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Repasses à empresa que gere presídios no AM mais que dobraram em 3 anos

O Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim) durante a rebelião de segunda - Xinhua - 2.jan.2017/A Crítica
O Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim) durante a rebelião de segunda Imagem: Xinhua - 2.jan.2017/A Crítica

Bernardo Barbosa e Bruna Souza Cruz*

Do UOL, em São Paulo

05/01/2017 06h00Atualizada em 05/01/2017 17h42

Os repasses do governo do Amazonas à Umanizzare, empresa responsável pela administração do presídio de Manaus onde 56 detentos foram assassinados nesta semana, mais que dobraram entre 2014 e 2016, chegando a R$ 300,9 milhões. O MPC-AM (Ministério Público de Contas do Amazonas) vê indícios de superfaturamento e pediu a rescisão dos contratos.

Os números sobre os pagamentos estão disponíveis no Portal da Transparência do Estado. O valor de R$ 300,9 milhões corresponde à gestão do Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), onde houve o massacre, e de mais cinco unidades prisionais.

A Umanizzare começou a gerir presídios no Amazonas em 2013, apenas com a Unidade Prisional do Puraquequara. Naquele ano, a empresa recebeu R$ 14,2 milhões do governo. No ano seguinte, a companhia passou a administrar outras cinco unidades, entre elas o Compaj, e recebeu R$ 137,2 milhões.

Em 2015, os repasses do governo somaram R$ 198,5 milhões, um salto de 44,65% frente ao ano anterior. E em 2016, o total de R$ 300,9 milhões representou um aumento de 51,57% na comparação com um ano antes.

De acordo com os contratos do governo de Amazonas com a Umanizzare, os valores pagos à empresa devem ser reajustados pelo índice IGP-DI. O acumulado do índice entre janeiro de 2014 e novembro de 2016 ficou em 22,04%, segundo o Banco Central.

No total, entre 2013 e 2016, a empresa recebeu R$ 651 milhões dos cofres públicos. Ao longo do período, os contratos para a gestão de três das seis unidades prisionais foram prorrogados sem licitação.

Procurada pelo UOL para explicar o que provocou o aumento dos repasses, a Seap-AM (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Amazonas) informou que "os valores praticados são aplicados com base nas atribuições contratuais", que "a estrutura oferecida pela Umanizzare, bem como os programas desenvolvidos nas suas unidades, não permitem comparação com valores praticados nos presídios geridos exclusivamente pelo poder público, já que nessas unidades o preso geralmente não dispõe de tais atividades e estrutura". Disse ainda que "cada unidade prisional possui um custo específico, variando de acordo com o tamanho da unidade e o tipo de regime: aberto, semiaberto ou fechado".

Segundo os contratos com o governo, a Umanizzare deve prestar serviços "técnicos e assistenciais nas áreas: jurídica, psicológica, médica, odontológica, assistência social, assistência ocupacional, assistência religiosa e material", além de serviços gerais, de manejo, identificação, prontuário, movimentação, administrativos e de alimentação. Na outra ponta, o Estado tem o papel de disponibilizar os prédios onde as unidades prisionais estão instaladas, nomear diretores (e outros cargos de confiança), e dar suporte da Polícia Militar para ajudar na guarda externa e escolta dos internos, além de fornecer carros para os presídios.

Superlotado, presídio de Manaus foi cenário de massacre

UOL Notícias

MP vê indícios de superfaturamento

Nesta quarta, o procurador de contas Ruy Marcelo Alencar de Mendonça fez uma petição ao TCE-AM (Tribunal de Contas do Estado) solicitando a rescisão, em até 30 dias, dos contratos do governo com a Umanizzare e com a Multi Serviços Administrativos, que gere a Penitenciária Feminina de Manaus. Mendonça também pede uma revisão do modelo de gestão prisional do Amazonas “para superar o quadro de manifesta ineficácia de gestão interna por terceirização”.

No documento, ao qual o UOL teve acesso, o procurador afirma ver "indício de sobrepreço e abundância de dinheiro nas terceirizações", o que seria reforçado pelas "doações das empresas a candidatos de cargos políticos".

Segundo a petição, o Estado paga mensalmente R$ 4.709,78 por preso no Compaj, onde houve o massacre. Para Mendonça, o valor não é composto por "critérios claros, aceitáveis, razoáveis e objetivos de descrição de serviços e custos". Além disso, diz ele, a quantia é paga "sem a demonstração de contrapartida de serviços proporcionais".

“A lotação triplicou, mas não se vê sequer os serviços originalmente pactuados. Não foram capazes de de garantir a segurança dos presos que estavam ameaçados”, disse ao UOL o procurador de contas. “Do jeito que está, não há a mínima condição de tutela dos presos.”

Questionada pelo UOL nesta quarta (4), a Seap-AM não informou o custo mensal por preso no Amazonas. Da mesma forma, o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), do Ministério da Justiça, foi procurado pela reportagem por e-mail para informar o custo mensal por preso nas penitenciárias estaduais do país, mas não retornou até o fechamento da matéria. Em novembro, a presidente do STF, Cármen Lúcia, disse que "um preso no Brasil custa R$ 2,4 mil por mês".

Em junho de 2012, o CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária), órgão do Ministério da Justiça, publicou resolução determinando parâmetros para que os Estados informassem ao Depen o custo mensal do preso.

No entanto, de acordo com levantamento feito pelo Gecap (Grupo de Estudos Carcerários Aplicados), da Faculdade de Direito da USP em Ribeirão Preto, no primeiro semestre de 2016, isso nunca aconteceu. Apenas Paraná (R$ 2.393), Rio Grande do Sul (R$ 1.799,89) e Rondônia (R$ 3.000) informaram o custo mensal do preso em 2015, mas sem atender, segundo os responsáveis pelo estudo, os parâmetros da resolução do CNPCP.

Empresa diz que não há como comparar valores

Em nota enviada ao UOL, a Umanizzare diz que as atividades executadas por ela impactam nos custos e lista 11 projetos não previstos no contrato "que visam à reeducação e à ressocialização dos internos".

"Além desses projetos, foram realizados em 2016, apenas no Compaj, 53.798 atendimentos --por advogados, assistentes sociais, dentistas, educadores físicos, enfermeiros, médicos, psiquiatras e psicólogos. Para se ter ideia, os profissionais da Umanizzare promoveram, em média, quatro atendimentos ao mês, por preso", diz o texto.

Sobre os custos por preso, a empresa diz: "A estrutura oferecida pela Umanizzare, bem como os programas desenvolvidos nas suas unidades, não permitem comparação com valores praticados nos presídios geridos exclusivamente pelo poder público, já que nessas unidades o preso geralmente não dispõe de tais atividades e estrutura. Além disso, cada unidade prisional possui um custo específico, variando de acordo com o tamanho da unidade e o tipo de regime: aberto, semiaberto ou fechado."

Relatório apontava problemas de segurança

Um relatório do MNPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), órgão ligado ao Ministério da Justiça, publicado há um ano, já apontava problemas com a segurança dos internos do Compaj. Peritos demonstraram preocupação com o risco de assassinatos decorrentes das rivalidades entre as facções dentro do sistema penitenciário do Estado.

"Várias pessoas isoladas relataram que os presos dos pavilhões possuem ferramentas capazes de quebrar as paredes das unidades que são, aparentemente, frágeis. Então mesmo 'isoladas', sentem muito receio de estarem em locais de fácil acesso e, assim, serem torturadas e morrer nas mãos da massa carcerária", lê-se no relatório.

Formado por 11 peritos que exercem mandatos de três anos, o MNPCT tem como função a prevenção e combate à tortura no país. A sua principal função é vistoria, sem prévio aviso, "a instituições de privação de liberdade", a exemplo de presídios e cadeias públicas. O órgão é ligado à Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

*Colaborou Leandro Prazeres, do UOL em Brasília