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Repórter diz que PM tomou celular e apagou vídeos de ação na cracolândia

Polícia durante operação contra o tráfico de drogas na região da cracolândia - Marivaldo Oliveira/Código 19/Estadão Conteúdo
Polícia durante operação contra o tráfico de drogas na região da cracolândia Imagem: Marivaldo Oliveira/Código 19/Estadão Conteúdo

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

05/08/2016 12h03Atualizada em 05/08/2016 17h14

Uma jornalista que cobria a ação das Polícias Civil e Militar contra o tráfico de drogas na região da Cracolândia, no centro de São Paulo, nesta sexta-feira (5), afirmou que teve vídeos apagados por policiais militares do celular que ela usava para registrar a operação.

As polícias realizam a operação desde o início da manhã com a participação de 500 policiais civis e militares. Ao todo, são cumpridos 19 mandados de prisão. Entre os alvos estão lideranças do MTST (Movimento Sem-Teto de São Paulo) que, segundo investigação do Denarc (departamento de narcóticos), coordenavam a venda de crack e maconha, respectivamente, na cracolândia e na Galeria do Rock, também no centro.

A repórter da rádio CBN Daniella Laso contou que registrava a operação no cruzamento da avenida Rio Branco com a rua Helvétia de um carro com as identificações de imprensa. De acordo com a profissional, tanto ela quanto o motorista Carlos José da Silva estavam identificados também com os crachás funcionais.

"Nesse momento, um policial abriu a porta do carro e puxou o motorista [da rádio]. Outro policial abriu minha porta e pegou o meu celular. Peguei de volta e disse que não poderia entregar, eu estava trabalhando. Ele ficou muito nervoso, disse que iria me algemar, me jogar no chão e me retirar do carro para fazer abordagem", disse a jornalista.

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"Saí do carro, e uma PM revistou a minha bolsa. Aí sim, ela pegou o celular da empresa e levou para outros policiais, enquanto revistaram o carro, o motorista e a mochila dele, assim como a mim.”

Segundo a jornalista, os policiais chegaram a dizer que eles seriam levados a uma delegacia para responder por crime de desobediência, mas, cerca de meia hora depois da abordagem, foram liberados. Nesse momento, relatou a jornalista, ela teve o celular devolvido.

"Entregaram meu celular e, quando fui ver as gravações [da ação policial], elas foram apagadas. Fiquei muito assustada pela atuação do policial e não sei por que as gravações foram apagadas --se era uma operação legal, o vídeo [que a registrava] não deveria ter sido apagado”, declarou.

Ao UOL, a jornalista afirmou que registrou boletim de ocorrência por abuso de autoridade no 77º Distrito Policial.

Por meio de nota, a SSP (Secretaria de Segurança Pública do Estado) informou que vai apurar "todas as circunstâncias da abordagem policial" tanto pela Polícia Civil quanto pela Corregedoria da Polícia Militar. A pasta sugeriu que o carro do veículo de imprensa estaria sem identificação -- ao contrário do que afirmou a jornalista -- e teria feito manobra proibida e sem obedecer à "ordem legal de parada dos policiais".

"A Polícia Militar é a maior interessada na elucidação dos fatos e na responsabilização dos policiais que tenham cometido erros. A SSP afirma que tem o maior respeito pelo trabalho dos jornalistas e defende a absoluta liberdade de atuação dos profissionais da imprensa", encerrou a nota, que não informou nem os nomes, nem a situação de trabalho atual dos PMs suspeitos de abuso de autoridade.

Abraji compara ação a "regimes autoritários"; sindicato menciona "censura"

Em nota, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) repudiou a ação da PM em relação à equipe de reportagem da CBN. "A Abraji repudia a ação da Polícia Militar de São Paulo, que demonstra desprezo à liberdade de imprensa e ao direito à informação. Espera que os responsáveis sejam identificados pela Secretaria de Estado de Segurança Pública e punidos pela corporação. Apreender o equipamento de uma profissional de imprensa e destruir seu trabalho é procedimento típico de regimes autoritários, um ataque à democracia que não pode ser tolerado”, diz a entidade.

Também por nota, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo informou que "repudia veementemente a ação da Polícia Militar e espera que os responsáveis sejam punidos, o que não vem ocorrendo nos casos de violência policial contra jornalistas".

"Para o sindicato, além da violência contra a jornalista por obrigá-la a entregar um celular que é instrumento de trabalho, ao apagar os conteúdos registrados pela repórter, a PM expressa clara censura e cerceamento da liberdade profissional e de imprensa", diz o comunicado.