Topo

MP-SP vai investigar promotor que comparou desembargadora a faxineira

O promotor Rogério Zagallo já havia sido suspenso por 15 dias por declarações no Facebook - Leonardo Soares/UOL
O promotor Rogério Zagallo já havia sido suspenso por 15 dias por declarações no Facebook Imagem: Leonardo Soares/UOL

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

09/01/2017 16h41Atualizada em 09/01/2017 17h58

A Corregedoria do Ministério Público do Estado de São Paulo confirmou nesta segunda-feira (9) que vai abrir, nos próximos dias, procedimento para investigar a conduta do promotor Rogério Zagallo a respeito de declarações dele no Facebook.

Segundo reportagem da Folha, Zagallo, que atua desde a década de 1990 na 5ª Vara do Júri do Tribunal da Barra Funda, em São Paulo, comentou no post de um advogado amigo dele que a desembargadora do Tribunal de Justiça do Amazonas Encarnação das Graças Salgado, que atua em Manaus, tem "carinha" de faxineira. O comentário foi feito no domingo (8) a um texto que mencionava o fato de a magistrada ser investigada por suposta ligação com a facção criminosa FDN (Família do Norte) –que atuou no massacre de quase 60 presos, há uma semana, no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, na capital amazonense.

"Pela carinha, quando for demitida poderá fazer faxina em casa. Pago R$ 50,00", escreveu o promotor.

Em 2013, Zagallo já polemizara ao escrever, em seu próprio perfil, que manifestantes que bloqueavam vias públicas da cidade de São Paulo em protesto eram “um bando de bugios” que deveriam ser contidos pela Tropa de Choque da Polícia Militar. “Por favor alguém pode avisar a Tropa de Choque que essa região faz parte do meu Tribunal do Júri e que se eles matarem esses filhos da puta eu arquivarei o inquérito policial", escreveu, na ocasião.

O caso rendeu à época uma suspensão de 15 dias imposta pelo Conselho Nacional do Ministério Público, em 2014, e mantida pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em 2015.

Magistrada é "lobo em pele de cordeiro", defende-se promotor

Em entrevista ao UOL, Zagallo foi taxativo em negar que tenha dito que a magistrada se assemelhava a uma empregada doméstica.

“Quero ser responsabilizado pelo que fiz, e não pelo que acham que eu fiz -- a maldade está no ouvido (ou nos olhos) e não na boca (ou na caneta).  Não fiz associação sobre a fisionomia da magistrada --disse que ela estava ali atuando como lobo em pele de cordeiro, já que estava se vendendo a um grupo criminoso que degola pessoas vivas”, afirmou.

Indagado sobre o porquê da associação com “faxina”, o promotor explicou: “Por ‘carinha’, eu quis me referir ao comportamento dela, que foi afastada porque teria comprometimento com o crime, e à função dela, que, apesar ser extremamente nobre, naquela condição [a de quem faria faxina a R$ 50], seria vexatória. É como se ela estivesse descendo da condição de desembargadora para fazer um serviço de faxina –que, para ela, seria uma derrocada”, definiu o promotor, que fez questão de enfatizar: “Não fiz referência à mulher. A literalidade é tão clara e tão nítida, mas é óbvio que fui mal interpretado, porque tudo o que eu digo pode gerar uma repercussão”, completou.

Zagallo se manifestou também por meio de nota –na qual destacou: “Quis dizer apenas que ela tem que ser demitida e tem que trabalhar em função que, a despeito de ser nobilíssima, para ela (em virtude de uso do cargo para fins censuráveis), passa a ser humilhante, em razão dela ter, um dia, se valido de seu cargo de magistrada para beneficiar perigosos e desumanos bandidos.”

Procurado, o MP informou que o procedimento contra Zagallo será instaurado nos próximos dias, mas nenhum representante quis se manifestar a respeito do caso.

Recomendação do CNMP pede cautela em redes sociais

No último dia 3 de novembro, por meio da recomendação geral nº 01, distribuída aos MPs estaduais, o Conselho Nacional do Ministério Público estabeleceu critérios a serem seguidos pelos promotores públicos, não apenas em relação à vedação da atividade político-partidária, como ao uso das redes sociais e do e-mail institucional.

Sobre o comportamento nas redes sociais, por exemplo, a recomendação coloca o “dever de os membros do Ministério Público manter conduta ilibada, nos aspectos público e privado, inclusive nas redes sociais, em respeito à dignidade das funções”, mesmo com o direito à liberdade de expressão. Sobre isso, um dos pontos que a recomendação coloca é “o amplo alcance das manifestações nas redes sociais e a necessidade de se preservar a imagem, a dignidade e o prestígio do Ministério Público e dos seus membros e servidores”.

As redes sociais, continua o documento, “em razão da sua natureza, permitem a divulgação exponencial do conteúdo, de forma permanente, ainda que compartilhado inicialmente com um grupo restrito de usuários”.

Desembargadora é investigada desde 2016

A magistrada citada por Zagallo foi identificada pela operação La Muralla, em 2015, em grampos telefônicos que interceptaram conversas entre advogados da facção Família do Norte e funcionários do Judiciário amazonense. As informações foram enviadas ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) e originaram a segunda fase da operação, que cumpriu mandados de busca e apreensão, em junho de 2016, na casa e no gabinete da desembargadora.

Ela é investigada por supostamente receber dinheiro em troca da liberação de presos por meio de decisões judiciais tomadas em plantões do Judiciário. Ela foi afastada pelo STJ após as buscas realizadas pela Polícia Federal. 

Por meio do advogado Emiliano Aguiar, que faz a defesa dela, a desembargadora informou que seu afastamento vai no sentido contrário do que prevê a Lei Orgânica da Magistratura e, portanto, é ilegal. Para a magistrada, o afastamento só é possível após o oferecimento da denúncia e não em fase de investigação. Sobre a suspeita de venda de sentença, o advogado afirma que não há elementos no pedido de busca e apreensão que aponte para qualquer conduta irregular da desembargadora.

* Com informações da Estadão Conteúdo