A gente não pode calar essa expressão que é a arte urbana, diz grafiteiro Veracidade
O novo prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), anunciou que irá limpar vários muros e painéis espalhados pela cidade. Alguns dos mais conhecidos estão na área conhecida como "Arcos do Jânio", no centro, e ao longo da avenida 23 de Maio, na zona sul da capital.
Segundo Doria, as obras mais envelhecidas e/ou “mutiladas” por pichadores serão pintadas e São Paulo iniciará uma grande campanha contra a pichação.
Para o educador e grafiteiro Mauro Neri, conhecido como Veracidade e um dos nomes importantes no cenário da arte urbana da cidade, a polêmica poderia ser resolvida (ou amenizada) com mais diálogo entre prefeitura, grafiteiros e pichadores.
O artista, que nasceu e cresceu no Grajaú, periferia da cidade, acredita que essa disputa de forças poderia ser substituída por uma “cuidadoria” (curadoria + cuidado) participativa da arte nas ruas.
“Precisamos ouvir quem acumula experiência nesse sentido. Todos esses que são autoridades estéticas ou legitimidade estética na rua [arquitetos, paisagistas, grafiteiros e até os pichadores]. São pessoas especialistas que olham para a cidade, que tem um olhar estético paisagístico”, defende o artista visual.
O jovem é idealizador dos projetos Imargem e Cartograffiti, que reúnem artistas e educadores em ações artísticas e discussões sobre a arte urbana buscando trazer o olhar da sociedade para as ruas.
Segundo ele, a tentativa de acabar com as pichações poderá até torná-las mais fortes. “O que pode ser bom ou ruim, dependendo de quem ver. Em todo caso, não pode calar essa expressão tão forte que é a arte urbana”, ressalta. “Se algum trabalho precisa de restauro ou revitalização, precisa discutir isso de uma forma mais coletiva.”
Outro ponto destacado pelo grafiteiro é que, ao invés de o foco estar no combate ao pichador, as discussões deveriam ser sobre a necessidade de mais políticas de valorização do espaço público.
“A questão principal que está sendo colocada em jogo e onde mais devemos ter cuidado é com relação a essa ideia de ódio [contra o pichador]. A gente sabe que muitos pichadores são mortos pela polícia ou por mão de pessoas intolerantes”, afirma.
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“O fenômeno do grafite e da pichação é inerente a toda a cidade. Independente da gestão política, a cidade lida com isso e com seus aspectos positivos e negativos”, acrescenta.
Parte positiva
Apesar da polêmica em relação à limpeza de murais e painéis, o artista ressalta que é preciso acolher em partes esse pensamento, ainda que pareça um pouco “alarmante, sensacionalista e midiático”.
“Tem surtido um efeito nunca antes visto. Quem ia imaginar que um prefeito ia usar tanto tempo, tanta audiência para falar de pichação?”, afirmou. “Talvez a gente agora tenha uma atenção que a gente nunca teve para um assunto que precisa muito ser discutido. Acredito que a cidade [São Paulo], exemplo dessa cultura no mundo, tem muitas contribuições para dar.”
“As pichações não vão deixar de existir. Existe aí um entusiasmo, energia, potência que precisa ser valorizada e estimulada de forma positiva. A pichação tem muito a dizer. Se a gente hoje se incomoda com ela é porque a gente virou as costas para ela. A gente vai ganhar muito se passar a reparar e a entender a história da pichação”, concluiu.
Cidade Linda
A limpeza de muros e painéis faz parte do programa intitulado “Cidade Linda”, que teve início no dia 2 de janeiro e prevê, entre outras coisas, a limpeza de ruas, praças, troca de sinalização e pintura de guias.
Um dia após assumir a prefeitura de São Paulo, Doria se vestiu de gari numa ação simbólica do lançamento do projeto. Na data, ele posou para fotos com o uniforme, varrendo um pequeno trecho de calçada na praça 14 Bis, no centro da cidade.
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