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Entre movimentos sociais e políticos, dom Paulo é sepultado em São Paulo

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Da esq. para a dir.: o prefeito eleito João Doria; o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito Fernando Haddad acompanham velório de dom Paulo
Imagem: Fabio Braga/Folhapress

Bernardo Barbosa

Do UOL, em São Paulo

16/12/2016 17h09Atualizada em 16/12/2016 21h20

Com a Catedral da Sé lotada e sob aplausos, o corpo do cardeal dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo, foi sepultado nesta sexta-feira (16) sob o olhar de autoridades da política e do clero, além de centenas de fiéis. O religioso morreu na última quarta-feira (14), aos 95 anos.

O caixão foi fechado por volta das 14h30 e levado ao altar. Logo depois, foi realizada uma missa de duas horas de duração, encerrada com a condução do corpo à cripta da catedral. A imprensa e o público não puderam acompanhar o sepultamento. A cripta foi aberta ao público logo depois, e o acesso ficaria livre até as 20h desta sexta. Nos próximos dias, poderá ser visitada das 9h às 12h e das 13h30 às 16h30. 

O público da despedida a dom Paulo foi, de certa forma, um resumo de sua trajetória. Enquanto do lado de fora da Sé movimentos sociais davam seu adeus em forma de protesto na escadaria da catedral, passavam ao lado do corpo do arcebispo emérito políticos de diferentes campos, assim como alguns dos principais nomes da Igreja Católica no Brasil.

pastoral do povo - Newton Menezes/Estadão Conteúdo - Newton Menezes/Estadão Conteúdo
Pastoral do Povo de Rua estende faixa durante velório na Catedral da Sé
Imagem: Newton Menezes/Estadão Conteúdo

A missa foi aberta pelo cardeal arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, e conduzida por diversos integrantes do clero. O cônego Antônio Aparecido Pereira foi muito aplaudido ao lembrar a trajetória de dom Paulo, com destaque para a atenção aos pobres e a luta contra as atrocidades da ditadura militar. Ao encerrar sua fala com o bordão de dom Paulo, "coragem, esperança!", foi ovacionado.

Padres e fiéis se uniram para gritar o nome do arcebispo emérito. Uma cena que, a princípio, caberia mais a uma torcida de futebol. Mas dom Paulo era torcedor fanático do Corinthians, cuja bandeira estava postada logo abaixo do altar.

O ato contou com militantes de movimentos como a Frente Brasil Popular e a União Nacional da Moradia Popular, além de integrantes de pastorais.

Militante desde a década de 80, Evaniza Rodrigues, da União Nacional da Moradia Popular, relembrou o apoio de dom Paulo à causa em 1996, quando a ONU debatia se moradia era ou não um direito humano.

"No Corpus Christi, que é a festa mais importante da arquidiocese, ele colocou como tema o direito à moradia. Daquela torre da catedral desceu uma faixa imensa dizendo: 'Moradia é um direito humano'", conta.

Segundo Evaniza, a Igreja deixou de ser tão atuante na vida das pessoas nos últimos tempos. Ela disse esperar que a Igreja "continue sendo um lugar de acolhida do povo, para o povo se organizar e lutar" contra o desemprego, a reforma da Previdência e o "desmonte das políticas sociais".

"Essas seriam lutas que, com certeza, dom Paulo estaria na frente com a gente."

Entre as autoridades, compareceram o governador paulista, Geraldo Alckmin, e o prefeito eleito de São Paulo, João Doria, ambos do PSDB; o prefeito Fernando Haddad (PT); e o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes. Numa cena rara, o quarteto dividiu a primeira fila da ala destinada a autoridades.

 O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve no velório na quinta-feira. O presidente Michel Temer (PMDB) não foi ao velório nem ao enterro, mas enviou uma coroa de flores.

Entre as autoridades do clero presentes, estavam o arcebispo de Vitória, Dom Luiz Vilela; o arcebispo do Rio, cardeal dom Orani Tempesta; arcebispo emérito do Rio,  cardeal dom Eusébio Scheid; o arcebispo de Brasília e presidente da CNBB, cardeal dom Sérgio da Rocha e o arcebispo emérito de Aparecida e ex-presidente da CNBB, dom Raymundo Damasceno Assis.

 "Paulo nos estimula, como conferência episcopal, a ser uma Igreja profética, isto é, que anuncia a esperança, a vida nova que vem de Jesus, mas que também denuncia as injustiças, a violência, para afirmar a dignidade e os direitos, sobretudo dos mais pobres e fragilizados", disse dom Sérgio.

A missa de exéquias – honras fúnebres – teve duas horas de duração. A catedral, que tem capacidade para 2.300 pessoas está lotada. Uma grande faixa da Pastoral do Povo de Rua foi estendida em meio aos populares que assistem a celebração.

Em sua homilia, dom Odilo lembrou o lema de dom Paulo, "de esperança em esperança", e disse que a frase serviu como "fio condutor" de sua vida.

"Esta mesma esperança unida à fé inabalável deu-lhe a sabedoria dos humildes, capazes de reconhecer a dignidade e a beleza de cada criatura, especialmente de cada pessoa humana", disse o cardeal.

O caixão deixou o altar sob muitos aplausos e gritos de "viva dom Paulo".

A cripta onde dom Paulo foi sepultado foi aberta ao público pouco depois da missa. Centenas de fiéis fizeram fila para entrar no local. Nos bancos da catedral, muitos rezavam.

Para dom Odilo, dom Paulo deixa para o momento político de hoje uma mensagem a favor "do que é justo, do que é honesto", do respeito a todos e da defesa dos mais pobres.

Dom Cláudio Hummes, arcebispo emérito de São Paulo, disse que a defesa dos direitos humanos feita por dom Paulo continua sendo muito importante. "Quando nós vemos os terrorismos, a Síria, aquelas coisas bárbaras, quanto falta uma voz profética que fale, que não tenha medo, não recue. Claro, nós temos o papa Francisco, que faz isso, mas ele precisa de outras pessoas que se juntem e gritem como ele. Dom Paulo fazia isso. Ninguém o calava, o segurava. Ele ia confiando em Deus e pronto."

Biografia

Paulo Evaristo nasceu em 14 de setembro de 1921 na pequena Forquilhinha, na região de Criciúma, antiga colônia de imigrantes alemães em Santa Catarina. Ele morreu aos 95 anos após sofrer de broncopneumonia.

A exemplo do irmão mais velho, frei Crisóstomo, Paulo Evaristo entrou em um seminário franciscano. Foi professor de Teologia no seminário franciscano de Petrópolis (RJ), onde trabalhou dez anos em favelas, período que descreveria como o mais feliz da vida. Em maio de 1966, foi nomeado bispo auxiliar do então cardeal de São Paulo, dom Agnelo Rossi, que o designou para a região de Santana, na zona norte.

Dedicava-se aos presos da Casa de Detenção do Carandiru e criava núcleos das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), experiência pioneira na arquidiocese, quando, em 1970, tornou-se o novo arcebispo de São Paulo.

Um ano antes, tivera os primeiros contatos com vítimas do regime militar, início da luta em defesa dos direitos humanos que marcaria sua carreira. Designado pelo cardeal para verificar as condições em que se encontravam os frades dominicanos e outros religiosos na prisão, constatou que eles estavam sendo torturados.

Os militares não gostaram da nomeação de dom Paulo. Quando foi elevado a cardeal, em março de 1973, uma das suas primeiras medidas foi criar a Comissão Justiça e Paz, formada por advogados e outros profissionais, para atender pessoas perseguidas pela ditadura. Funcionava na Cúria Metropolitana, sinônimo de refúgio e esperança para as famílias de mortos e de desaparecidos.

Dom Paulo tornou-se um símbolo de resistência contra a ditadura militar e, entre outras ações, denunciou torturas nos quartéis, visitou presos em suas celas e liderou protestos.