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"Estamos sendo tratados como feras selvagens", diz preso de Pedrinhas (MA)

Em Pedrinhas (MA), superlotação e sujeira

UOL Notícias

Flávio Costa

Do UOL, em São Paulo

01/03/2016 17h19Atualizada em 02/03/2016 18h07

"A gente sabe que está aqui porque estamos pagando pelos nossos erros, mas também somos seres humanos e estamos sendo tratados como feras selvagens", afirma um dos detentos do Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís (MA). Em vídeos divulgados nesta terça-feira (1º) pela entidade de direitos humanos Conectas, presos afirmam que são vítimas de torturas praticadas por agentes penitenciários e policiais militares e reclamam da falta de assistência jurídica e das precárias condições de higiene da penitenciária.

Os depoimentos dos presos integram o relatório "Violação Continuada: Dois Anos da Crise em Pedrinhas", resultado de seis inspeções realizadas nos últimos dois anos por membros da Conectas, da OAB-MA, e das ONGs Justiça Global e SMDH (Sociedade Maranhense de Direitos Humanos). "A comida já chega aqui azeda. Não consigo suportar nem o cheiro dessa comida. Está todo mundo aqui morrendo de fome e desnutrido", afirma outro preso. Todos os detentos tiveram sua identidade preservada. 

Eles reclamam também da falta de material de higiene, mostram bloqueios que fazem para evitar os ratos e baratas nas celas e a falta de tratamento médico básico.

Outro detento reclama de "seguidas torturas" cometidas por carcereiros e policiais militares: "eles jogam bomba aqui dentro da cela. Não tem oxigênio para sair para lugar nenhum. Aí a gente fica aqui, pedindo socorro. Quanto mais a gente grita, mais eles jogam". Para a advogada e diretora da Justiça Global, Sandra Carvalho, os presos sofrem tortura física e também psicológica. "As violações de direitos humanos são recorrentes não apenas em Pedrinhas, mas em todo o sistema penitenciário do país", diz.

Pedrinhas - João Paulo Brito/Conectas - João Paulo Brito/Conectas
Relator da ONU considerou "explosiva" situação de Pedrinhas (MA)
Imagem: João Paulo Brito/Conectas
 
As denúncias confirmam o teor do documento da ONU, que será apresentado no dia 8 ao Conselho de Direitos Humanos, em Genebra (Suíça), pelo relator especial sobre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, Juan Méndez. Ele classificou de "explosiva" a situação de Pedrinhas. "As unidades são superlotadas e segurança é mal aplicada. Os presos são mantidos em suas celas coletivas durante 22 ou 23 horas por dia. Visitas familiares acontecem em condições humilhantes. Alimentos e serviços médicos são extremamente inadequados", diz o texto de Méndez, a cujo conteúdo o UOL teve acesso. 
 

Penitenciária é controlada por três facções

Pedrinhas abriga mais de 3.000 presos, onde só deveriam estar 1.945 - uma superlotação de 55%. O critério para alocar os presos nas oito unidades penitenciárias é o de pertencimento às facções criminosas do Estado: PCM (Primeiro Comando do Maranhão), Bonde dos 40 e Anjos da Morte. O governo do Maranhão tomou essa atitude após a onda de violência que resultou na morte de 79 presos entre 2013 e 2014. No ano passado, quatro presos foram assassinados no complexo penitenciário.
 
"Assim que entram na penitenciária os presos têm, forçosamente, que escolher de qual facção irão fazer parte, mesmo que nunca tenha pertencido a qualquer quadrilha. O que foi uma atitude necessária em um primeiro momento tornou-se um agravante da situação e favorece o recrutamento pelas facções", diz o presidente do conselho diretor da SMDH, Wagner Cabral.
 
Do total de detidos em Pedrinhas, 66,4% são provisórios: 25 pontos percentuais acima da média nacional: 41%. "São apenas 12 defensores públicos para atender mais de 3.000 pessoas. Muitos afirmam nunca terem visto um defensor, um promotor ou um juiz. O que é um flagrante desrespeito à Lei de Execuções Penais", afirma a diretora-executiva da Conectas, Jéssica Morris.
 
Outra reclamação constante dos presos, além da qualidade da comida servida, é a falta de assistência médica e a presença de remédios vencidos. As inspeções realizadas pelas entidades nunca encontraram um médico a serviço no presídio. Membros da Corte Interamericana de Direitos Humanos inspecionarão o complexo penitenciário ainda no primeiro semestre de 2016, afirmam os autores do relatório.
 
Dentre as recomendações do relatório, estão a reforma imediata de Pedrinhas, a investigação dos casos de fugas, rebeliões e corrupção e de mortes no sistema penitenciário maranhense, além do fortalecimento da Defensoria Pública.
 
O UOL entrou em contato com a Secretaria de Justiça e Administração Penitenciária do Maranhão para obter um pronunciamento sobre as condições penitenciárias, mas o órgão só se pronunciou nesta quarta-feira (2).
 
Em nota oficial, informou que o governo do Maranhão alcançou, em 14 meses de gestão, os seguintes resultados nunca antes registrados em toda a história do sistema prisional maranhense:
 
- Em números reais, a gestão fechou o primeiro ano de governo com uma expressiva diminuição no número de homicídios (-76,47%) e fugas (-72,16%), no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, ao cumprir, entre outras providências, a separação de presos em prol de sua integridade física, conforme reza o art. 84 da LEP;
 
- Inseriu pelo menos 1.417 internos em cursos e/ou oficinas de preparação para o mercado de trabalho; fechou parcerias com empresas públicas e privadas para garantir a estes contratações formais, após o cumprimento de pena; e transformou o Complexo de Pedrinhas em um canteiro de obras, a começar pela sua revitalização;
 
- Já concluiu mais de 50% do cronograma de obras de reforma, ampliação, e construção de novas unidades prisionais, no interior do Estado. Até o momento já foram abertas 924 novas vagas no sistema prisional maranhense, com a entrega dos presídios de Balsas, Açailândia, Imperatriz e Pinheiro; e outras 880 serão entregues em 2016;
 
- A conclusão das referidas obras, assim como as demais providências já consolidadas e/ou em andamento, fazem parte do Termo de Compromisso firmado, em junho de 2015, entre o governador Flávio Dino e o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Enrique Ricardo Lewandowski, para o fim da superlotação;
 
- Regulamentou a entrada de alimentos nos presídios, antes trazidos in natura pelos familiares, passando a oferecer quatro refeições balanceadas, por dia (café da manhã, almoço, lanche da tarde e jantar); kits de higiene pessoal, com até nove itens, a cada 20 dias; fardamentos a cada dois meses; e colchões a cada seis meses; e
 
- Que acompanha todas as denúncias de supostos maus-tratos, dentro do sistema carcerário, junto à Corregedoria e a Ouvidoria do Sistema Penitenciário do Maranhão, respeitando os prazos legais exigidos por estes órgãos públicos, e pela polícia judiciária, no curso dos inquéritos instaurados na Secretaria de Segurança Pública".