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"PMs negaram ajuda para minha filha de 6 anos", diz mãe de baleada em SP

A menina Ana Vitória, de 6 anos, foi baleada em frente de casa, na zona leste de SP - Arquivo pessoal/Divulgação
A menina Ana Vitória, de 6 anos, foi baleada em frente de casa, na zona leste de SP Imagem: Arquivo pessoal/Divulgação

Janaina Garcia

Do UOL, em São Paulo

02/03/2017 13h40Atualizada em 02/03/2017 18h51

A açougueira Edvania Martins Rodrigues, 30, tinha a idade da filha, Ana Vitória, quando se mudou para uma favela na Vila Prudente, na zona leste de São Paulo. Ela contou que o local nunca foi marcado por tensão envolvendo moradores e policiais. Nessa quarta (1º), porém, aos seis anos de idade, a filha de Edvania foi atingida pelas costas por um tiro que a família afirma ter sido disparado por um policial militar. Segundo a mãe, a criança corre o risco de ficar com a bala alojada em uma região de músculos até a idade adulta. Por enquanto, Ana Vitória é filha única. Edvania está no quarto mês de gestação.

No momento em que foi atingida, a criança fazia o que era parte da rotina dela: brincava em frente à casa onde mora com a mãe e a avó. Ao ser baleada, correu para a matriarca, que a socorreu. Segundo Edvania, a menina relatou à avó que, quando olhou para trás, “só tinha policial atrás dela”.

“Minha mãe pegou a Ana no colo e pediu socorro aos policiais, mas eles ficaram parados na porta de casa. Ela disse um ‘por favor, me ajuda!’, mas eles pediram que ficasse calma e procurasse ajuda na avenida”, contou Edvania. “Negaram ajuda para minha filha de seis anos. Eles negariam para a filha deles? Ou mandariam um parente deles ter ‘calma’, também?”, indagou.

Vítima foi transferida de hospital três vezes

A avó de Ana conseguiu que um amigo da família levasse a criança a um hospital da zona leste –o João XXIII, na Mooca. De lá, porém, teve que ser transferida ao Hospital Municipal do Tatuapé, também na região leste, para uma limpeza da área afetada. A bala entrou pelas costas, atravessou o ombro e se alojou na axila, em uma região muscular. De lá, foi novamente encaminhada ao João XXIII – que, sem pediatria, pediu que a criança fosse mandada de volta ao Tatuapé, onde continua internada.

Ana Vitória ficou com a bala alojada em uma região muscular - Arquivo pessoal/Divulgação - Arquivo pessoal/Divulgação
Ana Vitória ficou com a bala alojada em uma região muscular
Imagem: Arquivo pessoal/Divulgação

Ao UOL, a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal da Saúde informou que a cirurgia a que Ana terá de ser submetida, após avaliação, “não é de emergência, mas eletiva” –de acordo com a avaliação médica. Isso porque a bala “não atingiu nenhum órgão: instalou-se no músculo”, salientou a pasta.

De acordo com a secretaria, a criança foi submetida a duas limpezas no ferimento –uma na Mooca, no primeiro atendimento, e outra no Tatuapé. O quadro dela é considerado regular e estável. Sobre o porquê de a menina não ter passado pelo procedimento de retirada da bala no primeiro hospital, a assessoria alegou ainda que, além de não ter comprometido órgãos da paciente, o João XXIII não tinha pediatria no início da noite de ontem e a referência para isso seria o Tatuapé. “Ela está sendo assistida, e, quando oferecer condições, o médico é quem vai avaliar o que será feito”, resumiu a secretaria.

Para a mãe da criança, o fato de o caso não ser considerado de emergência não reduz a preocupação da família sobre a recuperação de Ana Vitória.

“É claro que isso não nos conforta. Estou vendo minha filha, uma criança de seis anos, com uma bala alojada no corpo e ouvi de um médico que ela corre o risco de ter de conviver com isso até a vida adulta, porque não tem estrutura física, agora, para ser submetida a uma cirurgia de retirada. Não tenho nem palavra para descrever o que estou sentindo”, desabafou.

A limpeza a que a garota foi submetida retirou resquícios de roupa e cabelo da área atingida. Não há previsão de alta para ela.

Ouvidoria pede que Corregedoria investigue ação de policiais

Coordenador da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), o advogado Ariel de Castro Alves afirmou que o órgão, vinculado à Secretaria Estadual de Justiça, pediu à Ouvidoria da PM que instaure um procedimento “sobre possíveis excessos na ação policial”. “Pediremos também ao Ministério Público que acompanhe as investigações”, completou.

Ouvidor das polícias Civil e Militar, o advogado Júlio César Neves pediu à Corregedoria da PM que investigue o caso. "Precisa ficar claro se a bala que atingiu essa criança partiu ou não da arma de um policial. Isso precisa vir à tona porque é uma acusação muito grave [a de que, segundo a família, policiais teriam atirado em Ana Vitória]", declarou. "O grande problema, me parecem, é que essa bala ainda não foi retirada --e isso ajudaria a identificar de onde partiu o projétil. De toda forma, a Polícia Civil instaurou inquérito também para apurar; vamos acompanhar"; concluiu.

Secretaria nega omissão de socorro e diz que PMs foram ameaçados

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que as circunstâncias em que Ana Vitória foi atingida são "objeto de apuração tanto pela Polícia Civil, quanto pela Militar". "O 56º Distrito Policial (na Vila Alpina) instaurou inquérito para apurar de onde partiu o disparo que atingiu a criança. As armas dos PMs que atenderam a ocorrência foram apreendidas e, assim que for extraído, o projétil será encaminhado para confronto balístico", diz trecho da nota da pasta.

"A PM esclarece que os policiais que atenderam a ocorrência informaram que patrulhavam a região quando um homem atirou contra eles. Segundo eles, o tiro ricocheteou e atingiu uma criança, que correu em direção a avó. Os PMs afirmaram que tentaram socorrê-la. Contudo, moradores da comunidade começaram a arremessar objetos contra eles e tentaram agredi-los. Assim, os policiais entregaram a criança para a avó e solicitaram apoio. Os PMs cercaram o local para tentar localizar e prender o criminoso", finalizou a pasta.

A secretaria ainda não informou, no entanto, se os PMs que participaram da ação seguem em trabalho nas ruas ou foram afastados até que o caso seja esclarecido.