Queda em ranking de direitos da criança traduz realidade do Brasil, diz Abrinq
O declínio do Brasil no índice de 2016 do KidsRights --ranking que avalia a situação dos países quanto aos direitos de crianças e adolescentes-- traduz uma "realidade crítica" e que "faz todo sentido", na avaliação da administradora-executiva da Fundação Abrinq, Heloisa Oliveira.
Os dados, divulgados nesta segunda-feira (13), revelam que o Brasil despencou da 43ª para a 107ª posição, ficando atrás de vizinhos como Argentina (33º), Chile (29º) e Colômbia (60º) e de outras nações latino-americanas como Panamá (104º) e Guatemala (97º). A pesquisa avalia dados sobre jovens de até 18 anos.
"Acho ótimo que esse relatório tenha saído. Ele vem em um momento muito importante. (...) Apesar de os números serem muito ruins, eles traduzem a realidade", disse. "É uma realidade dura que estamos vivendo por conta desse ambiente desfavorável à garantia de direitos de crianças e adolescentes. A realidade é crítica."
A queda de 64 posições na comparação com o ranking do ano passado é puxada pelo indicador que mede o "ambiente favorável aos direitos da criança" ("Child rights environment"), cujos dados são coletados no documento que contém as observações finais do CRC (Comitê da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança) para o Brasil. Esse relatório com as conclusões da ONU --a partir da análise de um dossiê encaminhado pelo governo brasileiro-- foi divulgado em 2015.
Os principais problemas relatados pelo CRC no relatório de 2015 incluem discriminação estrutural contra crianças indígenas e afrodescendentes, portadoras de deficiência, lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais; e crianças vivendo na rua, em áreas rurais e remotas e em áreas urbanas marginalizadas, incluindo favelas. O comitê também manifestou preocupação em relação ao grande número de ameaças de morte, ataques físicos, desaparecimentos e mortes entre jornalistas e ativistas de direitos infantis e humanos.
Heloísa apontou circunstâncias que possivelmente influenciaram o resultado negativo, tais como a possibilidade de "retrocessos" na legislação protetiva, além do crescimento da violência contra crianças e adolescentes, sobretudo jovens negros e pobres, e o pouco incentivo à participação social.
"Não há, no Brasil, políticas que incentivem a participação da criança e do adolescente. Pelo contrário. Quando as crianças e adolescentes se mobilizam, como na ocupação de escolas, eles acabam sendo tratados como marginais. A gente sabe como as polícias dos diferentes Estados estão tratando esses jovens", declarou.
"A legislação protetiva está ameaçada. Um dos dois grandes retrocessos seria a redução da idade do trabalho para 14 anos, independentemente das condições aplicadas. Hoje, se o adolescente estiver, aos 14 anos, no processo de aprendizagem associado ao educacional, a lei brasileira abre uma exceção e permite o trabalho. Mas há uma proposta, que conta com grande adesão parlamentar, para que a idade de trabalho seja efetivamente reduzida para 14 anos", disse. "O segundo retrocesso seria a redução da maioridade penal", completou.
Para a líder da Fundação Abrinq, a nota baixa do Brasil no quesito "ausência de discriminação" está relacionada com a questão do aumento da violência. "Houve um evidente crescimento da violência contra a criança e o adolescente. O número de homicídios é compatível com uma situação de conflito armado. (...) Essa ideia de discriminação tem a ver com o fato de que grande parte das vítimas é formada por negros e pobres", explicou.
Casos recentes
Nos últimos meses, alguns casos envolvendo crianças e adolescentes provocaram grande repercussão na sociedade, como a morte de um menino de apenas dez anos que havia furtado um carro na zona sul de São Paulo, em 2 de junho. A vítima, que estava na companhia de outra criança, de 11 anos, foi perseguida por policiais militares após o crime. Houve troca de tiros, e o garoto foi atingido na cabeça. Na última sexta-feira (10), reportagem do jornal "Folha de S.Paulo" mostrou que PMs alteraram a cena do crime, segundo peritos responsáveis pela investigação.
No Rio, uma adolescente de 16 anos foi vítima de um estupro coletivo na favela da Barão, na comunidade da Praça Seca, em Jacarepaguá, zona oeste da capital fluminense. A polícia apura quantas pessoas participaram do crime --até agora, oito foram identificados e três deles estão presos. Segundo relato da jovem e detalhes da investigação, o abuso sexual pode ter sido cometido por mais de 30 homens. Além disso, em seu primeiro depoimento à polícia, a jovem relatou ter sido desrespeitada pelo delegado que lavrou a ocorrência, Alessandro Thiers, posteriormente afastado da DRCI (Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática).
Outros países
No quadro geral, a Noruega ocupa o primeiro lugar pelo segundo ano consecutivo. Em seguida, estão Portugal, Islândia, Espanha, Suíça, Eslováquia, Irlanda, França, Finlândia e Tunísia. Os piores resultados foram apresentados por: Guiné, Angola, Lesoto, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau, Papua-Nova Guiné, Chade, Afeganistão, República Centro-Africana e Vanuatu.
1º - Noruega (0,98)
2º - Portugal (0,96)
3º - Islândia (0,95)
4º - Espanha (0,95)
5º - Suíça (0,94)
6º - Eslováquia (0,93)
7º - Irlanda (0,93)
8º - França (0,93)
19º - Cuba (0,88)
29º - Chile (0,87)
33º - Argentina (0,86)
36º - Uruguai (0,85)
50º - Equador (0,83)
107º - Brasil (0,68)
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