Empresário ganha na Justiça direito de usar apelido: "não é Manoel, é Peixe"
Embora tenha visto (e sobretudo ouvido) o pássaro somente umas cinco ou seis vezes, o empresário Manoel Aparecido Gonçalves, 61, teve a vida marcada pelo peixe-frito-pavonino (Dromococcyx pavoninus). Morador do município de São Sebastião do Paraíso (400 km de Belo Horizonte), desde criancinha ele adotou o nome "Peixe", como o do passarinho, e passou a ser conhecido e chamado assim. Só faltava mesmo formalizar.
Agora é oficial: com autorização da Justiça, ele se chama Manoel Peixe.
A história vem dos anos 1960, quando o menino Gonçalves e outras crianças de São Sebastião do Paraíso gostavam de passear pelas matas e roças no entorno da cidade. Ele conta que ficava maravilhado em ouvir, no cair da noite, os dois silvos breves e intermitentes do peixe-frito, “um pássaro raro na região”.
Ainda menino, decorou o canto, explica o empresário, e o repetia a todo momento: dois silvos breves e intermitentes.
Na adolescência, Gonçalves imitava o som do pássaro durante as partidas no campo de futebol da cidade. Os colegas lhe puseram o apelido de peixe-frito. Ele gostou e resolveu adotar um novo nome: “é Peixe, peço que não me chamem de Manoel”.
Os amigos e conhecidos de São Sebastião do Paraíso tiraram o "frito" do apelido, com o passar do tempo, e ficou só o "peixe".
Já adulto, Gonçalves se casou e se mudou para uma casa na avenida Zezé Amaral, número 725, esquina com a rua Dino Amaral, no bairro São José. No local, abriu o próprio negócio: a Funilaria Peixe.
Logo depois, ele se lembra, a confluência entre a avenida e a rua acabou recebendo o nome de “esquina do Peixe”, ponto de referência do bairro São José e até de São Sebastião do Paraíso, cidade de 70 mil habitantes.
Em 2009, Gonçalves fechou a funilaria e abriu uma lanchonete. Queria vender hambúrguer e misto-quente, na esquina do Peixe, mas não conseguiu entregar um único sanduíche: o primeiro casal de clientes chegou pedindo peixe.
Para atender o pedido, a mulher do empresário, Lurdes Souza Gonçalves, 53, improvisou uma porção de tilápia que estava na geladeira da casa. A lanchonete transformou-se, naquele instante, num restaurante especializado: mapará, merluza, traíra e panga, além de tilápia, adquiridos nas proximidades da represa de Furnas, no rio Grande, a cerca de 100 km de distância de São Sebastião do Paraíso.
“A chapa de fazer sanduíches está guardada na laje em cima do banheiro. Nunca usei. Nunca vendemos um único sanduíche. Desde aquele pedido, apanhei muito, mas aprendi a fazer peixe, que se tornou nossa especialidade”, afirma o empresário.
Sonho realizado pela filha
A advogada Priscila de Souza Gonçalves, 32, filha do empresário, conseguiu ajuda-lo a transformar em realidade a vontade da infância: chamar-se Peixe oficialmente.
“Realizei um sonho do meu pai", ela afirma. "Ele sempre quis isso”.
Em sua primeira ação na carreira, ela fez o pedido à Justiça e conseguiu a autorização.
No início de dezembro de 2016, um amigo de infância do comerciante, Márcio José Ferreira, 67, sentou-se no banco de testemunhas do Fórum e disse em juízo na sessão que discutia o caso: “não é Manoel, é Peixe”.
O juiz concordou e deu a sentença: ´”é Peixe”.
“Primeiro, juntei as certidões negativas, cível, criminal, trabalhista. Mostrei que ele não tinha nada [contra ele] e que seu pleito não trazia prejuízo para ninguém. Anexei ainda provas materiais, de correspondências, notas e fotos”, diz a advogada. “Estamos providenciando os documentos com o novo nome: Manoel Peixe Aparecido Gonçalves. A Justiça entrou em recesso logo após a divulgação da sentença.”
Tudo indica que ficou para trás, na vida de Peixe, o pássaro peixe-frito que originou a mudança. Foi substituído pelo bicho aquático.
“Estou me sentindo o chefe do cardume. Tudo que ficou para trás agora é peixe”, afirma o empresário.
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