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Promessa de Doria, Corujão da Saúde não ataca motivo da fila, criticam médicos

Lucas Lima/UOL
Imagem: Lucas Lima/UOL

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

14/10/2016 10h00

O programa Corujão da Saúde, prometido pelo prefeito eleito João Doria (PSDB) durante a campanha, pode reduzir a fila por exames no sistema público de saúde da cidade de São Paulo, mas não deve eliminá-la porque não combate as raízes do problema, segundo médicos e pesquisadores ouvidos pelo UOL.

De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde, havia em setembro 417.224 pacientes à espera de realização de exames na rede municipal. O sistema público estaria pressionado porque cerca de 600 mil moradores da cidade teriam deixado planos de saúde privados por causa da crise econômica.

No Estado de São Paulo, de acordo com levantamento feito pelo site “Fiquem Sabendo”, o número de pessoas que só podem contar com o SUS (Sistema Único de Saúde) saltou de 23,9 milhões para 25 milhões nos últimos dois anos.

A prefeitura teria outra dificuldade: verba insuficiente para pagar equipes para trabalhar à noite nas unidades de sua própria rede.

Durante a campanha eleitoral, Doria prometeu zerar a fila em um ano. Segundo o tucano, com o Corujão, a prefeitura contrataria hospitais privados para que os usuários do SUS pudessem fazer exames à noite, na madrugada e no começo da manhã, no período das 20h às 8h.

Depois, o prefeito eleito passou a dizer que parte dos exames poderá ser feita em hospitais públicos da rede estadual, com a qual promete realizar uma integração.

Emergencial e temporário

O Corujão é tratado pela equipe de Doria como programa emergencial e temporário. A promessa não consta do programa de governo do tucano disponível na página do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Muitos aspectos estão indefinidos. A assessoria de Doria informou, por exemplo, que “não foram individualizados os hospitais a serem contratados”.

Durante a campanha, o programa suscitou críticas. O ex-governador Alberto Goldman, vice-presidente nacional do próprio PSDB, afirmou que o Corujão é uma “fantasia”. Também surgiram questionamentos a respeito da oferta de transporte e da segurança para os pacientes realizarem exames à noite ou na madrugada.

Para contornar esses problemas, a equipe de Doria fala agora em priorizar o agendamento de exames em dois períodos: das 20h à meia-noite e das 6h às 8h. Além disso, quer contratar hospitais em todas as regiões da cidade para tentar evitar que moradores das periferias sejam obrigados a fazer grandes deslocamentos até o local do exame.

“Com a regionalização pretendida e prioridade de exames em horários mais adequados, poderemos reduzir em muito os problemas adicionais de segurança. Nesses horários, não deverão ocorrer problemas maiores de transporte”, diz a nota enviada pela assessoria do tucano.

“Na indisponibilidade de transportes coletivos, eles poderão ser complementados pela municipalidade, prefeituras regionais e unidades de saúde que solicitaram os exames”, acrescenta.

A assessoria do tucano informou nesta quinta-feira (13) que o custo do programa é estimado em R$ 30 milhões. Um dia depois da vitória no primeiro turno, Doria havia citado um valor maior. “Os hospitais têm que ser renumerados. Serão custos negociados, e a avaliação inicial é que o investimento nessa área será de R$ 100 milhões”, afirmou à época. De acordo com ele, a verba sairia do orçamento destinado à saúde.

Eder Gatti, presidente do Simesp (Sindicato dos Médicos de São Paulo), frisa que promover a realização de exames à noite implica custos maiores com as contas de luz e com o pagamento de horas extras e adicional noturno.

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“Fila pode voltar”

Mário Scheffer, professor do departamento de medicina preventiva da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), lembra que a ideia de aproveitar a estrutura dos hospitais privados em horários ociosos não é nova, já foi cogitada por planos de saúde e não se mostrou viável.

O pesquisador reconhece que a espera de meses para fazer um exame é “inadmissível”, mas diz que o Corujão não irá combater as causas da fila. “O programa é um paliativo. Se não atacar o que gera a fila, ela vai voltar”. Ele aponta duas razões principais para o crescimento da fila: falhas na atenção básica de saúde e falta de médicos especialistas na rede municipal.

Segundo Scheffer, as falhas na atenção básica geram, por exemplo, pedidos desnecessários de exame. “Tem que ter uma política de melhoria da atenção primária e tem que trazer médico para a rede pública. Senão, [o Corujão] vai enxugar gelo.”

Gatti segue a mesma linha de raciocínio. “Se a atenção primária funcionasse plenamente, a demanda por especialistas e exames seria muito menor. Seria mais bem-vinda a restruturação da atenção primária. Vencer a fila [de exames] é mais caro e dificilmente ela [a prefeitura] dará conta [de vencer].”

Os aspectos destacados por ambos são mencionados no programa de governo do tucano, mas sem detalhamento. No documento, Doria promete “reforçar o atendimento primário à saúde pelo preenchimento das vagas existentes nas equipes do Programa de Saúde da Família e das Unidades Básicas de Saúde, requalificando e valorizando os profissionais”.

Scheffer lembra que a gestão Fernando Haddad (PT) aprovou quase 800 médicos em concurso neste ano. O tucano promete contratá-los.

Quantidade x qualidade

Áquilas Mendes, professor de economia da saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP e do departamento de economia e do programa de pós-graduação de Economia Política da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), critica a proposta do Corujão porque, em sua avaliação, ela reforça “o processo de privatização da saúde que já vem ocorrendo na cidade de São Paulo há vários anos com o crescimento de unidades de saúde contratadas por meio de organizações sociais”.

Na administração terceirizada, diz ele, a “prioridade do atendimento é quantitativa, para responder a metas quantitativas, próprias do interesse do mercado”, o que resultaria em falhas na atenção básica de saúde. “Há que se discutir a qualidade do padrão de atendimento do SUS São Paulo e não apenas pensar na quantidade”.

Segundo Mendes, o orçamento da saúde cresceu nos últimos anos em São Paulo por causa do aumento de verbas da própria prefeitura e da elevação dos repasses federais. No momento em que o governo federal tenta aprovar a Proposta de Emenda Constitucional 241, que impõe um teto aos gastos públicos nos próximos 20 anos, o professor diz que é necessário pleitear mais investimentos na saúde pública. “A defesa da ampliação do financiamento da saúde federal é fundamental para poder aprimorar as ações e serviços públicos de saúde da maior cidade brasileira.”

Quanto à intenção de Doria de firmar parceria com o governo estadual na saúde, o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo considera o gesto positivo, mas não demonstra otimismo com os prováveis resultados. “Os hospitais estaduais têm leitos fechados, investimento escasso e falta de médicos. A rede estadual está mal das pernas.”

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