou que direcionou o jato para o lado – e não para cima.

De acordo com o interrogatório, era Spohr quem autorizava o uso dos fogos na casa noturna. “O Kiko estava sempre na boate, ele via tudo. O Mauro [Hoffmann, outro sócio da Kiss] só vi uma vez lá dentro”, depôs.

Na fase do inquérito, Santos afirmou que a Kiss estava superlotada na madrugada do incêndio e que Elisandro Spohr nunca fez comentários para que fosse feito “uso moderado” dos efeitos pirotécnicos, devido ao risco. O réu afirmou também que havia fogos de artifício colados em garrafas de espumante.

Ouvido pelo juiz Ulisses Louzada e também questionado pela promotoria, o réu também se defendeu das acusações de que não ajudou as vítimas do incêndio. “Quando vimos que o fogo estava fora de controle, me deram o extintor e achei que ia funcionar. Mas eu desmaiei perto do palco e acordei na rua”, disse. Santos declarou que entendia “a dor de todo mundo” e que, por isso, gostaria de “pedir perdão” pelas mortes.

O presidente da Associação das Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, Sérgio da Silva, se disse decepcionado com o depoimento. “Estamos desacreditados na Justiça. Ele veio aqui e disse as mesmas coisas que 70, 80 testemunhas já disseram. Não houve contundência da acusação”, criticou.

O próximo réu a depor, nesta quarta-feira (25), é o produtor da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Bonilha Leão. Na próxima terça-feira (1) é a vez de Elissandro Spohr e, na quarta (2), de Mauro Hoffmann – ele vai depor no Fórum de Porto Alegre porque tem endereço fixo na capital.

Os quatro réus são acusados de homicídio qualificado por motivo torpe (obtenção de lucro) e emprego de fogo, asfixia ou outro meio cruel que resultou em perigo comum – 242 vezes consumado e 636 vezes tentado, com dolo eventual, ou seja, os acusados não tinham a intenção de matar, mas assumiram o risco de causar a morte das vítimas.

Os principais fatores que contribuíram para a tragédia, segundo a polícia, foram o material empregado para isolamento acústico (espuma irregular e inflamável), uso de sinalizador em ambiente fechado, saída única, indício de superlotação e falhas nos extintores de incêndio.