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Por que a corrupção é tão tolerada?

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

25/04/2016 06h00

Apesar da indignação generalizada que a corrupção provoca, ela mexe com desejos presentes em qualquer pessoa e é muito mais tolerada por nós do que gostaríamos de imaginar, dizem especialistas em psicologia e psiquiatria que estudam esse fenômeno social.

“Todos nós tivemos de nos conformar com o fato de que não podemos ter/ser tudo, mas a verdade é que esse desejo não desaparece nunca”, diz a psicanalista Marion Minerbo, da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. “Se alguém, ou um grupo de pessoas, sinaliza que você é melhor do que os outros e, portanto, tem mais direitos do que os outros, o desejo que estava adormecido pode ser acordado.”

Há uma grande diferença entre saber intelectualmente que fez algo errado e sentir emocionalmente que fez algo errado

Marion Minerbo

Uma certa normalização da conduta corrupta também empurra esta vontade adiante. Para Marion, isso acontece com a desqualificação da lei e a institucionalização da corrupção como modo de vida.

“O desejo de ser/ter tudo que foi acordado pode ser satisfeito sem medo das consequências”, diz.

“Se todos fazem, por que não posso fazer?”

Já para o psiquiatra Fernando Portela, da Associação Brasileira de Psiquiatria, esta aceitação da corrupção como algo que não é problemático pode vir por meio da ação em grupo.

“Quando esse indivíduo (corrupto) tem outros juntos com ele, e essas pessoas estão compactuando entre si, a culpa que este tipo de atitude gera num indivíduo é mitigada. Porque estão fazendo aqui, eu também posso. Então o indivíduo se sente mais livre, à vontade”, afirma.

Quando você se envolve com corrupção, você fala ‘isso é só como as coisas são’

Dan Ariely

Segundo o psicólogo Dan Ariely, da Universidade Duke, autor de pesquisas sobre desonestidade, a motivação para a corrupção vem da crença de que “todas as outras pessoas estão sendo corruptas” e da aceitação deste comportamento como “a forma como as coisas são feitas”.

“Se você for a um restaurante e sair sem pagar a conta, você vai se sentir mal com isso. Mas, quando você se envolve com corrupção, você fala ‘isso é só como as coisas são’. A corrupção é muito corrosiva, muito perigosa”, diz.

Mesmo em casos em que a pessoa corrupta é punida ou exposta publicamente, não há garantia de que ela vá sentir qualquer constrangimento.

“Para alguém se constranger e se envergonhar, é preciso que sinta que fez algo errado. Veja bem: há uma grande diferença entre saber intelectualmente que fez algo errado e sentir emocionalmente que fez algo errado. As pessoas que não sentem que estão erradas simplesmente não se constrangem. E, quando se sentem vítimas de injustiça, sentem ódio, em vez de vergonha”, diz a psicanalista Marion Minerbo.

Segundo Ariely, a única forma de cortar a motivação para a corrupção é adotar uma mudança coletiva.

“O problema da corrupção é que, se todos estão fazendo e se esse é o jeito de fazer as coisas, por que eu não posso fazer? Então, para bloquear a corrupção, seria necessário que todos nós concordássemos em mudar as coisas ao mesmo tempo. Se não for assim, não vai dar certo”, afirma.