Para juízes, prender mais reduz homicídios; estudiosos criticam superlotação
Os cinco Estados brasileiros com maior taxa de presos por habitante estão abaixo da média nacional do índice de homicídios por arma de fogo do país. Para juízes ouvidos pelo UOL, esta é uma prova de que há uma correlação entre o número de detenções e a diminuição de violência. Entretanto, pesquisadores do tema e entidades da área de segurança apontam a superpopulação carcerária como parte da causa da crise de segurança pública.
A constatação de índice de homicídios abaixo da média em Estados com maior proporção de presos é o principal argumento de juízes e entidades da magistratura para argumentar em favor do aumento no número de prisões nos últimos anos. Eles alegam que este aumento é também uma "resposta" ao crescimento de homicídios e crimes violentos no país.
Os dados abaixo são referentes a 2014 e foram cruzados pela reportagem do UOL com os números do Mapa da Violência e com os dados mais recentes do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), ligado ao Ministério da Justiça.
Número de homicídios x número de presos
Em 2005, o Brasil tinha 361 mil pessoas presas, número que saltou para 622 mil em 2014. Com isso, a taxa de encarceramento foi de 193 para 306 por 100 mil habitantes, um aumento de 55%.
Nesse mesmo período, a taxa de homicídios por arma de fogo no Brasil cresceu praticamente no mesmo ritmo: 52%, pulando de 17,1 de para 26 por 100 mil habitantes.
Entre os Estados com maior taxa de encarceramento está o mais populoso São Paulo, onde o índice é de 498 presos por 100 mil habitantes --60% maior que a média nacional. Já a taxa de homicídios em 2014 foi quase um terço da média nacional: 8,2 por 100 mil.
Dos dez Estados que mais encarceram proporcionalmente no país, dois têm índices de homicídios por arma de fogo acima da média. No outro lado da tabela, entre os dez que menos encarceram, três têm índices menores que a média.
"Houve uma escalada da violência"
"Se analisar o Infopen [relatório do Depen com os dados prisionais], os cinco Estados que têm maior taxa de encarceramento, nenhum está entre os 15 com maior taxa de homicídios", diz o juiz José Fabiano Camboin, da 1ª Vara de Execuções Criminais de São Paulo. "Aparentemente há uma relação e, quanto maior a taxa de encarceramento, menos violência. Ou seja, os números do governo federal, dados oficiais, não permitem concluir que a taxa de encarceramento aumenta a violência."
Para ele, o número de prisões é grande justamente porque a violência tem aumentado. "Houve uma escalada da violência nos últimos anos, e a repercussão imediata disso é aumento da taxa de encarceramento. Ao Judiciário, cabe aplicar a lei", afirma.
Posição semelhante tem a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros). Em declarações recentes, Jayme de Oliveira, presidente da entidade, diz que é um risco soltar presos e defendeu as prisões: "Essa crise não tem nada a ver com o Judiciário, é problema da gestão de presídios".
Para ele, são necessários mais presídios. "Isso depende do Poder Executivo, construir vagas em presídios em número suficiente para a população carcerária. Os juízes não podem colocar na rua, colocando em risco a sociedade, aqueles que têm penas a cumprir no sistema fechado", disse em entrevista à rádio CBN no último dia 19.
"Criminosos de alta periculosidade estão fora da cadeia"
O autor do Mapa da Violência e pesquisador Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, Julio Jacobo Waiselfisz, afirma que não é possível fazer um correlação direta entre as taxas de encarceramento nos Estados com índices de homicídios. Para isso, ele lembra que estatísticos têm várias ferramentas à disposição para analisar correlações - às vezes, os dados são absolutamente independentes. Um exemplo deste tipo de correlação sem casualidade é o de que quanto mais Nicolas Cage lança filmes em um ano, menos pessoas morrem em acidentes de helicóptero.
"O fato de um Estado encarcerar mais tem muito pouca influência", diz Waiselfisz. Pesquisador da área há mais de três décadas, ela diz haver uma política "encarceramento massivo" adotado no Brasil. Em um período de apenas cinco anos, o Brasil deixou o quinto lugar para tomar a liderança no número de presos por habitante na América do Sul.
Em 2010, o Brasil tinha 496.251 presos e uma média de 253 detentos para cada 100 mil habitantes. Já no relatório de 2016, o país apresentava 607.731 presos e saltava em 20% a média: 301 para cada 100 mil moradores.
"Nosso índice de elucidação de homicídios, segundo relatório do Conselho Nacional do Ministério Público, é de 6%. O que soluciona é aquele caso em flagrante, quando pegam o cara na hora de matar ou ele se entrega. Em geral, a nossa polícia não consegue elucidar e não consegue se prender o homicida", afirma Waiselfisz. "Nossas cadeias estão hiperlotadas, mas grande parte dos criminosos de alta periculosidade estão fora. Os que estão lá são muitas vezes sem perigo para o próximo."
"A prisão hoje no Brasil é exceção"
O juiz da Vara de Execuções Penais de Natal, Henrique Baltazar, também tem a opinião de que as prisões servem para inibir a prática de crimes e são importantes para a segurança pública.
Ele lembra que os dados do Depen omitem as penas alternativas aplicadas a pessoas que cometem pequenos delitos. Segundo Baltazar, esse número é bem maior que o total de presos.
"A prisão hoje no Brasil é exceção. Cabe só excepcionalmente em crimes punidos até quatro anos e também não é regra nos demais", afirma. "As estatísticas inclusive têm uma falha, pois não incluem os crimes de menor potencial ofensivo, que são muitos. Quanto aos crimes graves (como o é o roubo com uso de arma), o certo é que a prisão é o maior contra-estímulo à conduta criminosa."
"Quem entope nossas cadeias não são os homicidas"
Outros especialistas ouvidos pelo UOL também criticam o número de presos no Brasil. Segundo o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), ligado ao Ministério da Justiça, o país possui 371 mil vagas em prisões. Ao final de 2014 --dados mais recentes do órgão--, havia 622 mil detentos. Caso todos os mandados em aberto fossem cumpridos, o número de presos no país passaria de 1 milhão e, para abrigá-los sem superlotação, seria necessário o triplo da capacidade oficial nas carceragens brasileiras.
"A imensa maioria da população carcerária brasileira é por crimes não-violentos. Os presos por tráfico, furto, estelionato, receptação são mais da metade do total. Não faz sentido esse raciocínio que é uma resposta à violência. Quem entope nossas cadeias não são os homicidas", diz o advogado e coordenador do programa de Justiça da ONG (Organização Não-governamental) Conectas, Rafael Custódio.
"Ao invés de colaborarmos para a redução da criminalidade, o Estado estará retroalimentando a mesma criminalidade que se propõe a combater", afirma Ivênio Hermes, pesquisador e membro sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. "A perspectiva piora a cada encarceramento descontrolado, é como vermos o próprio estado incentivar que o crime organizado se fortaleça."
O jurista Welton Roberto, pós-doutor em direito criminal pela Universidade de Paiva (Itália), afirma que o encarceramento de pequenos traficantes e acusados de furto e roubo está longe de resolver o problema e contribuir para redução de crimes em qualquer Estado.
"Se o encarceramento evita crimes, como explicar a explosão demográfica penitenciária nos últimos dez anos? É uma lógica perversa essa. Usam o encarceramento como forma de prevenção, o erro mais grotesco da sociologia criminal. Eles prendem como tentativa de se fazer contenção policial e criminal --papel que não é do Judiciário", pontua.
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